sábado, 31 de março de 2012

Mais três poesias de A rosa é a via:





Como rosa

Como rosa que compõe
jardins nos teus cabelos
e colhe água nos teus olhos,
o teu perfume secreto e denso
perde-se ao longe.


Pour une rose fort et intense

Toi qui est fort et intense
reine sur mon corps
et ma volonté.
Soit l’aigle qui vole,
et retourne sur moi
portant des roses.


La rose aux lèvres

Quand mon corps
sera un jardin submerse,
suspendu au coin de ta volonté
une liquide rose, rouge et noire
fleurirá entre nos lèvres.


António Eduardo Lico


O poeta deste Sábado é Armando da Silva Carvalho.
Nascido em Óbidos em 1938, dividiu a sua actividade entre a advocacia, ensino, tradução, jornalismo.
Estreou-se em poesia com a obra Lírica Consumível e, 1965, tendo recebido o Prémio Revelação da Sociedade Portuguesa de escritores.
Fica esta poesia:



Cinzas de Sísifo

Eu vi o sobressalto.
Nesse bosque de lâminas e luvas
tocaste cada coisa como
um grito.

E amaste a minha boca
como quem corta
os pulsos ao silêncio.

Se o vento te derrama
entre folhas e cinza
é sempre a mesma voz que não perdoa

a mesma lei

o mesmo labirinto.
José Afonso, musicou várias poesias de Camões. Fica aqui a belíssima Verdes são os Campos


sexta-feira, 30 de março de 2012

Mais três poesias de A rosa é a via:





Homenagem a Carlos Paredes

A tua guitarra.
obscura labareda
que ardia com o perfume
de mil rosas.



amor...uma rosa

Dê amor aos amantes uma faca
Para que cortem rosas e o tédio
E do amor provem doce remédio
Que só da rosa o perfume aplaca

Se Cupido aos amantes afraca
Da maior fortaleza é prelúdio
É o frio que se torna incêndio
É como o vento que a rosa ataca

Rouba dela o suave aroma
E joga de suave jardineiro
Suspenso em secreto idioma

Voa e é como alado barqueiro
Que voando, brusco, dos céus assoma
E planta a rosa como luzeiro



La dulce lágrima y la rosa

Dulce cae la lágrima dolorida
Amarga y tan llena de perfumes
Como si de los ojos te esfumes
Como se fueras rosa colorida

Como se fueras la agua florida
Que pura en los huertos te consumes
Y siempre corriendo nunca te sumes
Clara y breve y tan indefinida

Ay lágrima dolorida y breve
Vuelas por los aires oh flor hermosa
En tu loco sueño de aguanieve

El ruiseñor te canta dolorosa
En la noche, blanca, honda y leve
Y tu fugaz silueta de diosa


António Eduardo Lico


Na sequência de Casimiro de Brito, apresento hoje Gastão Cruz, também integrante da Poesia 61, e também algarvio, nascido em Faro em 1941.
Poeta, crítico literário e encenador (foi fundador do Grupo de Teatro Hoje), Gastão Cruz traduziu ainda vários autores, como William Blake e Jean Cocteau.
Fica este poema:


Realidade

Os factos
são o espelho as coisas mostram-
-se atravessadas pelos rios
do som A poesia
quebra o vidro do dia como duma
cratera a voz do fogo lança
os jactos

quinta-feira, 29 de março de 2012

Mais três poesias de A rosa é a via:





Soneto da guitarra e da rosa

A guitarra, com ser madeiro oco
Espalha a sua canção dolente;
Das cordas o som é uma torrente
Como se fora duende barroco

A rosa é guitarra que invoco
Cada entardecer ao sol poente;
Harmónico o perfume nascente,
Ao sul destes dedos com que te toco

Na rosa há melodias serenas
Pela guitarra galopam volúpias
E de súbito nascem cantilenas

E na guitarra nascem utopias
Quando nas rosas vemos açucenas
E levantamos do som as mãos ímpias


Música com chuva

Redondas, as gotas, são elas
que formam a harmonia
da música que tocam ao beijar o chão


Iansã, rosa preta


Iansã, rosa preta que vives no vento;
que mistério prende os teus cabelos de oiro
e os prende com flores vermelhas?
Saudade de quando eras Oyá
e corrias nas águas de um rio,
e mansamente voavas com o vento
que nascia em ti.
És água e és fogo
e rosa preta.


António Eduardo Lico

Casimiro de Brito, é o poeta de hoje.
Nascido em Loulé, Algarve em 1938. Começou a publicar em 1957 e desde então já leva publicados mais de 40 títulos entre poesia, ficção e ensaio..
Dirigiu com António Ramos Rosa a Revista "Cadernos do Meio-Dia", e com Gastão Cruz dirigiu os Cadernos "Outubro/Fevereiro/Novembro".
Membro do grupo Poesia 61, importante movimento na Poesia portuguesa, com Gastão Cruz, Fiama Hasse Pais Brandão, Luíza Neto Jorge e Maria Teresa Horta..
Fica ese poema:


SE EU TE PEDISSE A PAZ, QUE ME DARIAS
PEQUENO INSETO DA MEMÓRIA DE QUEM SOU
NINHO E ALIMENTO? SE EU TE PEDISSE A
PAZ, A PEDRA DO SILÊNCIO COBRINDO- ME
DE PÓ, A VOZ RUBRA DOS FRUTOS, QUE ME
DARIAS RESPIRAÇÃO PAUSADA DE OUTRO
CORPO SOB O MEU CORPO?

PERDOA-ME POR SER TÃO SÓ, E FALAR-TE
AINDA DO MEU EXÍLIO. PERDOA-ME SE NÃO
TE PEÇO A PAZ. APENAS PERGUNTO: QUE ME
DARIAS SE A PEDISSE?

A SABEDORIA?
UM CAVALO DE OLHOS VERDES?
UM TRONCO DE MADEIRA PARA NELE GRAVAR O TEU NOME JUNTO AO MEU?
OU APENAS UMA FACA DE FOGO, INTRANQUILA, NO CENTRO DO CORAÇÃO?

NADA TE PEÇO, NADA. VISITO, SIMPLESMENTE, O TEU CORPO DE CINZA.
FALO-LHE DE MIM, ENTREGO-TE O MEU DESTINO. E DELE ME LIBERTO SÓ
DE PERGUNTAR: QUE ME DARIAS SE EU TE PEDISSE A PAZ E SOUBESSES
DE COMO A QUERO REVESTIDA POR UMA CROSTA DE SOL EM LIBERDADE?

quarta-feira, 28 de março de 2012

Três poemas mais de A rosa é a via:





Como se...


Como se de Homero e Píndaro
viesse o perfume primordial,
a rosa esplendorosa, retorna
juvenil, pétala a pétala
e derrama o seu inesgotável vinho
simulando a sua morte sempre que abre


Em Agosto não devia haver rosas...
(homenagem a Federico Garcia Lorca
assassinado pelos franquistas em Agosto)

Agosto tem a lua toda
a desenhar de prata arabescos
ao acaso nas noites quentes
na sua morada fria e zodiacal

que desenhos fazes quando
vagueias pelos céus da Andalucia?
Ou procuras da seguidilla a melodia
e o silêncio que a apaga e faz renascer

como se cada corda da guitarra
tivesse todo o luar e todo o Agosto.
Agosto tem a lua toda
e não devia ter rosas

a perfumar o orvalho, esse ignorado mar
em que navegas em Agosto.


Como se fora perfume

Como se fora um jardim
que apenas tivesse uma rosa,
uma só rosa.
O teu sorriso desvanece-se no ar
Como se fora perfume.


António Eduardo Lico


O poeta que apresento hoje, nasceu em 1949 ma Mexilhoeira Grande, Algarve. Nuno Júdice, poeta, ficcionista, ensaista e professor universitário, é um dos grandes poetas da actualidade portuguesa.
Fica este poema:


Requiem por Muitos Maios

Conheci tipos que viveram muito. Estão
mortos, quase todos: de suicídio, de cansaço.
de álcool, da obrigação de viver
que os consumia. Que ficou das suas vidas? Que
mulheres os lembram com a nostalgia
de um abraço? Que amigos falam ainda, por vezes,
para o lado, como se eles estivessem à sua
beira?

No entanto, invejo-os. Acompanhei-os
em noites de bares e insónia até ao fundo
da madrugada; despejei o fundo dos seus copos,
onde só os restos de vinho manchavam
o vidro; respirei o fumo dessas salas onde as suas
vozes se amontoavam como cadeiras num fim
de festa. Vi-os partir, um a um, na secura
das despedidas.

E ouvi os queixumes dessas a quem
roubaram a vida. Recolhi as suas palavras em versos
feitos de lágrimas e silêncios. Encostei-me
à palidez dos seus rostos, perguntando por eles - os
amantes luminosos da noite. O sol limpava-lhes
as olheiras; uma saudade marítima caía-lhes
dos ombros nus. Amei-as sem nada lhes dizer - nem do amor,
nem do destino desses que elas amaram.

Conheci tipos que viveram muito - os
que nunca souberam nada da própria vida.

terça-feira, 27 de março de 2012

Mais três poesias de A rosa é a via:



Sete pétalas de rosa de Baco a Dionísio

De Baco a rosa jorra como vinho;
é de mosto esta rosa, ou esta máscara
que te revela: um dia Dionísio,
no outro Baco curado por Cibele.
Foste o único filho de uma mortal
nascido com destino de ser deus.
Quando eras Dionísio, Ninfas e Horas
cuidaram-te a tua divindade.
Baco, ou Dionísio, que importa?
São sete pétalas escondidas
que velam o teu nome.


Regra de três: a rosa

 Hermes, (in)voluntário mensageiro
entre céu e inferno:
eras três, como os mundos: Hermes, (tu próprio),
Toth e Hermes Trimegisto.
Em cada um de ti, a rosa.


A rosa esse abismo

 Vã pergunta e inútil a resposta.
O que é uma rosa?
Apenas se sabe que o seu perfume
é um abismo...de rosas.


António Eduardo Lico



Dia para a poesia de Antonio Gamoneda.
Grande figura da poesia de Espanha actual e dos últimos anos, Gamoneda é voz única, não filiável em escolas poéticas.
Nascido em 1931 em Oviedo, Antonio Gamoneda foi galardoado com diversos prémios, dos quais destaco o Premio Cervantes de 2006.
Fica esta poesia:

Nieve

Retrocede, combate
hacia atrás, corazón mío.
Cíñete al amor, queda
activo en cuerpos, en
materiales amantes.
Olvida la nieve, vive
con los tuyos, desciende
a la ternura. Este
es tu país.
¡Oh la sed, oh la sed!
¿Por qué este mismo fuego
me empuja hacia la nieve?
Subir, subir al agua
eterna donde viven
la claridad y el frío.
Un sueño: Cumbre inmóvil.
Nada y luz. Nadie, nadie.
Oh Dios, si sólo un pájaro
me visitase en esta
región de libertad.
Atrás, puros espacios,
belleza inhabitable.
vuelva la sed a su
origen en el fuego.

segunda-feira, 26 de março de 2012

Mais três poesias de A rosa é a via:





Poesia de secreto nome

Esta ancestral rosa que me sitia e liberta
é rosa, mas tem da urze o cheiro
e o seu perfume paira como a águia.


As rosas são breves

É breve a rosa,
todas as rosas são breves;
quatro letras de perfumes
que te consomem e sagram.
Apenas tenho rosa, esta palavra,
para cantar a tua brevidade


Bailan las gitanas,
míralas el rey;
la reina, con celos,
mándalas prender.

(Miguel de Cervantes)

Baila gitana, baila y vuela al cielo
Con tus rosas en tus labios
y manzanas en tus ojos.
Que todos miren tus cabellos al viento
y tu cuerpo de mariposa, suelto
en los olivares verdes y oscuros


António Eduardo Lico


Jorge Luis Borges, que é dele a poesia de hoje, nasceu em 1899 e faleceu em 1986.
Da vasta obra borgeana, a crítica já deu notícias, e pouco haverá a acrescentar. Autor de singular subejectividade, nada fácil para o leitor que se vê obrigado a decifrar verdadeiros enigmas. A sua poesia mantém-se como um permanente desafio.


El Cómplice
Me crucifican y yo debo ser la cruz y los clavos.

Me tienden la copa y yo debo ser la cicuta.

Me engañan y yo debo ser la mentira.

Me incendian y yo debo ser el infierno.

Debo alabar y agradecer cada instante del tiempo.

Mi alimento es todas las cosas.

El peso preciso del universo, la humillación, el júbilo.

Debo justificar lo que me hiere.

No importa mi ventura o mi desventura.

Soy el poeta

domingo, 25 de março de 2012

Mais três poesias de A rosa é a via:



A Sul da rosa

Não procuro as rosas, o perfume,
a rosa em si.
Apenas o Sul da rosa.


Rente à rosa

Rente à rosa e ao odor, a sombra
alguém a verá?


Sou rosa vermelha
Ai, meu bem querer
Beija-flor sou tua rosa
Hei de amar-te até morrer

(Ciranda da rosa vermelha, Domínio Público.
Canção popular brasileira)

Só as rosas vermelhas
são alimento do beija-flor,
e ficam intactas
como se esse obscuro perfume
fosse ainda o sangue das rosas
que poeta antigo, cantou e bebeu.

António Eduardo Lico


Domingo, 25 de Março, marca encontro com a poesia de Góngora.
Luis de Gíngora y Argote nasceu em Cŕdoba em 1561 e faleceu também em Córdoca em 1627.
Em 1585 tomou ordens menores e já era afamado como poeta, tendo inclusivé sido elogiado por Miguel Cervantes.
Por largo tempo as ordens sacerdotais foram-lhe negadas em virtude do seu estilo de vida boémio e pela mordacidade das suas poesias. Pleiteou poesia com o seu grande rival, Francisco de Quevedo.
Diz a crítica literária que há dois Góngora: um, o Príncipe da luz, outro o Príncipe das trevas.
Príncipe da luz na primeira fase da sua poesia, com os seus formosos romances. Príncipe das trevas na fase última da sua poesia, onde a estética barroca é levada ao extremo e produz poesias de grande obscuridade e difíceis de entender.
Fica este poema:

A UNA ROSA

Ayer naciste, y morirás mañana.
Para tan breve ser, ¿quién te dio vida?
¿Para vivir tan poco estás lucida?
Y, ¿para no ser nada estás lozana?
Si te engañó su hermosura vana,
bien presto la verás desvanecida,
porque en tu hermosura está escondida
la ocasión de morir muerte temprana.
Cuando te corte la robusta mano,
ley de la agricultura permitida,
grosero aliento acabará tu suerte.
No salgas, que te aguarda algún tirano;
dilata tu nacer para la vida,
que anticipas tu ser para tu muerte.
Ya besando unas manos cristalinas,
ya anudándose a un blanco y liso cuello,
ya esparciendo por él aquel cabello
que Amor sacó entre el oro de sus minas,
ya quebrando en aquellas perlas finas
palabras dulces mil sin merecello,
ya cogiendo de cada labio bello
purpúreas rosas sin temor de espinas,
estaba, oh, claro sol invidïoso,
cuando tu luz, hiriéndome los ojos,
mató mi gloria y acabó mi suerte.
Si el cielo ya no es menos poderoso,
porque no den los suyos más enojos,
rayos, como a tu hijo, te den muerte.

sábado, 24 de março de 2012

Mais três poesias de A rosa é a via:



El cante, la guitarra y la rosa

El cante caracolea por entre perfumes;
es hondo y vuela como pajaro.
La guitarra llora y de dentro de los dedos
sale, brusca, la rosa esperada.


Poesia simples

Eram uns olhos pretos, de que me despedi
quase sem os ver, quase sem me verem,
quase, como rosa que abre e morre,
quase como a distância entre a rosa
e o seu reservado perfume.


Canta camarada, canta
canta que ninguém te afronta
que esta minha espada corta
dos copos até à ponta

(Canção de contrabandistas da Beira-Baixa)

Era a lua, era a madrugada, era a raia
essa nesga de terra que te querem negar.
Era o canto que levavas na boca,
era uma terra noutra terra
que trocavas nessa obscura linha
a que chamam raia.
Era o silêncio dos passos e das sombras
e uma espada desenhada
como rosa por sobre o teu canto.


António Eduardo Lico





O acaso desta manhã de Sábado leva-me à poesia de William Blake.
Nascido em Londres em 1757 e falecido em 1827, Blake foi poeta, pintor e tipógrafo. Morreu sem o devido reconhecimento.
Bem à frente do seu tempo, viveu sempre à beira da pobreza. Casou com Catherine Boucher a quem ensinou a ler e a escrever, bem como a arte de imprimir. Catherine ajudou Blake toda a sua vida na arte da impressão. Blake ao contrário dos seus acomodados contemporâneos, observou e denunciou a exploração que via.

Fica etse poema:



O THOU with dewy locks, who lookest down
Through the clear windows of the morning, turn
Thine angel eyes upon our western isle,
Which in full choir hails thy approach, O Spring!
 
The hills tell one another, and the listening
Valleys hear; all our longing eyes are turn'd
Up to thy bright pavilions: issue forth
And let thy holy feet visit our clime!
 
Come o'er the eastern hills, and let our winds
Kiss thy perfumèd garments; let us taste
Thy morn and evening breath; scatter thy pearls
Upon our lovesick land that mourns for thee.
 
O deck her forth with thy fair fingers; pour
Thy soft kisses on her bosom; and put
Thy golden crown upon her languish'd head,
Whose modest tresses are bound up for thee.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Mais três poesias de A rosa é a via



Casi canción

La hermosa descia al llano
ay venia de la serrania
su pañuelo era gitano
y su cante de alegria

Donde vas rosa gitana
o eres florcita de Sierra Morena?
De riendas es tu voz
ay se vuelve mora en la llanura.
De tu cante vuelan palomas
que en Sevilla serán rosas,
ay rosas de sonidos
en el puente de Triana.

La hermosa descia al llano
ay venia de la serrania
su pañuelo era gitano
y su cante de alegria


Uma flor na névoa

Eras névoa quando nas manhãs
estendias, preguiçosa, as tuas pétalas.
Entre luz e sombra, entre noite e dia
eras fronteira invisível, um só ponto
de névoa imprecisa e tangível perfume
que esperava o meio-dia.


Cobre-me o corpo com rosas
Quando eu estiver no caixão,
Das mais lindas e viçosas,
Põe-mas sobre o coração.

(Poeta popular
Manuel da Silva Varejota, sitio dos Funchais,
freguesia de Querença, conselho de Loulé.)

Se o meu corpo pudesse cobrir as rosas
e ser-lhe o coração e o viço
e o alimento obscuro.

Se o meu corpo pudesse cobrir as rosas
todas as rosas, como se jardim fosse
e tivesse todas as rosas em mim.

Se o meu corpo pudesse cobrir as rosas
e as rosas fossem em mim
vida e morte, lenha e fogo.

Se o meu corpo pudesse cobrir as rosas
e ser como as rosas – o silêncio
ou o segredo de se morrer quando se abre.





Dia para a poesia de Miguel de Unamuno.
Unamuno, nascido em Bilbao em 1864 e falecido em 1936, foi poeta e filósofo.
Considerado a figura mais completa da geração de 98, estudou em Madrid e posteriormente ensinou na Universidade de Salamanca.
Fica este poema:

Castilla

Tú me levantas, tierra de Castilla,
en la rugosa palma de tu mano,
al cielo que te enciende y te refresca,
al cielo, tu amo,
Tierra nervuda, enjuta, despejada,
madre de corazones y de brazos,
toma el presente en ti viejos colores
del noble antaño.
Con la pradera cóncava del cielo
lindan en torno tus desnudos campos,
tiene en ti cuna el sol y en ti sepulcro
y en ti santuario.
Es todo cima tu extensión redonda
y en ti me siento al cielo levantado,
aire de cumbre es el que se respira
aquí, en tus páramos.
¡Ara gigante, tierra castellana,
a ese tu aire soltaré mis cantos,
si te son dignos bajarán al mundo
desde lo alto!

quinta-feira, 22 de março de 2012

Mais 3 poesias de A rosa é a via:



Disseram-me...

Disseram-me: a poesia
tem uma música secreta.
Eu digo-vos: as palavras
têm silêncios que rasgam
as notas e fazem as músicas.
Disseram-me: as rosas
têm perfumes secretos.
Eu digo-vos: as rosas
são flores secretas,
os perfumes apenas
nos lembram o segredo.


Sotavento

A sotavento do teu perfume
fica a terra da melancolia
onde este obscuros versos começam;
e todo o Sul se veste de vento
para receber o teu perfume.


El ruiseñor y la rosa

El ruiseñor canta y sus penas
se van lentas, con el viento.
Una rosa sembraba sus pétalos
y su perfume en el viento
y se cogia las penas.
Cantando, el ruiseñor
hacia su rosa en el viento.


António Eduardo Lico


O poeta de hoje é João Roiz de Castelo-Branco, poeta do séc. XV, provavelmente nascido em Castelo Branco e falecido na mesma cidade cerca de 1515.
Algumas das suas poesias estão integradas no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende.
A sua poesia mais conhecida, e uma das mais belas escritas em Língua Portuguesa é a Cantiga Partindo-se:

Senhora, partem tão tristes
meus olhos por vós, meu bem,
que nunca tão tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.

Tão tristes, tão saudosos,
tão doentes da partida,
tão cansados, tão chorosos,
da morte mais desejosos
cem mil vezes que da vida.
Partem tão tristes os tristes,
tão fora d' esperar bem,
que nunca tão tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Ao meu 3º projecto poético dei o nome de A Rosa é a via.
Ficam as 3 primeiras poesias, hoje:



A via é a rosa

A via é a rosa, e a rosa é a vida.
A via e a vida são como as peças do xadrez
movem-se, por vezes saem de cena,
agitam-se para atacar e defender um rei
que é apenas mais uma peça
desse jogo que é o xadrez.
No fim, como no jogo do xadrez.
a via e a vida moveram-se, saíram de cena
apenas permaneceu a rosa. Como via.


Tudo o que sei...

Tudo o que sei é nada
tudo o que não sei, é tudo
o que não sei, e é nada.
Nada é tudo, insisto:
tudo é a rosa.


Flor de espuma

Florcita de espuma
que nasces en las aguas;
danzas tu danza liquida
y luego es apenas espuma.
Tu vida es breve
eres flor y luego solo agua.

António Eduardo Lico


21 de Março, é Primavera, e a poesia de hoje é de Adonis.
Adonis é o nome literário de Ali Ahmad Said Esber. Nascido em 1930 na Síria.
Trabalhava no campo desde criança e a pai recitava-lhe poesias, que ele memorizava. Um dia teve a sorte de poder recitar para o então Presidente da Síria, e como lhe foi concedido um desejo, escolheu estudar. Formou-se em Filosofia.
Quando as suas poesias foram rejeitadas para publicação adopta o nome literário de Adonis.
Posteriormente adoptou a nacionalidade libanesa e vive agora em França.
Fica este poema na tradução castelhana de Maria Luisa Prieto:




Canción a Ahmad, Maryam y Karim


Ahmad, Maryam, Karim,

la luna del Sur visita sus casas

y besa sus piedras.

La luna del Sur cuelga sobre sus parras su caftán.

La luna del Sur reitera su pacto

con los campos y las flores

y reza la oración al alba sobre la rosa del ocaso.

La luna del Sur.

terça-feira, 20 de março de 2012

Termino a colocação as duas últimas poesias do meu projecto poético O Canto em mim:



Canto por las cigarreras de Sevilla


La niña, com su alma suspendida
En las fraguas de la saeta
le pedia a la Macarena dos lunas

Ay Sevilla que se perdieran
tus cigarreras. La Carmen
y su tragedia de riendas y siedas

perdida en las nervuras
del Guadalquivir que corre
en todas las varandas de Sevilla

Y todo es solo aire y agua
y se queda en un punto solo
la Macarena y sus lunas


Vintage Porto

Ah o vinho que corre no Douro
filosófico na sua melancolia rubra
não tem margens definidas
e corre para mares ignorados.
Rubro, como convém,
desafia químicas antigas
e gota a gota, indiferente,
tinge o rio de invisível vermelho.


António Eduardo Lico

O acaso desta Terça-feira parou em Arthur Rimbaud, o genial e misterioso poeta francês.
Nascido em 1854 e falecido em 1891, Rimbaud produziu as suas obras mais famosas na sua adolescência; entre os 15 e os 20 anos. Aos 20 anos calou-se, e dedicou-se a chocar a sociedade e os usos da sua época. Na constelação da Poesia, o nome de Rimbaud brilha com um fulgor inextinguível.
Ficará, como muitos outros poetas para novas colocações.
Deixo esta poesia, no original e depois uma possível tradução:

Chanson de la Plus Haute Tour

Oisive jeunesse
À tout asservie;
Par délicatesse
J' ai perdu ma vie.
Ah! Que le temps vienne
Où les coeurs s' éprennent.

Je me suis dit: laisse,
Et qu' on ne te voi:
Et sans la promesse
De plus hautes joies.
Que rien ne t' arrête
Auguste retraite.

J' ai tant fait patience
Qu' a jamais j' oublie;
Craintes et souffrances
Aux cieux sont parties.
Et la soif malsaine
Obscurcit mes veines.

Ainsi la Prairie
À l' oubli livrée,
Grandie, et fleurie
D' encens et d' ivraies
Au bourdon farouche
De cent sales mouches.

Canção da Torre Mais Alta

Mocidade presa
A tudo oprimida
Por delicadeza
Eu perdi a vida.
Ah! Que o tempo venha
Em que a alma se empenha.

Eu me disse: cessa,
Que ninguém te veja:
E sem a promessa
De algum bem que seja.
A ti só aspiro
Augusto retiro.

Tamanha paciência
Não me hei de esquecer.
Temor e dolência,
Aos céus fiz erguer.
E esta sede estranha
A ofuscar-me a entranha.

Qual o Prado imenso
Condenado a olvido,
Que cresce florido
De joio e de incenso
Ao feroz zunzum das
Moscas imundas.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Mais três poesias de O Canto em mim



Epur si muove


Gira, de amor se colhem frutos,
a roda que os Fados movem,
dignos dos mais olímpicos deuses;
vão-se os frutos com a roda
e os Fados são quem vencem.


Poema do colibri que morreu entre flores

(Dedicado à Antonia Penhalver)

Tinhas como sonho as flores,
tu colorido colibri que tantas vezes
perfumaste o invisível ar que te sustentava
com inesperados néctares.
O silêncio em que agora voas
bate as asas como se fora flor.


Aos poetas que procuram o Graal


Não invejo os poetas que buscam o Graal
nem os que procuram as vírgulas
que não se escrevem.
As palavras são mais lendárias
que todos os Graal, excepto o Graal.
Eu não procuro o Graal; sei que ele
existe na sua não existência.

Ele, o Graal,
plácido como convém a um Graal,
não espera visitas de poetas.


António Eduardo Lico


Para terminar a tríade dos poetas herméticos italianos, Eugenio Montale.
Nascido em 1896 e falecido em 1981, Montale foi agraciado com o Nlebl da literatura em 1975.
Fica esta poesia:

MIA VITA

Mia vita, a te non chiedo lineamenti
fissi, volti plausibili o possessi.
Nel tuo giro inquieto ormai lo stesso
sapore han miele e assenzio.

Il cuore che ogni moto tiene a vile
raro è squassato da trasalimenti.
Così suona talvolta nel silenzio
della campagna un colpo di fucile.
Segunda-Feira, uma nova semana, o sol é o mesmo.
Continuo o post anterior, juntando agora Giuseppe Ungaretti.
Nascido em 1888 em Alexandria, Egipto, de pais italianos; o seu pai trabalhava na construção do Canal do Suez. Falecido em MIlão, 1970.
Com Montale e Quasimodo forma a tríade dos poetas herméticos italianos. Caso para dizer que foi uma tríade de ouro. É de assinalar que quer, Quasimodo, quer Montale foram galardoados com o Nobel da literatura. Ungaretti não foi. Dizem muitos críticos que se deveu ao facto das simpatias que Ungaretti manifestou pelo fascismo italiano. No entanto, e é algo que intriga os críticos, pois a sua poesia, luminosa como poucas, está nos antípodas do fascismo.
Fica esta poesia:


ANNIENTAMENTO
Versa il 21 maggio 1916

Il cuore ha prodigato le lucciole
s'è acceso e spento
di verde in verde
ho compitato

Colle mie mani plasmo il suolo
diffuso di grilli
mi modulo
di
somesso uguale
cuore

M'ama non m'ama
mi sono smaltato
di margherite
mi sono radicato
nella terra marcita
sono cresciutto
come un crespo
sullo stelo torto
mi sono colto
nel tuffo
di spinalba

Oggi
come l'Isonzo
di asfalto azzurro
mi fisso

domingo, 18 de março de 2012

Salvatore Quasimodo, poeta italiano é o poeta que se segue.
Nascido em 1901 e falecido em 1968. Com formação em Matemática e Engenharia, mais tarde viria a abandonar a sua carreira profissional para se dedicar em exclusivo à poesia e à literatura.
Galardoado com o Nobel da Literatura em 1959.
Com Eugenio Montale e de forma indirecta por Giuseppe Ungaretti forma o grupo dos chamados poetas herméticos italianos.
Fica esta poesia de o Giorno dopo Giorno




Alle fronde dei salici


E come potevamo noi cantare

con il piede straniero sopra il cuore,

fra i morti abbandonati nelle piazze

sull’erba dura di ghiaccio, al lamento

d’agnello dei fanciulli, all’urlo nero

della madre che andava incontro al figlio

crocifisso sul palo del telegrafo?

Alle fronde dei salici, per voto,

anche le nostre cetre erano appese,

oscillavano lievi al triste vento.
Mais três poesias de O Canto em mim



Este rio que descubro em mim

Este rio que descubro em mim
não sei em que fontes nasceu.
É de melancolia a frescura
desta água, e deste rio
que me mata a sede
e põe navios no teu riso.
Será de espanto esta torrente
que me enche e me esvazia
e não sei em que fontes nasceu
este rio que descubro em mim.


Vou-me embora pra Pasárgada
 Lá sou amigo do rei...
(Manuel Bandeira)

Vou-me embora para Lisboa



Vou-me embora para Lisboa.
Lisboa é filha do Tejo
e eu sou filho das ondas,
filho das ondas do mar,
filho do sopro do vento.
Vou-me embora para Lisboa.
Lisboa tende para o azul,
o Tejo e o mar encontram-se
percorrendo Lisboa;
o Tejo com vontade
de partir para longe,
o mar com vontade
de visitar os segredos de Ulisses.
Vou-me embora para Lisboa.
Lá tem uma viela
onde o azul é mais azul
e posso ter todas as princesas mouras
que eu quiser, e ouvir o canto
dolente das guitarras.Alle fronde dei salici
Vou-me embora para Lisboa.
Vou ver-te olhar o cais
vou ver o Tejo afogar-se,
azul, no mar todo.


Soneto sem Musa


Eram claros esses teus olhos cheios
De onde manam luzes como fontes
Como alegria vinda dos montes
Que forma frescos e mansos ribeiros

Dos meus olhos sempre foram alheios
De presos em distantes horizontes,
Juízes não eleitos, mas arcontes.
Como rosas brincando de luzeiros

Musa não eras, mesmo que te cante
E os teus olhos tinham doces rosas
Como se a luz fora diamante

Rosas tinham, eu sei, mas angulosas.
Claras, e de perfume tão distante,
Frescas fontes, águas tão amargosas.


António Eduardo Lico


O poeta deste Domingo é Carlos Oliveira. Tido como neo-realista, na verdade trata-se de uma classificação que é redutora da sua poesia.
Nascido em 1921 e falecido em 1981, Carlos Oliveira é uma das mais originais vozes da poesia portuguesa.



Casa


A luz de carbureto

que ferve no gasómetro do pátio

e envolve este soneto

num cheiro de laranjas com sulfato

(as asas pantanosas dos insectos

reflectidas nos olhos, no olfacto,

a febre a consumir o meu retrato,

a ameaçar os tectos

da casa que também adoecia

ao contágio da lama

e enfim morria numa cama)

a pedregosa luz da poesia

que reconstrói a casa, chama a chama.

sábado, 17 de março de 2012

Mais três poesias de O Canto em mim



O gato é um tigre melancólico

Um gato é um tigre melancólico.
Contenta-se em ser apenas gato,
com artifícios no olhar
e filosofia no corpo lânguido.
Caminhando vagarosamente
na beira do telhado, entre
chão e nuvens, quase rente ao voo,
é apenas um gato.
Nós é que gostamos de o imaginar
como se fora um tigre melancólico.


Este chão que piso

Este chão que piso, sustenta-me
e é a minha pequena pátria.
Este chão que piso
é onde os meus pés pisam.
Movo-me com cuidado
e quando me ausento
deste chão que piso, tenho saudades.
Regresso onde os meus pés pisam
e sei que estou na minha pequena pátria.


Leva-me o vento...

Leva-me o vento, brandamente,
como se empurrasse as velas
de um veleiro.
Deixo-me levar, porque quero,
a geografia não me interessa,
nem os mapas do meu ser
se podem cartografar.
Leva-me o vento, brandamente,
e nada faço, a não ser deixar-me levar.
Nada sei da rosa dos ventos,
sei apenas das rosas, essas,
a que o vento acaricia brandamente.


António Eduardo Lico


Ruy Belo, um dos mais importantes poetas portugueses da segunda metade do século XX.
Nascido em 1933 e falecido em 1978, a sua fugaz vida foi suficiente para marcar a poesia portuguesa.
Fica a poesia Enterro sob o sol


Enterro sob o sol

Era a calma do mar naquele olhar
Ela era semelhante a uma manhã
teria a juventude de um mineral
Passeava por vezes pelas ruas
e as ruas uma a uma eram reais
Era o cume da esperança: eternizava
cada uma das coisas que tocava
Mas hoje é tudo como um fruto de setembro
ó meu jardim sujeito à invernia
A aurora da cólera desponta
já não sei da idade do amor
Só me resta colher as uvas do castigo
Sou um alucinado pela sede
Caminho sob o sol enterro de água
Porque hoje é Sábado - Vinicius de Moraes.
Nascido em 1913 no Rio de Janeiro e falecido também no Rio em 1980.
Foi jornalista, diplomata, dramaturgo, músico e poeta, numa vida intensa e própria de um poeta.
Deixo o Operário em Construção:

O Operário Em Construção


E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo. E disse-lhe o Diabo:
- Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu.
E Jesus, respondendo, disse-lhe:
- Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás.
Lucas, cap. V, vs. 5-8.

Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.

De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia...
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente
Um operário em construção.

Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
- Garrafa, prato, facão -
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário,
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem o fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.

Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.

Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário.
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
- Exercer a profissão -
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.

E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.

E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não.
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:

Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.

E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução.

Como era de se esperar
As bocas da delação
Começaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão.
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação
- "Convençam-no" do contrário -
Disse ele sobre o operário
E ao dizer isso sorria.

Dia seguinte, o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu, por destinado
Sua primeira agressão.
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!

Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras se seguiram
Muitas outras seguirão.
Porém, por imprescindível
Ao edifício em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.

Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo vário.
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
- Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher.
Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.

Disse, e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
O operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!

- Loucura! - gritou o patrão
Não vês o que te dou eu?
- Mentira! - disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.

E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão.

Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão.
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Mais três poesias de O Canto em mim



Flor que brilhas no jardim

Flor que brilhas no jardim
é breve o teu perfume;
a cor que te acaricia
as pétalas é fugaz.
Olho-te, e sei que a vida
te será breve.
Não sou filósofo, nem metafísico
nem sei porque me sento num jardim.
Sei-te breve, flor que brilhas no jardim,
o teu perfume me alimentará
e o instante será breve.
A tua seiva quente penetrará a terra.
Não sei porque me sento num jardim.


Te quisera verde

Queria-te como o trigo
ondulando, verde, ao longe,
como uma melodia.
Queria-te como o vento
Que ondula o trigo,
ao longe, como uma melodia.
Queria-te verde. Como a melodia
entoada pelo trigo, que ondula,
ao longe, embalado pelo vento.


De noite a lenha arde obscura

De súbito, era tudo noite
e o silêncio ardeu
como obscura lenha.
De súbito, era tudo silêncio
e a noite ardeu
como obscura lenha.
E era apenas noite e silêncio
e lenha que ardia, obscura.


António Eduardo Lico


Sexta-Feira, nublada na velha, e segundo alguns pérfida Albion. Tempo para regressar à poesia portuguesa com António Franco Alexandre.
Nascido em 1944 em Viseu, António Franco Alexandre, com formação em Matemática e Filosofia, exerce actividade docente na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Um dos poetas mais originais da actualidade poética portuguesa, António Franco Alexandre é sem margem para dúvidas um dos grandes poetas portugueses da actualidade.
Fica esta poesia da sua obra Duende:


JÁ A LUZ SE APAGOU DO CHÃO DO MUNDO

Já a luz se apagou do chão do mundo,
deixei de ser mortal a noite inteira;
ofensa grave a minha, que tentei
misturar-me aos duendes na floresta.
De máscara perfeita, e corpo ausente,
a todos enganei, e ninguém nunca
saberia que ainda permaneço
deste lado do tempo onde sou gente.
Não fora o gesto humano de querer-te
como quem, tendo sede, vê na água
o reflexo da mão que a oferece,
seria folha de árvore ou sério gnomo
absorto no silêncio de uma rima
onde a morte cessasse para sempre.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Mais três poesias de o Canto em mim



Poesia imaginada e enigmática

O enigma que me veste
canta com muitas vozes
o espanto com que me fito.


Despertai deuses antigos

Oh deuses antigos, despertai
do vosso olímpico sono,
vinde à Terra das Laranjas
e trazei o sagrado mosto
das antigas libações.
Oh deuses antigos, vinde,
vinde à Terra das Laranjas,
trazei o sopro antigo
que do mosto fazia o vinho
e tornava as profecias
em eternas melodias.


De Eros era a rosa

De Eros era a rosa
que em Prometeu
foi Fogo e limo.
depois centelha de vida.
Seria já rosa
o que Pandora
escondia na caixa divina?
Da rosa apenas ficou
a esperança encerrada;
a caixa fechou-se.
Prometeu, eternamente
devorado, e sempre renascido
como o lume que se reacende
e torna fresca a eterna rosa.

António Eduardo Lico



Tempo para Walt Whitman.
Walt Whitman nascido em 1819 e falecido em 1892, dividiu a sua actividade entre a poesia, o jornalismo, o ensaio, a impressão e o ensino.
Whitman ombreia com o francês Charles Baudelaire, como maiores influências na lírica moderna.
Whitman cultivou o verso livre e cantou o homem moderno e a natureza humana em versos inovadores.
Leaves of grass é a sua obra fundamental em poesia, à qual dedicou toda a sua vida. Leaves of Grass teve oito edições em vida de Whitman.
Fica a poesia inicial de Leaves of Grass


LEAVES OF GRASS

Come, said my soul,
Such verses for my Body let us write, (for we are one,)
That should I after return,
Or, long, long hence, in other spheres,
There to some group of mates the chants resuming,
(Tallying Earth’s soil, trees, winds, tumultuous waves,)
Ever with pleas’d smile I may keep on,
Ever and ever yet the verses owning—as, first, I here and now
Signing for Soul and Body, set to them my name,

quarta-feira, 14 de março de 2012

Mais três poesias de O Canto em mim



Em Lisboa a claridade é azul

Canto-te Lisboa
e quero-te azul,
como quando o Tejo
é o azul do teu céu.


Marítima

En la orilla, esa que lle llaman, de la mare
las arenas son el testigo antiguo
de noches y luna naciendo en tu seno.


La Tristesse est triste

La tristesse est plus triste
quand le Printemps habille
de vert tes yeux, et le vent
fait naître des hirondelles,
ces roses tristes
qui parfument l’air,
et peignent tes cheveaux
de melodies secrètes.

António Eduardo Lico


Quarta-Feira, um dia bom para a poesia de Pablo Neruda.
Nascido em 1904 em Parral, Chile, morreu em Santiago do Chile em 1973, pouco após o sangrento golpe de Pinochet.
Pablo Neruda é o nome literário, primeiro adoptado, depois tornado nome legar após acção de modificação do nome civil.
Militante comunista, Pablo Neruda foi agraciado com o Nobel da Literatura em 1971.
Companheiro da geração de 27 no período em que foi cônsul em Espanha, dirigiu a Revista Caballo Verde.
Fica uma poesia do Canto General:



Los ríos acuden
Amada de los ríos, combatida
por agua azul y gotas transparentes,
como un árbol de venas es tu espectro
de diosa oscura que muerde manzanas:
al despertar desnuda entonces,


eras tatuada por los ríos,
y en la altura mojada tu cabeza
llenaba el mundo con nuevos rocíos.
Te trepidaba el agua en la cintura.
Eras de manantiales construida


y te brillaban lagos en la frente.
De tu espesura madre recogías
el agua como lágrimas vitales,
y arrastrabas los cauces a la arena
a través de la noche planetaria,


cruzando ásperas piedras dilatadas,
rompiendo en el camino
toda la sal de la geología,
cortando bosques de compactos muros,
apartando los músculos del cuarzo.

terça-feira, 13 de março de 2012

Coloco mais três poesias de O Canto em mim, sendo uma em inglês.



Que este olhar não me

Oculto-me na multidão
e vejo-me passar ao longe.
Fito-me como se fosse estranho.


In the silence there is a rose

Sometimes, when your eyes find my eyes
your enigmatic silence
is as if you were asking mewhat is a rose?
I close my eyes and seal my lips
and the rose is between our silence.


Entre a Claridade e a sombraa rosa

Era clara a obscuridade
que habitava, fria,
a sombra dos teus olhos.
Uma brusca rosa
nascia-te nos cabelos.


António Eduardo Lico