sábado, 28 de setembro de 2013

Uma redondilha de Camões:

MOTE

Descalça vai pera a fonte
Lianor, pela verdura;
vai fermosa e não segura.

VOLTA

Leva na cabeça o pote,
o testo nas mãos de prata,
cinta de fina escarlata,
sainho de chamalote;
traz a vasquinha de cote,
mais branca que a neve pura;
vai fermosa e não segura.

Descobre a touca a garganta,
cabelos d' ouro o trançado,
fita de cor d' encarnado...
Tão linda que o mundo espanta!
Chove nela graça tanta
que dá graça à fermosura;
vai fermosa, e não segura.
Reponho duas poesias do poemário Esta brevidade das palavras:

Cantiga Secreta


De secreto nome havia uma flor.
E era também um rio e melodia.
E era breve, tão breve.


Mar ou Oceano, ou apenas água



No oceano triste, as velas se alevantaram.
Descuidadas sereias inundam o convés.
Havia só a água, e a espuma.


António Eduardo Lico


sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Uma poesia de Raquel Nobre Guerra:


BÍLIS NEGRA

aqui morro muitos anos convosco
estremecendo à sabedoria dos tolos
aqui certo clima de nojo e uma galeria viva
de absurdos para a visão integral da coisa
solene
peçam-se óculos para ver melhor, peçam-se janelas
para ver o mar
eu estarei certa à chuva própria desse estado
adequada e a direito despejando-me aqui
chamo a minha mãe ao corpo, não tenho nada
preparado, tenho um telegrama visual e chamo
alto e chego para provar que este mote é só um meio
de porte
há-de encastelar em areia o finalismo rente aos dedos
subir-me à boca subir em bando à do louco onde
terei posto a minha
e aí na ervinha de um passeio restar
à perseguição da luz como um animal deslumbrado
que atravessou
Reponho duas poesias do poemário Esta brevidade das palavras:


Cantiga de Verão


Inocente é o Verão.
Que de verde ondula searas.
E habita, pleno, as rosas breves.


Calor

Era o calor, esse abismo.
Que te mordia as veias.
Era o Verão que te anunciava.

António Eduardo Lico

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Uma poesia do grande poeta António Ramos Rosa, falecido recentemente e cujo funeral se realizou hoje.
António Ramos Rosa é um dos poetas que mais admiro.

Estar Só é Estar no Íntimo do Mundo

Por vezes cada objecto se ilumina
do que no passar é pausa íntima
entre sons minuciosos que inclinam
a atenção para uma cavidade mínima
E estar assim tão breve e tão profundo
como no silêncio de uma planta
é estar no fundo do tempo ou no seu ápice
ou na alvura de um sono que nos dá
a cintilante substância do sítio
O mundo inteiro assim cabe num limbo
e é como um eco límpido e uma folha de sombra
que no vagar ondeia entre minúsculas luzes
E é astro imediato de um lúcido sono
fluvial e um núbil eclipse
em que estar só é estar no íntimo do mundo



Após férias e outros afazeres de natureza pessoal, vou retomar aos poucos a minha actividade no blog.
Retomo o fio da meada, repondo duas poesias do poemário Esta brevidade das palavras:


Cantilena do vinho e da rosa


O vinho é como a rosa.
Rubro é o seu perfume.
Secreta é a sua flor.


Pequena música

Era apenas melodia.
Apenas voo de pássaro.
Era apenas o meio-dia.

António Eduardo Lico