sábado, 30 de março de 2013

Reponho uma poesia do poemário Que de dentro não se vê:


La guitarra

La guitarra se consome gimiendo,
arde en la oscuridad.
La luna suave en las manos del tocaor
ilumina el toque.
Y toda la Andalucia
cabe en tu sonido

António Eduardo Lico
Uma poesia de António Patrício (1878-1930):



Saudade do teu corpo


Tenho saudades do teu corpo: ouviste
correr-te toda a carne e toda a alma
o meu desejo – como um anjo triste
que enlaça nuvens pela noite calma?...

Anda a saudade do teu corpo (sentes?...)
Sempre comigo: deita-se ao meu lado,
dizendo e redizendo que não mentes
quando me escreves: «vem, meu todo amado...»

É o teu corpo em sombra esta saudade...
Beijo-lhe as mãos, os pés, os seios-sombra:
a luz do seu olhar é escuridade...

Fecho os olhos ao sol para estar contigo.
É de noite este corpo que me assombra...
Vês?! A saudade é um escultor antigo!

sexta-feira, 29 de março de 2013

Reponho uma poesia do poemário Que de dentro não se vê:



Era Leve, tão leve nº2

Era leve, tão leve
como, na madrugada, o orvalho.
ao crepúsculo a rosa doirava a pedra
e a pedra era rosa, madrugada e orvalho.
Rosa, madrugada e orvalho feitas de
leve, tão leve e de idêntica substância
encontram-se por fim na pedra.

António Eduardo Lico
Uma Cantiga da Condessa de Die, séc. XII-XIII, numa tradução de Jorge de Sena:


Cantiga

Grã coita tenho sofrido
Por homem que desdenhei.
Que sempre seja sabido
Quanto o amo e amarei.
É-me agora fementido
Por amor que eu recusava.
E doida eu’stava em vestido
Ou se nua me deitava.

Ai quero ao meu cavaleiro
Apertar às tetas brancas!
O corpo dou-lh’eu inteiro,
Cavalgará minhas ancas!
Cá lh’estou mais que rendida
Flora o foi de Brancaflor,
É todo seu meu amor,
Minh’alma, os olhos, e a vida.

Aí meu amigo velido!
S’em meu poder vos tomar
E convosco me deitar
E d’amor eu vos beijar,
Não há nenhum mór prazer
Que vos ter com’a marido.
Se de vós for prometido
Fazerdes quant’eu quiser.

quarta-feira, 27 de março de 2013

Reponho uma poesia do poemário Que de dentro não se vê:


Era leve, tão leve...

Era leve, tão leve
como na madrugada, o orvalho.
Tão leve como lua flutuando
em rio de líquida substância indefinida.

No limiar do Sol que te saciava a sede
ardias, e a madrugada que em ti se esvaía
corria líquida, adivinhando
os mares que se abriam em azul, como que
se esperassem o vermelho da manhã.

Se na rosa o orvalho caíra
seria leve, tão leve
como na madrugado o orvalho.

António Eduardo Lico
Uma poesia de Arthur Rimbaud:


Ma bohème

Je m'en allais, les poings dans mes poches crevées ;
Mon paletot aussi devenait idéal ;
J'allais sous le ciel, Muse ! et j'étais ton féal ;
Oh ! là ! là ! que d'amours splendides j'ai rêvées !

Mon unique culotte avait un large trou.
- Petit-Poucet rêveur, j'égrenais dans ma course
Des rimes. Mon auberge était à la Grande-Ourse.
- Mes étoiles au ciel avaient un doux frou-frou

Et je les écoutais, assis au bord des routes,
Ces bons soirs de septembre où je sentais des gouttes
De rosée à mon front, comme un vin de vigueur ;

Où, rimant au milieu des ombres fantastiques,
Comme des lyres, je tirais les élastiques
De mes souliers blessés, un pied près de mon coeur !

terça-feira, 26 de março de 2013

Reponho uma poesia do poemário Que de dentro não se vê:


Enigmática

Enigmática, e embalada pelas ondas
que correm na beira mar.
Rolas com os seixos e a areia da praia,
Enigmática!

António Eduardo Lico
Uma poesia de Irene Lisboa (1892-1958):

Ir, vir

Ir, vir...
Ir. Manhã, ar fresco, paisagem nova.
Vir. Tarde. Hora dos poetas, dos que não cantam
e passam pelas coisas apenas gozando, surpreendidos e ternos.
Se em cada lugar da terra eu perdesse a minha
humana essência, aquilo que me iguala ao que é
e ao que foi!
Nesta hora divina, nesta formosa tarde como ser?
Que me tentava?
Não sei.
Terra, luz, ar, amenidade indizível!

segunda-feira, 25 de março de 2013

Reponho uma poesia do poemário Que de dentro não se vê:


Desejo

Quando era pequenino
um dia, eu pensei:
o Desejo deve ter asas;
pequeninas, como eu,
leves como eu.
Era apenas sonho de menino
Desejo, não tem asas
nem habita o mesmo espaço
que cabe nas asas de um menino.

António Eduardo Lico
Uma poesia de Paulo Leminski:

Bem no fundo

No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto

a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo

extinto por lei todo o remorso,
maldito seja que olhas pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais

mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos
saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.

domingo, 24 de março de 2013

Reponho uma poesia do poemário Que de dentro não se vê:


De tarde, caminhando pelo vento

Do vento apenas resta a memória,
no breve ondular dos teus cabelos.

António Eduardo Lico
Uma poesia de Pedro Homem de Mello:

Fuga

O músico procura
Fixar em cada verso
O cântico disperso
Na luz, na água e no vento.

Porém, luz, vento e água
Variam riso e mágoa,
De momento a momento.

E em vão a área dos dedos
Se eleva! Não traduz
Os súbitos segredos
Escondidos no vento,
Nas águas e na luz...

sábado, 23 de março de 2013

Reponho uma poesia do poemário Que de dentro não se vê:


Da palavra o som

Porque nas palavras
o som é secreto.
Do eco resta o silêncio
da palavra.

António Eduardo Lico
Uma poesia de D. Leonor de Almeida Portugal Lorena e  Lencastre, IV Marquesa de Alorna:


SONETO

Lusitânia querida! Se não choro
Vendo assim lacerado o teu terreno,
Não é de ingrata filha o dó pequeno;
Rebeldes julgo os ais, se te deploro.

Admiro de teus danos o decoro.
Bebeu Sócrates firme seu veneno;
E em qualquer parte do perigo o aceno
Encontra e cresce o teu valor, que adoro.

Mais que a vitória vale um sofrer belo;
E assaz te vingas de opressões fatais,
Se arrasada te vês, sem percebê-lo.

Povos! a independência que abraçais
Aplaude, alegre, o estrago, e grita ao vê-lo:
"Ruína sim, mas servidão jamais!"

sexta-feira, 22 de março de 2013

Reponho uma poesia do poemário Que por dentro não se vê:


Córdoba

Córdoba, punto de polvo y soledad
tu luna mora y gitana te mira y te desvela
cuando buscas, galante, a la agua.

Córdoba, punto de mora, luego gitana
tu soledad es la luna fria y llena
en en desnudo cielo de Agosto

Córdoba, la siguiriya vola con el viento
y tu, llana y altanera
punto de polvo y soledad.

António Eduardo Lico
Uma poesia de Guerra Junqueiro:

Morena

Não negues, confessa
Que tens certa pena
Que as mais raparigas
Te chamem morena.

Pois eu não gostava,
Parece-me a mim,
De ver o teu rosto
Da cor do jasmim.

Eu não... mas enfim
É fraca a razão,
Pois pouco te importa
Que eu goste ou que não.

Mas olha as violetas
Que, sendo umas pretas,
O cheiro que têm!
Vê lá que seria,
Se Deus as fizesse
Morenas também!

Tu és a mais rara
De todas as rosas;
E as coisas mais raras
São mais preciosas.

Há rosas dobradas
E há-as singelas;
Mas são todas elas
Azuis, amarelas,
De cor de açucenas,
De muita outra cor;
Mas rosas morenas,
Só tu, linda flor.

E olha que foram
Morenas e bem
As moças mais lindas
De Jerusalém.
E a Virgem Maria
Não sei... mas seria
Morena também.

Moreno era Cristo.
Vê lá depois disto
Se ainda tens pena
Que as mais raparigas
Te chamem morena!

quinta-feira, 21 de março de 2013

Reponho uma poesia do poemário Que de dentro não se vê:


Centro

No Centro Vazio e Pleno
a Rosa Jaz Ressuscitada

António Eduardo Lico
Ima poesia de Alfonso Sastre:

SEGUIDILLAS QUE ALFONSO SASTRE ESCRIBE A SU HIJA DESDE LA PRISIÓN DE CARABANCHEL COMENTANDO QUE ELLA NACIÓ EL 1 DE MAYO DE 1962

1

En un uno de mayo,

rejiflorido

tú dijiste: aquí estoy

porque he venido!

(Ese momento

tiene el nombre corriente

de nacimiento.)

2

Siendo una jovencita

de cuatro meses

sufriste sin saberlo

nuestros reveses.

(Muestran los hechos

reveses en nosotros,

nunca derechos)

3

Conociste los hierros

de las prisiones.

(El de mamá y el tuyo

dos corazones.)

Nadie me quita

que tú fuiste la presa

más chiquitita.

4

Luego, a los cuatro años

de dulce miel,

conociste de cerca

Carabanchel.

Niña sin par:

al verme tras las rejas

te vi llorar.

5

Pasaron otros años

y esto ya es hoy.

Y voy sin más palabras

a lo que voy:

¡Aunque no puedo

abrazarte, te abrazo,

niña sin miedo!

6

¡En este cumpleaños

haya alegría!

¡Rompamos toda oscura

melancolía!

(Porque a esta edad

es un clamor de trueno

la libertad.)

7

¡Viva el uno de mayo

por dos razones!

¡Porque es la fiesta obrera!

¡Y porque pones

en esta fecha

tus trece años de niña

hecha y derecha!

terça-feira, 19 de março de 2013

Reponho uma poesia do poemário Que de dentro não se vê:


Casi Romance del caballo que se volo al Sur

En las tardecitas doradas
lo verde de los olivares
rompe por entre las nubes
y las palomas se quedan
gitanas en el cielo.
El jinete va por los huertos
y busca a la luna sureña.

Ay caballito no mires los olivos
Que pintan de verde el oro de la tarde

Cabalga jinete y rompete tus músculos
luego tus alas, ay de verde, verde, oscuras alas,
rompiendo tu dorso y piel

António Eduardo Lico
Um soneto de Bocage:


Olha, Marília, as flautas dos pastores

Olha, Marília, as flautas dos pastores
Que bem que soam, como estão cadentes!
Olha o Tejo a sorrir-se! Olha, não sentes
Os Zéfiros brincar por entre as flores?

Vê como ali beijando-se os Amores
Incitam nossos ósculos ardentes!
Ei-las de planta em planta as inocentes,
As vagas borboletas de mil cores.

Naquele arbusto o rouxinol suspira,
Ora nas folhas a abelhinha pára,
Ora nos ares sussurrando gira.

Que alegre campo! Que manhã tão clara!
Mas ah! Tudo o que vês, se eu não te vira,
Mais tristeza que a noite me causara.

segunda-feira, 18 de março de 2013

Reponho uma poesia do poemário Que de dentro não se vê:


Baladilla de la flor muerta

En el aire tu olor de seguidilla
y tus verdes venas tensas en tu tallo.

Tu perfume, ancho sonido, en tus pétalos
quedó dormido en tu sombra.

António Eduardo Lico
Um soneto de Camões:


Quem pode livre ser, gentil Senhora,

Quem pode livre ser, gentil Senhora,
Vendo-vos com juízo sossegado,
Se o Menino que de olhos é privado
Nas meninas de vossos olhos mora?
Ali manda, ali reina, ali namora,
Ali vive das gentes venerado;
Que o vivo lume e o rosto delicado
Imagens são nas quais o Amor se adora.
Quem vê que em branca neve nascem rosas
Que fios crespos de ouro vão cercando,
Se por entre esta luz a vista passa,
Raios de ouro verá, que as duvidosas
Almas estão no peito trespassando
Assim como um cristal o Sol trespassa.

domingo, 17 de março de 2013

Reponho uma poesia do poemário Que de dentro não se vê:


Ausência

A ausência é uma presença
na geometria vegetal das árvores
que não habitam florestas.
As florestas existem
para ter delas árvores ausentes.
Uma floresta é uma ausência de árvores?
Ou apenas o reflexo da antiga sombra
que passou, austera,
na sua nudez de negro impudica?
E que passa, passa, fazendo tocar
a música solene
que povoa todas as florestas.

António Eduardo Lico
Uma poesia do poeta turco Nazim Hikmet, com tradução de Fernando García Burillo:



Rosa mía, tu alma es un río...

Rosa mía, tu alma es un río
que corre entre altas montañas,
y desde las montañas hacia el valle,
hacia el valle, sin conseguir llegar hasta él,
sin conseguir llegar hasta el sueño de los sauces,
hasta el remanso bajo los grandes ojos del puente,
hasta los cañaverales y los patos de verde cabeza,
sin conseguir llegar hasta la blanda tristeza de la llanura
ni hasta los campos de trigo al claro de luna,
corre hacia el valle,
corre entre altas montañas,
arrastrando las nubes que se amontonan y dispersan,
las grandes estrellas y las noches,
las estrellas de las montañas
y los azules soles de las nevadas cumbres,
corre levantando espuma,
revolviendo en el fondo las piedras negras con las blancas,
corre con los peces que nadan contra corriente,
inquieto en los meandros,
cae encabritado en los precipicios
espantado del propio fragor,
corre entre altas montañas
y desde las montañas hacia el valle,
hacia el valle, persiguiéndolo,
sin conseguir llegar hasta él.

sábado, 16 de março de 2013

Reponho uma poesia do poemário Que de dentro não se vê:


As...

As if inside your desire
all the rivers should dry.

Your rose needs the rain
from all the waters.

Your desire is the harbour
in the secret middle, drawn
on the gilded dunes of your body.

And the river, impetuous
run your winding curves
as if inside your desire
all the rivers should dry.

António Eduardo Lico
Uma poesia de Carlos Drummond de Andrade:

No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

sexta-feira, 15 de março de 2013

Reponho uma poesia do poemário Que de dentro não se vê:


A Palavra

A palavra, brusca solidão
como lua incendiada
por quixotescos clarins.
Finalmente a obscura rosa
rasgando desértica e inútil paisagem.

António Eduardo Lico
Toada de Portalegre de José Régio:



TOADA DE PORTALEGRE

Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros
Morei numa casa velha,
À qual quis como se fora
Feita para eu Morar nela...

Cheia dos maus e bons cheiros
Das casas que têm história,
Cheia da ténue, mas viva, obsidiante memória
De antigas gentes e traças,
Cheia de sol nas vidraças
E de escuro nos recantos,
Cheia de medo e sossego,
De silêncios e de espantos,
- Quis-lhe bem como se fora
Tão feita ao gosto de outrora
Como as do meu aconchego.

Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De montes e de oliveiras
Ao vento suão queimada
( Lá vem o vento suão!,
Que enche o sono de pavores,
Faz febre, esfarela os ossos,
E atira aos desesperados
A corda com que se enforcam
Na trave de algum desvão...)
Em Portalegre, dizia,
Cidade onde então sofria
Coisas que terei pudor
De contar seja a quem fôr,
Na tal casa tosca e bela
À qual quis como se fora
Feita para eu morar nela,
Tinha, então,
Por única diversão,
Uma pequena varanda
Diante de uma janela

Toda aberta ao sol que abrasa,
Ao frio que tosse e gela
E ao vento que anda, desanda,
E sarabanda, e ciranda
Derredor da minha casa,
Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos e sobreiros
Era uma bela varanda,
Naquela bela janela!

Serras deitadas nas nuvens,
Vagas e azuis da distância,
Azuis, cinzentas, lilases,
Já roxas quando mais perto,
Campos verdes e Amarelos,
Salpicados de Oliveiras,
E que o frio, ao vir, despia,
Rasava, unia
Num mesmo ar de deserto
Ou de longínquas geleiras,
Céus que lá em cima, estrelados,
Boiando em lua, ou fechados
Nos seus turbilhões de trevas,
Pareciam engolir-me
Quando, fitando-os suspenso
Daquele silêncio imenso,
Sentia o chão a fugir-me,
- Se abriam diante dela
Daquela
Bela
Varanda
Daquela
Minha
Janela,
Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros
Na casa em que morei, velha,
Cheia dos maus e bons cheiros
Das casas que têm história,
Cheia da ténue, mas viva, obsidiante memória
De antigas gentes e traças,
Cheia de sol nas vidraças
E de escuro nos recantos,
Cheia de medo e sossego,
De silêncios e de espantos,
À qual quis como se fora
Tão feita ao gosto de outrora
Como as do meu aconchego...

Ora agora,
?Que havia o vento suão
Que enche o sono de pavores,
Faz febre, esfarela os ossos,
Dói nos peitos sufocados,
E atira aos desesperados
A corda com que se enforcam
Na trave de algum desvão,
Que havia o vento suão
De se lembrar de fazer?

Em Portalegre, dizia,
Cidade onde então sofria
Coisas que terei pudor
De contar seja a quem for,
?Que havia o vento suão
De fazer,
Senão trazer
Àquela
Minha
Varanda
Daquela
Minha
Janela,
O documento maior
De que Deus
É protector
Dos seus
Que mais faz sofrer?

Lá num craveiro, que eu tinha,
Onde uma cepa cansada
Mal dava cravos sem vida,
Poisou qualquer sementinha
Que o vento que anda, desanda,
E sarabanda, e ciranda,
Achara no ar perdida,
Errando entre terra e céus...,
E, louvado seja Deus!,
Eis que uma folha miudinha
Rompeu, cresceu, recortada,
Furando a cepa cansada
Que dava cravos sem vida
Naquela
Bela
Varanda
Daquela
Minha
Janela
Da tal casa tosca e bela
Á qual quis como se fora
Feita para eu morar nela...

Como é que o vento suão
Que enche o sono de pavores,
Faz febre, esfarela os ossos,
Dói nos peitos sufocados,
E atira aos desesperados
A corda com que se enforcam
Na trave de algum desvão,
Me trouxe a mim que, dizia,
Em Portalegre sofria
Coisas que terei pudor
De contar seja a quem for,
Me trouxe a mim essa esmola,
Esse pedido de paz
Dum Deus que fere ... e consola
Com o próprio mal que faz?

Coisas que terei pudor
De contar seja a quem for
Me davam então tal vida
Em Portalegre; cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros,
Me davam então tal vida

- Não vivida!, sim morrida
No tédio e no desespero,
No espanto e na solidão,
Que a corda dos derradeiros
Desejos dos desgraçados
Por noites do tal suão
Já varias vezes tentara
Meus dedos verdes suados...

Senão quando o amor de Deus
Ao vento que anda, desanda,
E sarabanda, e ciranda,
Confia uma sementinha
Perdida entre terra e céus,
E o vento a trás à varanda
Daquela
Minha
Janela
Da tal casa tôsca e bela
À qual quis como se fôra
Feita para eu morar nela!

Lá no craveiro que eu tinha,
Onde uma cepa cansada
Mal dava cravos sem vida,
Nasceu essa acàciazinha
Que depois foi transplantada
E cresceu; dom do meu Deus!,
Aos pés lá da estranha casa
Do largo do cemitério,
Frente aos ciprestes que em frente
Mostram os céus,
Como dedos apontados
De gigantes enterrados...
Quem desespera dos homens,
Se a alma lhe não secou,
A tudo transfere a esperança
Que a humanidade frustrou:
E é capaz de amar as plantas,
De esperar nos animais,
De humanizar coisas brutas,
E ter criancices tais,
Tais e tantas!
Que será bom ter pudor
De as contar seja a quem for!

O amor, a amizade, e quantos
Mais sonhos de oiro eu sonhara,
Bens deste mundo! que o mundo
Me levara,
De tal maneira me tinham,
Ao fugir-me, Deixando só, nulo, vácuos, A mim que tanto esperava
Ser fiel,
E forte,
E firme,
Que não era mais que morte
A vida que então vivia,
Auto-cadáver...

E era então que sucedia
Que em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros
Aos pés lá da casa velha
Cheia dos maus e bons cheiros
Das casa que têm história,
Cheia da ténue, mas viva, obsidiante memória
De antigas gentes e traças,
Cheia de sol nas vidraças
E de escuro nos recantos,
Cheia de medo e sossego,
De silêncios e de espantos,
- A minha acácia crescia.

Vento suão! obrigado...
Pela doce companhia
Que em teu hálito empestado
Sem eu sonhar, me chegara!

E a cada raminho novo
Que a tenra acácia deitava,
Será loucura!..., mas era
Uma alegria
Na longa e negra apatia
Daquela miséria extrema
Em que vivia,
E vivera,
Como se fizera um poema,
Ou se um filho me nascera.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Reponho uma poesia do poemário Que de dentro não se vê:


A ESQUINA DA MINHA RUA

Na esquina da minha rua
vejo o tempo passar.
Na esquina da minha rua
o tempo passa
e fica preso na clepsidra
da esquina da minha rua.
Areia revolta da memória...

António Eduardo Lico
Fragmento de uma poesia de Hesíodo com tradução de Mary. C.N. Lafer.

Primeiro de ouro a raça dos homens mortais
criaram os imortais, que mantêm olímpias moradas.
Eram do tempo de Cronos, quando no céu este reinava
como deuses viviam, tendo despreocupado coração,
apartados, longe de penas e misérias; nem temível
velhice lhes pesava, sempre iguais nos pés e nas mãos
alegravam-se em festins, os males todos afastados,
morriam como por sono tomados; todos os bens eram
para eles: espontânea a terra nutriz fruto
trazia abundante e generoso e eles, contentes,
tranqüilos nutriam-se de seus pródigos bens.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Reponho um apoesia do poemário The sentiment of a poet:


Never use the word dragon in a poem

Dragon is an horrific word to use in a poem.
I use it because I’m writing it
writing it, I’m using it
if I wasn’t using it, I wasn’t writing it
and dragons couldn’t exist in my poem.
I shouldn’t use the word “because”…
See, “dragon” and “because” in a poem…
I know what you all are thinking:
I should express like that:
voyons “dragon” and “because” in a poem…
and even worse I used the word “if”.
Don’t believe I am a esthete
or should I write aesthete?
Whatever I am, I write words, however
I’m not the sophist so much waited.
Silence is my speech, is my dragon,
a word I should avoid in a poem.
Never use the word dragon in a poem;
if use it, you have to write it,
and after? Your fate is becoming an aesthete
what inconvenient! Someone can think
you want to be the next Canterbury Archbishop.
Voyons a dragon or a Canterbury Archbishop
Are not enough esoteric to be on a poem;
If they are aesthetic examples, it is because
one is dragon the other archbishop
and both are unreal in a poem.
I didn’t wanted to finish in a sophistic mood,
this poem was intended to be lyric.

António Eduardo Lico
Hino ás musas e a Apolo atribuído a Homero:


Hino Homérico XXV: Às Musas e Apolo

Que pelas Musas eu comece e por Apolo e Zeus.
Pelas Musas e pelo temível arqueiro Apolo
homens aedos sobre a terra há e citaristas
e por Zeus reis. Feliz quem as Musas
amam: doce lhes flui da boca a voz.
Salve, filhas de Zeus, e honrai minha canção
Depois eu vos lembrarei também em outra canção.

terça-feira, 12 de março de 2013

Reponho uma poesia do poemário The sentiment of a poet:


A poem without whitewash

Here is the poem:
don’t ask me to use whitewash;
I carefully avoid that word
to avoid something I have to avoid:
aesthetic and all related products.

Mr Brown ignores all about
the use of whitewash in poetry
and judge Larkin as misogynistic
and wants to submit to x ray the Movement
to find Englishness and expose it.
Don’t be astonished if Mr Brown
states he read William Carlos William
in a course on Gaelic Literature.
Mr Brown hasn’t ever known Jupiter,
even he thinks he lives at Olympus
and ministers comes from his thigh

I interrupt myself!

here is the poem:
don’t ask me to use whitewash
and Mr Brown; at least simultaneously

António Eduardo Lico
Uma poesia de Saul Dias:

Todos os Dias

Todos os dias
nascem pequeninas nuvens,
róseas umas,
aniladas outras,
nacaradas espumas...

Todos os dias
nascem rosas,
também róseas
ou cor de chá, de veludo...

Todos os dias
nascem violetas,
as eleitas
dos pobres corações...

Todos os dias
nascem risos, canções...

Todos os dias
os pássaros acordam
nos seus ninhos de lãs...

Todos os dias
nascem novos dias,
nascem novas manhãs...

segunda-feira, 11 de março de 2013

Reponho uma poesia do poemário The sentiment of a poet:


To Walt Whitman

As a god before the gods and Olympus,
almost before the Logos
your word full of vegetable blood
drew leaves and chants
on desolated lands.

António Eduardo Lico
Uma poesia de Jorge de Sena:

Bucólica e Nâo

Há sempre poetas para fazer versos à terra,
às plantas, animais, num cheiro de bucólico,
mistura de verduras podres, resinas escorrendo,
flores perfumadas, terra humedecida, e o adocicado
e acre também estrume: é sexo o que cheiram?
Amor o que respiram? As ervas que no vento
se abaixam e se entesam, e o arvoredo erecto,
de ramos balançando mas retesos,
é de si mesmos sem baixar os olhos
ao longo do seu corpo e sem tocar-se
com as mãos- que lhes recordam?
E aqueles nós peludos de musgentos
em troncos. Ou no chão buracos de formigas,
e de si mesmos, fêmeas, que lhes lembram?
É orvalho em flores ou folhas ou nos troncos,
rios e regatos murmurantes- que serão?
Acaso podem ser opacos e leitosos,
Jorrando intermitentes num agudo jacto?
que terra o amor mostra que não seja
o amor que não se abriu ou não saltou,
o amor que não foi feito ou não se deu?

domingo, 10 de março de 2013

Reponho uma poesia do poemário The sentiment of a poet:


Poets like to talk about shepherds

Give me flowers
give me wine
give me women
and I will transform worlds,
galaxies, the universe curvature,
and I will find a solution
for the Zenon paradox.

I know, as if was the fate,
I have to sing shepherds
even without a pastoral flute.

Far way, Vergilius, watches over
his shepherds, and the poets.
Maybe from an anonymous epicurean eye
shepherds will be born again, and poets
can rest in peace.

António Eduardo Lico
Uma poesia de António Maria Lisboa:

Poema H

Sei que dez anos nos separam de pedras
e raízes nos ouvidos

e ver-te, ó menina do quarto vermelho,
era ver a tua bondade, o teu olhar terno
de Borboleta no Infinito

e toda essa sucessão de pontos vermelhos no espaço
em que tu eras uma estrela que caiu
e incendiou a terra

lá longe numa fonte cheia de fogos-fátuos.

sábado, 9 de março de 2013

Reponho uma poesia do poemário The sentiment of a poet:


Long life to the Berlin Wall

Berlin Wall was a wall
with stones and cement;
now is dust and minerals
and a famous scholar swears
that Mr. Brown has a piece
between his office and the Parliament.
One day an american geographer
visited Berlin – his name J.F. Kennedy.
“Ich bin ein Berliner!” he told the crowd.
The crowd, thinking he was converting
to a grammarian, applauded.
This is the Berlin Wall history.
the one which can be stated in a poem.
All the rest is dust and minerals.

António Eduardo Lico
Uma poesia de Armindo Rodrigues:

Homem, abre os olhos e verás

Homem, abre os olhos e verás
em cada outro homem um irmão.
Homem, as paixões que te consomem
não são boas nem más.
São a tua condição.
A paz, porém, só a terás
quando o pão que os outros comem,
homem, for igual ao teu pão

sexta-feira, 8 de março de 2013

Reponho uma poesia do poemário The sentiment of a poet:


The sentiment of a poet

A poet drinks on the street
and millions of stars died
empty of their liquid fire.
Suddenly just a comet,
just one comet on the sky.

António Eduardo Lico
Uma poesia de Maria Teresa Horta:

DESPERTA-ME DE NOITE
O TEU DESEJO
NA VAGA DOS TEUS DEDOS
COM QUE VERGAS
O SONO EM QUE ME DEITO

É REDE A TUA LINGUA
EM SUA TEIA
É VICIO AS PALAVRAS
COM QUE FALAS

A TRÉGUA
A ENTREGA
O DISFARCE

E LEMBRAS OS MEUS OMBROS
DOCEMENTE
NA DOBRA DO LENÇOL QUE DESFAZES

DESPERTA-ME DE NOITE
COM O TEU CORPO
TIRAS-ME DO SONO
ONDE RESVALO

E EU POUCO A POUCO
VOU REPELINDO A NOITE
E TU DENTRO DE MIM
VAI DESCOBRINDO VALES.

quinta-feira, 7 de março de 2013

Reponho uma poesia do poemário O esboço do vento:


Epifania do vinho

 Sorrio e bebo o meu vinho
Como música de Dionísio
O mosto agita a memória

E a divindade volta em glória
Rubra e doce sobre o meu corpo
Abrupta a cada gota de vinho

Sobre as flores que adivinho
Brotando do vinho generosas
E quentes de fugazes perfumes

António Eduardo Lico
Uma poesia de Eucanaã Ferraz:

A costureira
para Danielle Jensen

Ela ouve o tecido, ela pousa
o ouvido, ela ouve com os olhos.
À fibra e ao feixe interroga

sobre o que se entrelaçara,
distinguindo a linha, o intervalo,
o vão, o entreato, atenta

para o que na fala geométrica
e repetida dos fios é um outro
vazio: o de antes da trama, ato

anterior ao enredo; óculos
postos para a escuta, a escuta
desfia-se no vento, o olho

flutua, folha, flor, agulha;
fecha os olhos; ouve
com as pontas dos dedos;

indaga do tecido o modo,
os limites, a função, a oficina,
a forma que ele quer ter,

a coisa, a casa que ele quer ser;
e costura como quem à mão
e à máquina descosturasse

o dicionário, rasgando em moles
móbiles seus hábitos, o vinco
de sua farda.

quarta-feira, 6 de março de 2013

Reponho uma poesia do poemário O= esboço do vento:


Alquimia da Madrugada

Orvalho nasce na madrugada
mágica Obra que desvanece
de cor o ouro prometido

Da rosa nasce todo o sentido
espelho da lua, água celeste
apodrecida mas sempre pura

Sal subtil que o tempo apura
Oh muda madrugada secreta
Guarda a indizível matéria

António Eduardo Lico
Uma poesia do poeta venezuelano Victor Valera Mora, mais conhecido por El Chino Valera Mora:

CERCO

Desempleado, sin un centavo en el bolsillo,
sin combates, sin nada que hacer,
digo, no tengo acceso a la alegría,
no tengo derecho al más pequeño de los saludos
y menos aún al amor.

Sólo la blasfemia me es dada, sólo la blasfemia
y las hambres mas hondas me son dadas.

Pero sabedlo,
esto no va a durar toda la vida.

Vosotros devoradores de la canción,
que durante sombras seculares me habéis tenido
acorralado en este cerco de tristezas:
¡escuchadme bien!
es cierto que estoy hecho para grandes decepciones
y cierto también, preparado,
para inexorables alegrías que vendrán.

Tengo necesidad del mañana
no me juzguéis cruel por mis actos.

terça-feira, 5 de março de 2013

Reponho uma poesia do poemário O esboço do vento:


À tarde a melancolia escorre...

À tarde a melancolia escorre
como seiva de árvores mortas
e das flores que hão de nascer

Primavera e o sol a morrer
como música no horizonte
que vai morrendo todas as tardes

E nas guitarras que escutardes,
nos violoncelos que tocam breve
a tensa seiva tece a noite

António Eduardo Lico
Uma poesia de Vicente Huidobro:

LA POESÍA ES UN ATENTADO CELESTE

Yo estoy ausente pero en el fondo de esta ausencia
Hay la espera de mí mismo
Y esta espera es otro modo de presencia
La espera de mi retorno
Yo estoy en otros objetos
Ando en viaje dando un poco de mi vida
A ciertos árboles y a ciertas piedras
Que me han esperado muchos años

Se cansaron de esperarme y se sentaron

Yo no estoy y estoy
Estoy ausente y estoy presente en estado de espera
Ellos querrían mi lenguaje para expresarse
Y yo querría el de ellos para expresarlos
He aquí el equívoco el atroz equívoco

Angustioso lamentable
Me voy adentrando en estas plantas
Voy dejando mis ropas
Se me van cayendo las carnes
Y mi esqueleto se va revistiendo de cortezas
Me estoy haciendo árbol Cuántas cosas me he ido convirtiendo en
[otras cosas...
Es doloroso y lleno de ternura

Podría dar un grito pero se espantaría la transubstanciación
Hay que guardar silencio Esperar en silencio





segunda-feira, 4 de março de 2013

Reponho uma poesia do poemário O esboço do vento:


De madrugada os rios...

No pino da madrugada uma
só fonte te cobria de rosas
e rios nasciam-te nos olhos

Ao ritmo de antigos orvalhos
chorados por deuses destronados
a cada florida Primavera

Como se em Abril não chovera
e toda a sede desse em água
mansa e azul de melancolia

António Eduardo Lico
Uma poesia de Afonso Lopes Vieira:


Pinhal do Rei

Catedral verde e sussurrante, aonde
a luz se ameiga e se esconde
e aonde, ecoando a cantar,
se alonga e se prolonga a longa voz do mar:
ditoso o "Lavrador" que a seu contento
por suas mãos semeou este jardim;
ditoso o Poeta que lançou ao vento
esta canção sem fim...

Ai flores, ai flores do Pinhal florido,
que vedes no mar?
Ai flores, ai flores do Pinhal florido,
rei D. Dinis, bom poeta e mau marido,
lá vem as velidas bailar e cantar.


Encantado jardim da minha infância,
aonde a minh'alma aprendeu;
a música do Longe e o ritmo da Distância
que a tua voz marítima lhe deu;
místico órgão cujo além se esfuma
no além do Oceano, e onde a maresia
ameiga e dissolve em bruma,
e em penumbra de nave, a luz do dia.
Por estes fundos claustros gemem
os ais do Velho do Restelo...
Mas tu debruças-te no mar e, ao vê-lo,
teus velhos troncos de saudades fremem...

Ai flores, ai flores do Pinhal louvado,
que vedes no mar?
Ai flores, ai flores do Pinhal louvado,
são as caravelas, teu corpo cortado,
é lo verde pino no mar a boiar.

Pinhal de heróicas árvores tão belas,
foi do teu corpo e da tua alma também
que nasceram as nossas caravelas
ansiosas de todo o Além;
foste tu que lhe deste a tua carne em flor
e sobre os mares andaste navegando,
rodeando a terra e olhando os novos astros,
ó gótico Pinhal navegador,
em naus, erguida, levando
tua alma em flor na ponta alta dos mastros!...

Ai flores, ai flores do Pinhal florido,
que vedes no mar?
Ai flores, ai flores do Pinhal florido,
que grande saudade, que longo gemido
ondeia nos ramos, suspira no ar!

Na sussurrante e verde catedral
oiço rezar a alma de Portugal:
ela aí vem, dorida, e nos seus olhos
sonâmbulos de surda ansiedade,
no roxo da tardinha,
abre a flor da Saudade;
ela aí vem, sozinha,
dorida do naufrágio e dos escolhos,

viúva de seus bens
e pálida de amor,
arribada de todos os aléns
de este mundo de dor;
ela aí vem, sozinha,
e reza a ladainha
na sussurrante catedral aonde
toda se espalha e esconde,
e aonde, ecoando a cantar,
se alonga e se prolonga a longa voz do mar.

domingo, 3 de março de 2013

Reponho uma poesia do poemário O esboço do vento:


O esboço do vento

Era o vento nos teus cabelos
ou o sopro de antigos deuses
à conquista de novos Olimpos

Rindo de todos os velhos ímpios
Mesmo os geómetras e Homero
naturais fazedores de deuses

Nasçam ventos floresçam obuses
onde rosas deviam nascer
celebrando-te a divindade

António Eduardo Lico
Uma poesia de Dámaso Alonso:


Oración por la belleza de una muchacha


Tú le diste esa ardiente simetría
de los labios, con brasa de tu hondura,
y en dos enormes cauces de negrura,
simas de infinitud, luz de tu día;

esos bultos de nieve, que bullía
al soliviar del lino la tersura,
y, prodigios de exacta arquitectura,
dos columnas que cantan tu armonía.

Ay, tú, Señor, le diste esa ladera
que en un álabe dulce se derrama,
miel secreta en el humo entredorado.

¿A qué tu poderosa mano espera?
Mortal belleza eternidad reclama.
¡Dale la eternidad que le has negado!

sábado, 2 de março de 2013

Reponho uma poesia do poemário Este rio que corre sem águas:


Dai-me tanta água, quanta precise...

Dai-me tanta água, quanta precise,
para que nunca o orvalho se esgote
e a mais humilde flor
possa sempre fazer florir
o seu próprio amanhecer

António Eduardo Lico
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades de Luís de Camões:

Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança:
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança:
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem (se algum houve) as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto,
Que não se muda já como soía.

sexta-feira, 1 de março de 2013

Reponho uma poesia do poemário Este rio que corre sem águas:


Vintage Porto

Ah o vinho que corre no Douro
filosófico na sua melancolia rubra
não tem margens definidas
e corre para mares ignorados.
Rubro, como convém,
desafia químicas antigas
e gota a gota, indiferente,
tinge o rio de invisível vermelho.

António Eduardo Lico
Uma poesia de Hector Roberto Chavero. Adoptou o nome artístico de Atahualpa Yupanqui. Foi poeta, cantor guitarrista, viajante:

Si una guitarra triste...

Si una guitarra triste me dijera
que no quiere morir entristecida,
me pondría a rezar sobre su herida
con tal de recobrar su primavera.

Si un triste trovador hoy me pidiera
un poquito de luz para su vida,
toda la selva en fuego convertida
para su corazón yo le ofreciera.

Mas, de poco valió la proclamada
pujanza de mi anhelo, si callada
la muerte te llevó, Daniel Reguera.

Pasa tu zamba por la noche oscura,
y el eco de tu voz en la llanura
sigue buscando luz y primavera.