quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Reponho uma poesia do poemário Este rio que corre sem águas:


Caligrafia

A minha caligrafia íntima
nunca escreveu versos
metafísicos.
Seguramente, filósofos
com vocação de estetas
e que sempre seguram candeias
e vestem mantos verdes
dirão detectar pequenas
partículas esotéricas
na caligrafia que vos apresento.
E assim sendo, está provado
quanticamente.
A minha letra mais íntima
não a escrevo; desenho-a
no ar; espero que caia
mansamente e se desvaneça
sem metafísica.

António Eduardo Lico
Uma poesia de Raul de Carvalho:

Coração sem Imagens

Deito fora as imagens.
Sem ti, para que me servem
as imagens?

Preciso habituar-me
a substituir-te
pelo vento,
que está em qualquer parte
e cuja direcção
é igualmente passageira
e verídica.

Preciso habituar-me ao eco dos teus passos
numa casa deserta,
ao trémulo vigor de todos os teus gestos
invisíveis,
à canção que tu cantas e que mais ninguém ouve
a não ser eu.

Serei feliz sem as imagens.
As imagens não dão
felicidade a ninguém.

Era mais difícil perder-te,
e, no entanto, perdi-te.

Era mais difícil inventar-te,
e eu te inventei.

Posso passar sem as imagens
assim como posso
passar sem ti.

E hei-de ser feliz ainda que
isso não seja ser feliz.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Ruy Belo faria hoje 80 anos caso ainda fosse vivo. Fica a homenagem:

Breve Sonata em Sol (UM (Menor, Claro)

A solidão da árvore sozinha
no campo do verão alentejano
é só mais solitária do que a minha
e teima ali na terra todo o ano
quando nem chuva ou vento já lhe fazem companhia
e o calor é tão triste como o é somente a alegria
Eu passo e passo muito mais que o próprio dia
Reponho uma poesia do poemário Este rio que corre sem águas:


Perfumes tangentes ao vinho

Vem de tão longe quanto os perfumes
e de tão fundo como corolas.
Abrasa-me o sangue nas veias
tinge-me os ossos de cor rubi:
vinho! Fonte de todas as flores

António Eduardo Lico


Uma poesia da poetisa iraniana Nazanin Nezam Shahidi, traduzida do persa para inglês por M. Alexandrian:


Awakening

At last
that which awakened the earth
was the shining hand of October,
and that which helped time roll
was the autumn's branch -
to
throw away
the remaining contracted pain of summer,
to set aside
the dust accumulated cover,
open again
my eye-lid and that of earth.

I awake,
in front of my eye and earth
a hand
risen from asleep
breaks
the blue skin of the windowpane's backside!...



terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Reponho uma poesia do poemário Este rio que corre sem águas:


Na margem de um rio, as horas são ainda mais absurdas

 As horas são absurdas,
passam, e já não são,
sem deixar de o ser.
Um desconhecido esteta
clama na confluência
do Ser e Não Ser
que o Belo é absurdo
porque é belo em si mesmo,
indiferente ao tempo
e às horas que passam
e já não o são,
sem deixar de o ser.

António Eduardo Lico
Uma poesia de Nicolás Guillén:

CANCIÓN

¡De que callada manera
se me adentra usted sonriendo,
como si fuera la primavera !
¡Yo, muriendo!

Y de que modo sutil
me derramo en la camisa
todas las flores de abril

¿Quién le dijo que yo era
risa siempre, nunca llanto,
como si fuera
la primavera?
¡No soy tanto!

En cambio, ¡Qué espiritual
que usted me brinde una rosa
de su rosal principal!

De que callada manera
se me adentra usted sonriendo,
como si fuera la primavera
¡Yo, muriendo!

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

No aniversário do nascimento de Rosalia de Castro, fica aqui a homenagem:


Adios rios, adios fontes...

Adios, rios; adios, fontes;
adios, regatos pequenos;
adios, vista dos meus olhos:
nõe sei quando nos veremos.

Minha terra, minha terra,
terra donde me eu criei,
hortinha que quero tanto
figueirinhas que prantei,

prados, rios, arvoredas,
pinares que move o vento,
paxarinhos piadores,
casinha do meu contento,

muinho dos castanhares,
noites craras de luar,
campaninhas trimbadoras
da igrejinha do lugar,

amorinhas das silveiras
que eu lhe dava ao meu amor
caminhinhos antre o milho,
adios, para sempre adios!

Adios, grória! Adios, contento!
Deixo a casa onde nacim,
deixo a aldea que conosso
por um mundo que nõe vim!

Deixo amigos por estranhos,
deixo a veiga polo mar,
deixo, em fim, quanto bem quero...
quem pudera no o deixar...!

Maes som probe e, mal pecado!,
a minha terra n'é minha,
que hastra lhe dãe de prestado
a beira por que caminha
ao que naceu desdichado.

Tenho-vos, pois, que deixar,
hortinha que tanto amei,
fogueirinha do meu lar,
arvorinhos que prantei,
fontinha do cavanhar.

Adios, adios, que me vou,
ervinhas do campo-santo
donde meu pai se enterrou,
ervinhas que biquei tanto,
terrinha que vos criou.

Adios, Virge da Assunciõe,
branca como um serafim:
levo-vos no corassõe;
pedide-lhe a Dios por mim,
minha Virge da Assunciõe.

Já se oiem longe, moi longe,
as campanas do Pomar;
para mim, ai!, coitadinho,
nunca mais hãe de tocar.

Já se oiem longe, mais longe...
Cada balada é um dolor;
vou-me soio, sem arrimo...
Minha terra, adios!, adios!

Adios tamém, queridinha...!
Adios por sempre quiçais...!
Digo-che este adios chorando
desde a beirinha do mar.

Nõe me olvides, queridinha,
se morro de soidás...
tantas légoas mar adentro...
Minha casinha!, meu lar!
Reponho uma poesia do poemário Este rio que corre sem águas:


Nas margens, a Esfinge...

A Esfinge habita as margens
apenas como esfinge, de pedra,
absurdamente de pedra
impenetrável ao silêncio
que lhe vem de fora;
e vive, no entanto
em total mudez, na pedra
que lhe é externa,
só, contemplativa,
fazendo do tempo pedra,
só nas margens, sem esperar nada.

António Eduardo Lico
Uma poesia de Ana Hatherly:

Príncipe

Príncipe:
Era de noite quando eu bati à tua porta
e na escuridão da tua casa tu vieste abrir
e não me conheceste.
Era de noite
são mil e umas
as noites em que bato à tua porta
e tu vens abrir
e não me reconheces
porque eu jamais bato à tua porta.
Contudo
quando eu batia à tua porta
e tu vieste abrir
os teus olhos de repente
viram-me
pela primeira vez
como sempre de cada vez é a primeira
a derradeira
instância do momento de eu surgir
e tu veres-me.
Era de noite quando eu bati à tua porta
e tu vieste abrir
e viste-me
como um náufrago sussurrando qualquer coisa
que ninguém compreendeu.
Mas era de noite
e por isso
tu soubeste que era eu
e vieste abrir-te
na escuridão da tua casa.
Ah era de noite
e de súbito tudo era apenas
lábios pálpebras intumescências
cobrindo o corpo de flutuantes volteios
de palpitações trémulas adejando pelo rosto.
Beijava os teus olhos por dentro
beijava os teus olhos pensados
beijava-te pensando
e estendia a mão sobre o meu pensamento
corria para ti
minha praia jamais alcançada
impossibilidade desejada
de apenas poder pensar-te.

São mil e umas
as noites em que não bato à tua porta
e vens abrir-me

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Reponho uma poesia do poemário Este rio que corre sem águas:


Não consta que Zeus fosse versado em gramática...

Não consta que Zeus fosse versado em gramática
e em Roma quis ser conhecido como Júpiter,
quase como se fosse a quarta geração olímpica.
A gramática não é atributo divino.
Como ficas bem pairando sobre o Coliseu
hesitante entre Homero e Virgílio
e Afrodite banhando-se feliz no Tibre
ignorando que já era Vénus.
O enigmático Eneias, esse de Tróia
que a Musa quis de Roma fundador
e viajante teleológico, guiado por experimentado aedo
que já te conhecia o destino.

António Eduardo Lico
Uma poesia de David Mourão-Ferreira:

Praia do Paraíso

Era a primeira
vez que nus os nossos corpos
Apesar da penumbra á vontade se olhavam
Surpresos de saber que tinham tantos olhos
Que podiam ser luz de tantos candelabros
Era a primeira vez cerrados os estores
Só o rumor do mar permanecera em casa
E sabias a sal, e cheiravas a limos
Que tivesses ouvido o canto das cigarras
Havia mais que céu no céu do teu sorriso
Madrugada de tudo em tudo que sonhavas
Em teus braços tocar era tocar os ramos
Que estremecem ao sol desde que o mundo é mundo
É preciso afinal chegar aos cinquenta anos
Para se ver que aos vinte é que se teve tudo.

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Em 23 de Fevereiro de 1987, morreu José Afonso.
Nome maior da música portuguesa, cantor, músico, poeta e homem fraternal, José Afonso vive no coração e memória dos que amam a Liberdade, a Justiça e a Fraternidade e acreditam que um mundo melhor é possível.
Fica o tributo:


Reponho uma poesia do poemário Este rio que cresce sem águas:


Este rio que corre sem águas

 Zeus era lúcido?
Ninguém acredita,
senão não seria uma divindade.
Quem, a não ser um louco
pode assumir a divindade?
Eu não a assumiria;
humildemente aceito
ter demasiada lucidez
e acreditar que os rios correm sem águas,
como o Caos corre sem matéria,
basta-lhe a Noite para correr
até que Céu e Terra se encontrem.

António Eduardo Lico
Uma poesia de Luís Conceição:


Desenhei um pássaro no ar e ele voou
Desenhei outro e ele ficou
Fui-me embora
Triste daquele que me acompanhou.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Poesia e Escultura possuem ligações, eu diria evidentes, divergindo apenas nos materiais utilizados.
Deixo o magnífico site do meu querido amigo escultor Francisco Simões:

http://franciscosimoes.net/pagina-inicial/
Uma poesia do poemário Este rio que corre sem águas:


Nirvana

 Um peixe não atinge o nirvana
embora viva na água.
As pedras afundam-se
e não têm escamas
e estão na marge de lá
de qualquer nirvana

Nem os peixes do Tibete
chegam perto do nirvana
ou será o problema
da altitude?

Não vou pescar,
não quero distrair
peixe algum da sua via:
a de ser pescado

Se um dia o nirvana
acordar debaixa
da minha cama
hei-de lembrar-me
do peixe riscado
de violeta correndo
veloz para o anzol
como monge
que corre para o nirvana

Este é o meu ensinamento:
quem o seguir não
atingirá nirvanas.
quando muito
poderá contemplar
a outra margem
do rio e olhar os peixes.

António Eduardo Lico
Uma poesia de David Mourão-Ferreira:


Serenata do Adolescente

Que doentia claridade
a que me invade e me obsidia,
durante a noite e à luz da tarde,
à luz da tarde, à luz do dia!
Que doentia aquela grade
de insone e ténue claridade,
sob a avançada gelosia!

Passo na rua e nada vejo
senão a luz, a luz e a grade.
Ó lamparina do desejo,
porque ardes tu, até tão tarde?
E às vezes surge, entre a cortina,
aquela sombra vespertina
que me retém nesta ansiedade.

Se tens trint'anos? ou cinquenta?
Quis lá saber a tua idade!
Sei que em meus olhos se impacienta
fome da luz daquela grade!
Sei que sou novo, e que me odeio
porque me tarda — ante o teu seio —
queimar tão pobre mocidade!           

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

A chanson française no seu esplendor com Georges Brassens em Mourir pour les idées:


Reponho uma poesia do poemário Que de dentro não se vê:


Mote para uma folha que caiu, amarela, de uma árvore

Porque era Outono, quiseste abandonar,
colorindo de amarelo o espaço por onde voavas,
o espaço verde e quente, onde a seiva te habitou.

Porque era Outono, e quiseste voar
como se fora Primavera, como se fosses brincar
com a tua primaveril cor, beijando o chão

Porque era Outono, voavas ao vento
que te levava para longe e te enganava
com seu manso murmúrio

Porque era Outono, apenas Outono
e eras apenas uma folha amarela
mansamente caíste no chão

António Eduardo Lico
Uma poesia de Nezahualcóyotl
Canto de primavera

En la casa de las pinturas
Comienza a cantar,
Ensaya el canto,
Derrama flores,
Alegra el canto.

Resuena el canto,
Los cascabeles se hacen oír,
A ellos responden
Nuestras sonajas floridas.
Derrama flores,
Alegra el canto.

Sobre las flores canta
El hermoso faisán,
Su canto despliega
En el interior de las aguas.
A él responden
Variados pájaros rojos.
El hermoso pájaro rojo
Bellamente canta.

Libro de pinturas es tu corazón
Has venido a cantar,
Haces resonar tus tambores,
Tú eres el cantor.
En el interior de la casa de la primavera
Alegras a las gentes

Tú sólo repartes
Flores que embriagan
Flores preciosas.

Tú eres el cantor.
En el interior de la casa de la primavera,
Alegras a las gentes.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Reponho uma poesia do poemário Amanhecer obscuro:


Geografias

Escrevi uns versos em que falava
de oceanos tristes.
Os oceanos não são tristes; nem alegres.
São oceanos quando uns senhores
a que chamam geógrafos
decidem que são oceanos.
E decidem que são apenas oceanos; nem tristes, nem alegres.
Se eu escrevesse um verso assim:
“Oh taciturno Atlântico Oceano”.
Teria por certo exegetas, que iriam falar
de uma certa tendência classicista
nos meus versos; talvez até digam que eu estudei Latim...
Teria legiões de geógrafos a reclamarem
em cenáculos nacionais, internacionais e transnacionais
que de oceanos só eles podem falar.
Que nunca foi encontrado um oceano taciturno.
Eu não sou contra os geógrafos.
Devia haver muitos geógrafos. Milhões de geógrafos.
Tinham emprego garantido
A ensinar Geografia aos gringos.
O Mar Negro, é Mar Negro;
se fosse taciturno, ou fosse
outra coisa qualquer,
certamente estaria irritado com os geógrafos.
Os Mares também se irritam?
Porque é apenas Mar Negro
E não Oceano Negro?
Só os geógrafos o sabem.
Eu regresso à Água.

António Eduardo Lico
Uma poesia de Florbela Espanca:

Panteísmo

Ao Botto de Carvalho

Tarde de brasa a arder, sol de verão
Cingindo, voluptuoso, o horizonte...
Sinto-me luz e cor, ritmo e clarão
Dum verso triunfal de Anacreonte!

Vejo-me asa no ar, erva no chão,
Oiço-me gota de água a rir, na fonte,
E a curva altiva e dura do Marão
É o meu corpo transformado em monte!

E de bruços na terra penso e cismo
Que, neste meu ardente panteísmo
Nos meus sentidos postos e absortos

Nas coisas luminosas deste mundo,
A minha alma é o túmulo profundo
Onde dormem, sorrindo, os deuses mortos!

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Reponho uma poesia do poemário Amanhecer obscuro:


De que me serve fugir
de morte, dor e perigo,
se me eu levo comigo?

(mote de Luís Vaz de Camões)

De que me serve fugir?
Eu não quero fugir;
quando se foge, leva-se tudo,
leva-se o corpo, leva-se a alma
vai-se só, permaneces-se só.
Eu quero ficar,
ficar, mas fugindo,
sem permanecer em mim.

António Eduardo Lico
Um poema de Ezra Pound retirado dos Collected Shorter Poems:

NATIONAL SONG (E.C.)

There is no land like England
Where banks rise day by day.
There are no banks like English banks
To make the people pay.

There is no such land of castles
Where an Englishman is free
To read his smutty literature
With muffins at his tea.

                     Chorus:
For the French have comic papers--
Not that nice Britons read'em,
But the hawdy little Britons
Have bank sharks to blead'em

And to keep an eye on their readin' matter
Lest they should overhear the distressing chatter
Of the new economical theories
And ask inconvenient queries.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Reponho uma poesia do poemário Amanhecer obscuro:


Secreta dorme no seu casulo...

Secreta, dorme no seu casulo
um sono suspenso, a crisálida.
Se Darwin te visse!
Se um criacionista, ou mesmo dois,
pudessem penetrar o teu sono!
Até um adepto de Lamarck
poderia investigar o teu caso!
Não queria falar em Lamarck...
Já sei que me vão falar em Lysenko.
Trofim Lysenko para ser quase exacto.
Tinha mais um nome, mas não vou usá-lo.
Quero apenas ser quase exacto.
A exactidão aprende-se, não está na genética.
É isso, Lysenko não queria a genética;
e detestou Mendel; Mendel apreciava ervilhas,
era austríaco, e sem o saber originou a genética:
é o que muitos afirmam; Mendel, nunca soube
que tinha fundado alguma coisa.
Os que dizem que fundou alguma coisa,
sem o saberem, ou os que depois
inventaram o termo GENÉTICA,
talvez apenas gostem de ervilhas!
Lysenko...não se sabe o que originou!
Pelo menos não o sabem os que o criticam
e apenas dizem que o malvado Lysenko
não queria a genética.
Lysenko não queria Mendel e não queria
ervilhas, nem flores de ervilhas
Indiferente aos meus versos,
aos que trucidam Lysenko em manuais
que apenas são conhecidos no corredor
do Departamento dos autores,
a crisálida dorme sem saber que dorme;
dorme um sono frio e distante.
Dorme e não sonha, nem sabe
que dorme para acordar para a luz.

António Eduardo Lico
Hoje regresso à poesia de François Villon através de uma tradução de Jorge de Sena:

BALADA DAS MULHERES DE PARIS

Que sejam boas linguareiras
Florentinas e Venezianas,
Para servir de mensageiras,
Também Lombardas e Romanas,
E as Genovesas e as Toscanas.
Aqui vos garante quem diz
(Em que pese às Sicilianas):
Para a boca, só de Paris.

Em bem falar serão vezeiras,
Doutoras, as Napolitanas.
Como boas cacarejeiras
As de Bruges e as Alamanas.
Que sejam Gregas ou Troianas,
E de Hungria ou de outro país,
Aragonezas, Castelhanas;
Para a boca, só de Paris.

Bretãs, Suíças, más palradeiras.
Mais Gascoas e Toulousanas:
Um par das nossas regateiras
Cala-as logo e às Alsacianas,
Às ingresas como às Renanas
(É bastante a lista que eu fiz?),
E às Picardas e às Sabolanas:
Para a boca, só de Paris.
Senhor, às damas mais maganas
O prémio deveis dar, feliz.
Por mais que valham Italianas
- Para a boca, só de Paris.

Tradução de Jorge de Sena

domingo, 17 de fevereiro de 2013

A canção Exílio, poema de Manuel Alegre musicado e cantado por Luís Cília, gravação de 1964:


Reponho uma poesia do poemário Amanhecer obscuro:


Ao amanhecer, o mar

Torrencial mar, esse, o Atlântico.
Está perdida essa tua rosa-dos-ventos
como gaivota adormecida na
espuma líquida da tua geografia.
O teu mais célebre náufrago,
esse do Restelo, o Velho,
voga como peixe triste
entre lânguidos corpos de sereias.
Já não tens navegadores
de olhar perdido no horizonte
que te procurem o Oriente e o Poente,
nem largam ténues barcas
para indagarem do Sul, a rosa
quente e promissora que ocultas,
Existes só e inexpugnável
roçando acidental praia
com a tua brilhante espuma
refulgindo de branco
no obscuro amanhecer
com que te cercam.

António Eduardo Lico
Uma poesia de Borges Coelho:



Sou barco abandonado
Na praia ao pé do mar
E os pensamentos são
Meninos a brincar.

Ei-lo que salta bravo
E a onda verde-escura
Desfaz-se em trigo
De raiva e amargura.

Ouço o fragor da vaga
Sempre a bater no fundo,
Escrevo, leio, penso,
Passeio neste mundo
De seis passos
E o mar a bater ao fundo.

Agora é todo azul,
Com barras de cinzento,
E logo é verde, verde,
Seu brando chamamento.

Ó mar, venha a onde forte
Por cima do areal
E os barcos abandonados
Voltarão a Portugal.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Uma canção tradicional o Oeste americano cantada pelo lendário cantor e compositor Woody Guthrie:


Reponho uma poema do poemário Amanhecer obscuro:


Amanhecer obscuro

Oh noite, companheira indecisa
da clara lua e anónimos rouxinóis;
cobre-me com os teus cabelos longos,
deixa-me vogar na tua penumbra
e atravessar a anunciada madrugada
rumo à desconhecida manhã

António Eduardo Lico
Uma poesia de Ruy Belo:

Emprego e Desemprego do Poeta

Deixai que em suas mãos cresça o poema
como o som do avião no céu sem nuvens
ou no surdo verão as manhãs de domingo
Não lhe digais que é mão-de-obra a mais
que o tempo não está para a poesia

Publicar versos em jornais que tiram milhares
talvez até alguns milhões de exemplares
haverá coisa que se lhe compare?
Grandes mulheres como semiramis
públia hortênsia de castro ou vitória colonna
todas aquelas que mais íntimo morreram
não fizeram tanto por se imortalizar

Oh que agradável não é ver um poeta em exercício
chegar mesmo a fazer versos a pedido
versos que ao lê-los o mais arguto crítico em vão procuraria
quem evitasse a guerra maiúsculas-minúsculas melhor
Bem mais do que a harmonia entre os irmãos
o poeta em exercício é como azeite precioso derramado
na cabeça e na barba de aarão

Chorai profissionais da caridade
pelo pobre poeta aposentado
que já nem sabe onde ir buscar os versos
Abandonado pela poesia
oh como são compridos para ele os dias
nem mesmo sabe aonde pôr as mãos

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Reponho uma poesia do poemário Amanhecer obscuro:


De noite os gatos...

De noite os gatos, sim os gatos,
não lêem autores franceses
nem uivam para a lua.
Se o fizessem, eram literatos
e haveria sempre alguém
disposto a dizer que eram lobos,
por certo esquecendo
que os lobos não lêem autores franceses.
Dou por certo que um fleumático politólogo,
disfarçado de crítico literário
vai afirmar, e demonstrar (e depois ficar famoso)
que gatos e lobos não são afrancesados,
nem escrevem ensaios inquietos
acerca do gaullisme de Malraux
e da sua entrada tardia na Resistence.
ah, o crítico, ah o crítico literário,
heterónimo mundano dos politólogos,
não vai compreender porque Malraux entrou cedo
na Guerra Civil de Espanha,
e nem sequer vai dar um sentido estético
às fotos de Malraux de cigarro na boca.
Por certo vai fingir que não sabe que Malraux
gostava de bavarder sobre erotismo.
Vai ficar intimidado e com vergonha,
pois não pode citar Braudillard, e outros,
para explicar porque, para alguns Malraux era trotskista
e para Natalie Trotski era stalinista.
Como vais explicar que alguém como Malraux,
tão elegante e cosmopolita, e que viajou ao Oriente
não fosse um ícone de 68?
Voyons e a Condição Humana?
Vais também dizer que é uma Fleur du Mal?
Que era política disfarçada de literatura?
Ou talvez queiras demonstrar, bem à francesa
que ele era um nihlista; sim, assim ficas descansado!
Eram filosofias! Nada mais que filosofias.
E nem sequer vais dizer como eu: niilista;
vais dizer nihilista, era o que Malraux era,
os politólogos sabem latim, e já leram
Marco Aurélio, e Cícero; alguns sabem,
Oh volúpia de sabedoria, o genitivo de Cícero,
e naturalmente escrevem: Cicero.
Até sabem que Séneca foi estóico,
E esquecem-se de dizer, por conveniência, é certo,
que Malraux não foi estóico, e poucas coisas
fez por conveniência., a não ser que,
fingia que fazia uma filosofia
entre uma fatia de camembert, e uma taça de champanhe,
para não ser tomado como um autor profundo.
Sabes, um austríaco, depois deixou de ser austríaco,
promoveu-se a filósofo, sim, falo de Popper.
E dizem-me ser um autor profundo.
Um dia foi a uma manifestação, ele era comunista;
a polícia carregou e assassinou manifestantes.
E esse austríaco, Popper, Karl Popper
decidiu que já não era comunista.
Vendo a polícia a matar comunistas
decidiu que não era comunista;
depois fizeram dele famoso, até filósofo.
Disseram até que derreteu Gnoseologias!
Mesmo um poeta distraído, ou um europeísta convicto (e pago)
sabe fazer o diagnóstico certo: cortou-se, borrou-se de medo;
e voltou-se para a filosofia.
Errada vocação a desse austríaco,
deveria ir para polícia, assim podia matar comunistas,
ele próprio, já que ele tinha decidido que o não era;
e escusava de ter entrado na galeria dos intelectuais
muito considerados, mas vendidos.
O que tu não dirias dele, André!
Acabaste como ministro de De Gaulle,
muitos, sobretudo de entre os politólogos
devem achar que tu gostavas do inestético
nariz de De Gaulle, e da forma
como ele dizia . Vive la Frrrrrance.
muita gente te insultou, e disse mal de ti.
Acredito, que intimamente devias sorrir, divertido;
ainda hoje os politólogos não sabem, no seu saber definitivo,
que só querias mostrar como se devia ser bom comunista.

António Eduardo Lico

Uma poesia de Edmundo Bettencourt:

Poema de Amor

A noite é cheia de vales e baías.
E do meu peito aberto um rio largo de sangue…
Águas densas, de correntes lentas,
serpentes mortas a arrastarem-se.
Águas?
Águas negras, pastosas, alcatrão rolante.
Mas águas puras, verde-claras, atraindo
a margem donde os crocodilos fogem mastigando.
Águas em transparências lucilantes, para cima,
e as estrelas do mar, um polvo e um mefistófeles
ficam no ar sobre ilhéus e lodosos calhaus
que se descobrem.
Plantas brancas e extáticas…
Lágrimas… nuvens… e a cabeça, o perfil,
os olhos, todo o corpo da mulher amada, a prostituta
antes de virgem, que é bela e feia, velha e nova,
e não conhece os filhos!

O fogo envolve essa mulher amada
e é um guindaste erguendo-a e atirando-a,
enquanto dispersas pelo chão brilham mandíbulas
naturalmente à espera…

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Reponho uma poesia do poemário Amanhecer obscuro:


Une Voyage


Les violons


Ah, o teu nome é obscuro - Louis-Ferdinand Destouches,
então surge aquilo que te decifra e te consome – Celine.
Celine, eis o nome, alguns dirão até 666.

Crépuscule

Et ton Voyage au bout de la nuit?
Tu dizias que não eras um homem de ideias,
as ideias, estavam nos livros, volumes e volumes;
a ti só o estilo de interessava.
Tu étais un homme à style.
Não te perdoaram que tivesses escrito
O inesperado de Voyage au bout de la nuit,
Algo assim, só eles podiam fazer.
Adivinhaste, culpam-te dos Pamphlets;
culpam-te ainda mais dos Pamphlets,
e dizem a palavra definitiva: antisémite;
essa palavra com que exterminam
todos os que não gostam; e eles não gostam de muitos.
De mim, é difícil dizerem que sou um desses, vejamos:
Gosto dos Fenícios, eram semitas,
e se não eram deveriam ser.
Gosto do povo de Kem, eram os egípcios antigos,
e eram semitas genuínos, genuínos mesmo.
Gosto dos Camitas, e porque não dos Filisteus?
acaso não eram semitas? Dos da Babilónia
gosto também, e são semitas desde sempre;
hoje ninguém se lembra, mas eles podem esquecer-se;
e esqueceram-se, esqueceram-se.
Já vai longe a Suméria, diziam que vinham da Anatólia
(os Sumérios – claro)
e depois, a sua brilhante civilização
foi substituída por sucessores semitas.
Eles esquecem-se, e até dizem que a História começa
com a Suméria. Eles esquecem-se, esquecem-se.
Estão sempre a esquecer-se;
mesmo quando não se esquecem,
é porque se esqueceram.
Vejam bem, eu gosto dos Assírios!
Gosto até dos Hititas, mas esses não eram semitas,
mas gosto deles; vieram da Anatólia (o que não era longe)
e conquistaram o Egipto, conquistaram Kem.
Gosto dos Hebreus; os da Babilónia tinham
um nome pare eles: Habiru.
Freud, que de Viena antevia Moisés, o egípcio,
Não esqueceu o nome – Habiru.
Ah pensaram que me esqueci dos da Galileia?
Esses não eram Hebreus; eram Galileus
e a Galileia teve que ser conquistada;
tinha uma divindade rival da de Jerusalém.
Tu não sabias nada disto, sempre ignoraste
os ardis subtis da História e das estórias,
eras médico e eras styliste.

Finale


Louis-Ferdinand, (où Celine), écoutes moi bien !
Ainda procuram, ou vasculham,
talvez sejam apenas como os voyeurs,
apenas querem ver. Talvez pensem em Haia...
(projectivamente, bem entendido).
Écoutes! Eles procuram,
procuram as tuas últimas cartas,
não te querem publicar a ti,
querem interpretar as tuas últimas cartas;
parecem condenados à guilhotina,
esperando com angústia de condenados
o seu último e longo minuto,
esse antes do frio da lâmina.
Ahhhh, quiseram-te apenas médico,
e com absoluta assepsia
asseguraram-se disso mesmo!
Presumo que sorriste,
tu est un styliste.

António Eduardo Lico


Uma poesia de Farough Farrokhzad;

Mais Tarde

A minha morte chegará um dia
Um dia na primavera, luminoso e gracioso
Um dia de inverno, poeirento, distante
Um dia vazio de outono, desprovido de alegria.

A minha morte chegará um dia
Um dia doceamargo, como todos os meus dias
Um dia oco como o que passou
Sombra de hoje ou de amanhã.

Os meus olhos adaptam-se à penumbra dos pátios
As minhas faces parecem frio, pálido mármore
Subitamente o sono arrasta-se sobre mim
Livro-me de todos os gritos dolorosos.

Lentamente minhas mãos deslizam sobre anotações
Que chegaram até mim debaixo do feitiço da poesia,
Relembro que outrora em minhas mãos
Retive o sangue flamejante da poesia.

A terra convida-me para os seus braços,
As gentes reúnem-se para me sepultar aqui
Talvez à meia-noite os meus amantes
Coloquem sobre mim coroas de muitas rosas.

Tradução: Vasco Gato.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Reponho uma poesia do poemário Amanhecer obscuro:

Eu

Que vozes desconhecidas
cantam em mim?
Que dedos sombrios
escrevem os meus versos?
Quantas pessoas me habitam?
Só eu me pertenço
e canto nas manhãs obscuras.
De mim apenas se sabe que sou eu.

António Eduardo Lico
Uma poesia de Helder Macedo:


PARA AS SOMBRAS DA LOURDES CASTRO

A solidão da morte gera sombras
que os corpos cristalizam
nas fronteiras de sombra dos destinos
para dar um nome pessoal
e exacto
à nossa identidade transitória.

As sombras preexistem os destinos
como a morte preexiste a vida
mas a luz que as sombras libertaram
projectadas
somos nós
aprisionados livres
nos espelhos paralelos
duma sombra e sua ausência.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Reponho uma poesia do poemário Amanhecer obscuro:


Havia um crítico...

Havia um crítico que gostava de criticar poesia.
Digo analisar. E analisava!
Analisava em jeito de caixa de petri,
Dizem-me alguns que era mais tubo de ensaio.
Não sei se era um senhor alto, ou baixo,
se usava chapéu e se fazia ginástica.
Se a fazia, não a devia fazer
os críticos nunca fazem ginástica,
com excepção dos críticos que a fazem,
poderia dizer um filósofo
que subitamente virasse lógico.
Perante o poema, sim, faz ginástica:
Fala de Lyotard, sim esse mesmo
que foi promovido a fenomenologista;
vejam bem, ele falava de fenomenologia,
e nem sei como não o promoveram
à incarnação gaulesa de Kant:
assim, uma espécie de Kant
perdido nos canteiros de Versalhes
e nas alamedas das universidades
olhando para as pernas das jovens estudantes.
Por sorte (a de Kant), Kant há muito morreu,
ainda seria olhado como pós-moderno.
Estou a ver: Kant, esse prolegómeno pós-moderno!
Depois desse Lyotard é que chegam os exercícios pesados:
Chega Sein unt Zeit, chega Heidegger.
Pois ele não dizia que era herdeiro
legítimo da tradição metafísica europeia,
e que estava solidamente escorado no niilismo,
e até falava de ontologia
e do esquecimento do ser como centro de interrogação
e que a linguagem é a casa do ser?
Se for caso disso, remata o exercício com Baudrillard,
de caminho vai dizendo que Platão e Aristóteles eram gregos...
Eu nunca escrevi um poema que fosse assim:
As rosas ao meio dia são mais antigas
que as rosas às onze horas.

Eu sei que nunca escrevi, mas poderia ter escrito
Não escrevi, porque não sou dado a exercícios.
Se escrevesse, iriam trazer Lyotard, para falar
Da pós-modernidade moderna sem modernistas,
de como a democracia tanto deve
ao professor nazi de filosofia
Martin Heidegger de seu nome, substituto de Husserl
iriam trazer esse Baudrillard, ou outros.
Melhor era usarem um manual de jardinagem
um dos bons, que os há.
Os manuais de jardinagem sabem falar de rosas.
Os poetas, como não sabem falar de rosas
falam das rosas que irão um dia existir,
se existirem!

António Eduardo Lico

Uma poesia de Manuel da Fonseca:

Tejo que levas as águas

Tejo que levas as águas
correndo de par em par
lava a cidade de mágoas
leva as mágoas para o mar

Lava-a de crimes espantos
de roubos, fomes, terrores,
lava a cidade de quantos
do ódio fingem amores

Leva nas águas as grades
de aço e silêncio forjadas
deixa soltar-se a verdade
das bocas amordaçadas

Lava bancos e empresas
dos comedores de dinheiro
que dos salários de tristeza
arrecadam lucro inteiro

Lava palácios vivendas
casebres bairros da lata
leva negócios e rendas
que a uns farta e a outros mata

Lava avenidas de vícios
vielas de amores venais
lava albergues e hospícios
cadeias e hospitais

Afoga empenhos favores
vãs glórias, ocas palmas
leva o poder dos senhores
que compram corpos e almas

Das camas de amor comprado
desata abraços de lodo
rostos corpos destroçados
lava-os com sal e iodo

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Reponho uma poesia do poemário Amanhecer obscuro:


Cur non mitto meos tibi, Pontiliane, libellos ?
Ne mihi mittas, Pontiliane, tuos.

(Marcial, Epigr., VII, 3)

O binómio de Newton não é belo
é apenas um binómio:

é uma expressão que permite
calcular o desenvolvimento
de (a+b)n, sendo a+b um binómio
e n um número

Se ao menos n não fosse um número...
mas é! Dizem que é até um número natural

Os números podem até ser naturais
e pode ser reclamada a propriedade dos binómios;
continuarão a ser apenas expressões
de algo que não sabemos sequer se sabemos

Alexandre tinha inveja de Aquiles
que foi cantado por Homero.
Não teria inveja daquele binómio, o de Newton;
ao que sabemos, Newton não cantava

E mesmo que cantasse!
Já tinha estragado tudo
fazendo um binómio

Binómios não se fazem;
sabe-se que se podem fazer.
mas não se fazem!

Goethe preferia a injustiça à desordem
Newton preferia os binómios
o que será pior?

O binómio de Newton não é belo;
se não fosse de Newton, nem binómio
seria belo

António Eduardo Lico
Uma poesia de Rumi:




A CASA DE HÓSPEDES


O ser humano é uma casa de hóspedes.
Toda manhã uma nova chegada.

A alegria, a depressão, a falta de sentido, como visitantes inesperados.

Recebe e entretém a todos
Mesmo que seja uma multidão de dores
Que violentamente varrem a tua casa e tiram os seus móveis.
Ainda assim trata os teus hóspedes honradamente.
Eles podem estar limpando-te
para um novo prazer.

O pensamento escuro, a vergonha, a malícia,
encontra-os à porta rindo.

Agradeçe a quem vem,
porque cada um foi enviado
como um guardião do além.

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Reponho uma poesia do poemário Amanhecer obscuro:


Tuve amor y tengo honor.
Esto es cuanto sé de mi.

(Calderón De La Barca)


Um poema stalinista

Velhos (e novos) trotskistas
gritam com vozes aflautadas
que os stalinistas são muito maus.
Jovens intelectuais trotskistas
sonham, em segredo ser possuídas
por velhos e empedernidos stalinistas.
Os velhos (e novos) trotskistas
gritam sempre com vozes aflautadas,
e gostam de fingir que sabem tudo.
Até fingem que sabem geografia!
Um velho trotskista, Wolfowitz,
 (não faltará quem diga que é novo)
mais polaco que americano, contudo americano,
(os polacos gostam de ser americanos),
Que o diga Brzezinski!
Dizia (Wolfowitz): eu sei onde é o Afeganistão!
O Afeganistão é a nossa geografia,
Queremos o Indo Kush! E a Ásia Central!
Ungiu de trotskismo, Cheney e Rumsfeld.
Bush não fui ungido.
Foi ungido noutra internacional;
Escapou por pouco à unção de Wolfowitz.
Verão como a Babilónia
faz parte da mossa geografia,
eu sou Nabucodonosor,
e vou reconstruir os jardins suspensos
e vou tornar trostkista o Afeganistão,
clamava com voz de Quarta Internacional!
Alexandre, O Grande Alexandre
Devia ignorar por completo
Os delicados meandros da Revolução Permanente,
E deve ser um dos precursores do stalinismo;
para além de tudo, venceu no Indo Kush.
Genghis Khan, esse soldado alado da estepe
devia ser completamente ignorante
das magnas assembleias da Quarta Internacional
e dos intelectuais de barbichas e óculos,
pois venceu no Afeganistão, e chegou à Hungria;
o que diria Lukacs se fosse vivo!
O que diriam os velhos e graves filósofos,
Perceptores de Alexandre?
Vou deixar a gravidade destes versos
e vou fazer como os velhos poetas:
cantar as flores, o vinho, e as mulheres:
com o tempo, escolho a ordem certa.

António Eduardo Lico
Uma poesia de Manoel de Barros:

A maior riqueza do homem
é a sua incompletude.
Nesse ponto sou abastado.
Palavras que me aceitam como sou - eu não aceito.

Não agüento ser apenas um sujeito que abre portas,
que puxa válvulas, que olha o relógio,
que compra pão às 6 horas da tarde,
que vai lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.

Perdoai
Mas eu preciso ser Outros.
Eu penso renovar o homem usando borboletas.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Reponho uma poesia do poemário Amanhecer obscuro:


Pior que roubar um banco é fundar um banco

Bertold Brecht

Poema concreto


Escrevo poemas que quisera
efémeros, como o vento
que beija as flores
e levanta ondas ao mar
para logo se desfazerem na areia da praia,
como se o mar todo se acabasse naquele momento.

O vento quando beija as flores
não é como um cheque, ou uma letra:
quando se acabam, os bancos emitem mais.
Mesmo que se lhes acabe o dinheiro,
emitem mais. Porque eu não posso
emitir o meu dinheiro quando se me acaba?
Quando se me acabam as flores, procuro por mais.
O vento quando beija as flores, beija-as
como se nunca acabasse, e se acabasse
o saldo não seria negativo.

Até o Olimpo e os belos deuses gregos
se acabaram; ninguém se importou
em emitir mais; depois vieram profetas
que emitiram deuses e paraísos diferentes

Os bancos e os banqueiros
emitem dinheiro como se
emitissem paraísos e divindades.
Houvera quem os roubasse
como o vento rouba das flores
os perfumes.

António Eduardo Lico
Uma poesia de Agostinho da Silva:

A quem faz pão ou poema
só se muda o jeito à mão
e não o tema.
Atingira um silêncio tão de espanto
que era todo universo à sua volta
um seduzido canto.
E posto que viver me é excelente
cada vez gosto mais de menos gente.
Não sei quem manda na vida
mas a quem for eu me entrego
e o que queira me decida.
Pé firme leve dança
que o saber seja adulto
mas o brincar de criança.

Para uma biografia de Agostinho da Silva, consulte o link: http://pt.wikipedia.org/wiki/Agostinho_da_Silva

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Reponho uma poesia do poemário Amanhecer obscuro:


A cal que não fosse ávida de água...

Nunca escrevi versos em que usasse a palavra cal.
Eu sei que nunca tive razões para o fazer,
mas nunca fiz, e assim o digo.
Reconheço que já usei a palavra óxido,
não muitas vezes, mas usei, noblesse oblige.
Usei, já o disse, não para oxidar o poema,
ou provocar outras reacções,
não que eu seja dado ao estudo da química
mas dizem-me que pode haver reacções...
A cal, ao que dizem, é ávida de água
E eu só quero a cal que não é ávida
de água, seja água, água, ou oxigenada;
não digam que estou a usar óxido
neste fazer o poema.
Não sou futurista, nem me corre
nas veias o mais leve ânimo post-moderno,
por isso usei óxido com moderação
e ainda espero a cal que não seja ávida de água.

António Eduardo Lico
Uma poesia de Maria Teresa Horta:

Roteiro de Lisboa

Vejam meus senhores
é uma cidade
com suas crianças
homens sem idade

É uma cidade
cercada colhida
é uma cidade
uma rapariga

Casas de ocultar
os homens lá dentro
mulheres que se mostram
envoltas no vento

Vejam meus senhores
é uma cidade
com seus monumentos
histórias de braçado

Histórias de braçado
que ensinam na escola
um castelo um rei
mais uma glória
vejam meus senhores
é uma cidade
com suas crianças
homens sem idade

Lá em baixo o Tejo
que é nome do rio
a lamber as armas
com suas colunas

Com seus prédios velhos
um rio lá em baixo
a lamber as pedras
as pernas-guindastes

De onde o seus bateis
partiam diurnos
vejam meus senhores
é uma cidade
de mãos empurradas
no fundo sem idade
com suas crianças
homens dos olhos

De bruços o céu
com seus girassóis
Lisboa é cidade
com heróis de luto

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Reponho uma poesia do poemário Amanhecer obscuro:


Ao amanhecer, o mar

Torrencial mar, esse, o Atlântico.
Está perdida essa tua rosa-dos-ventos
como gaivota adormecida na
espuma líquida da tua geografia.
O teu mais célebre náufrago,
esse do Restelo, o Velho,
voga como peixe triste
entre lânguidos corpos de sereias.
Já não tens navegadores
de olhar perdido no horizonte
que te procurem o Oriente e o Poente,
nem largam ténues barcas
para indagarem do Sul, a rosa
quente e promissora que ocultas,
Existes só e inexpugnável
roçando acidental praia
com a tua brilhante espuma
refulgindo de branco
no obscuro amanhecer
com que te cercam.

António Eduardo Lico
Uma poesia de Al-Mutamid:

Eclipse

ela levantou-se e ocultou
o brilho solar dos olhos meus.

assim fique oculta da má-sorte!
ela sabe que é uma lua.

e que melhor para ocultar o sol
senão a face da própria lua?

(Tradução de Adalberto Alves)


Para quem quiser ver alguns dados biográficos de Al-Mutamid, use este link:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Al-Mu'tamid

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Reponho uma poesia do poemário Amanhecer obscuro:


Rimbaud e Baudelaire eram franceses...

Rimbaud e Baudelaire eram franceses,
poetas franceses, concluo.
Não estudo Lógica, mas deveria fazê-lo.
se o fizesse, saberia, ver para além
do que se pode ver numa manhã obscura,
saberia até da estética usada
pelos poetas franceses. Sem dúvida,
saberia muito de estética, e das estéticas.
Saberia que Baudelaire não foi poeta maldito;
todos os poetas são benditos.

António Eduardo Lico
Uma poesia de Natércia Freire:

Poema de um homem qualquer
                               
 «0 espaço de infinito que medeia
  Entre o homem e a ideia,
  Entre o homem e o acto,
  Entre o homem e o sonho»
  (in Liberta em Pedra)


E assim tenho passado. Apenas entre.
Desconhecido o tempo que é de morte
E o Mistério que fui Eu no seu ventre.

Entre o Dia dos outros e o meu Dia
Se levanta a agonia
E canta como um galo, ainda Noite,
Anunciador do Mal. Vidente e estridente.

De mim, o sonho ausente.
Dos outros, o clarim que me asfixia.

Mas é na terra de outro Continente
Que o aviso dispara a linha fria.

E a minha Pátria vem, impaciente,
Mascarada de Grécias, de distâncias
Remotas como Vénus. Renuncia
Ao Presente. O Presente se adia. . .

E sempre fica entre.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013


Reponho uma poesia do poemário Amanhecer obscuro:


Era tudo metafísica

Era tudo metafísica. Diziam.
Diziam que Hölderlin era vagamente louco,
e esqueciam que eram loucamente vagos.
Era tudo metafísica. Diziam.
Diziam, vê lá tu, que nem ligavas à metafísica,
diziam, caro Goethe, que não entendiam
o teu atrevimento; sim, o teu atrevimento
de fazeres uma teoria em que gentilmente
rebatias e negavas Newton; bem sei, Newton era inglês
e nem percebia nada de metafísica, embora
fizesse por aparentar ser um verdadeiro conhecedor.
Ficavam, e ainda ficam, zangados com a tua Erotica Romana
e esse teu secreto jeito de Mefistófeles.
Tu dizias que não eras Mefistófeles, mas
ensinavas assim: tudo o que existe merece desaparecer.
Era o teu jeito íntimo de seres o que dizias não ser.
Era tudo metafísica. Diziam.
Chamavas-te Vladimir, Vladimir Maiakowski
diziam que eras gentil, terno e frágil.
Eras gentil, terno e frágil e forte.
Eles não queriam que fosses forte.
Uma mulher bonita, de odor suave
tornou-te frágil e resolveste partir.
Nem te despediste, de súbito deixaram de te ver.
Era tudo metafísica. Diziam.
Era mais conveniente atribuir a tua partida
a um homem vagamente chamado Estaline.
Era bem melhor assim: mais um morto
na contabilidade de Estaline. Ainda que vagamente.
Olha, meu caro Maiakowski, se calhar
ainda estão a pensar que devem atribuir a Estaline
a extinção dos dinossáurios.
E vão dizer: que crueldade! Estaline
nem quis saber que eram répteis
e animais de sangue frio.
Talvez até queiram acusá-lo da queda do Império.
É isso, Estaline estabeleceu-se nas fronteiras do Império,
estão enganados, não era Átila, o Huno, nem Alarico,
O Visigodo, e todos os outros Godos:era ele,
vagamente chamado Estaline,
era ele que acossava as doces Vestais.
Vão também dizer que não sabia de Babilónia
isso, não sabia de Babilónia a grande prostituta.
Era tudo metafísica. Diziam.
Era afinal um ignorante. Quem não sabia
De Babilónia, a grande prostituta?
Agora nas portas de Ur há um homem
pendurado pelo pescoço. Sim, nas portas de Ur.
Indica que Babilónia era a grande prostituta
Já não tem jardins suspensos, tem um homem,
tem homens suspensos pelo pescoço nas portas de Ur.
Era tudo metafísica. Diziam.
E sabes, um banqueiro, disfarçado de académico.
Um homem, um homem de nome Montefiore.
Não, não é florentino, nem sequer siciliano.
É inglês, vulgarmente inglês, vulgarmente
banqueiro disfarçado de académico.
Escreveu um livro sobre ti, quando eras homem crescido;
depois escreveu um livro sobre ti, quando jovem..
Isso é mau presságio, sabias? Negro augúrio, eu digo!
Não demora, ele vai dizer, esse homem de nome Montefiore,
que é banqueiro disfarçado de académico,
que nunca estiveste em Ítaca, nunca estiveste
a bordo do Argos; nunca foste Argonauta!
Vai dizer que não sabias que Pitágoras
foi educado no Egipto, e depois enviado
para a Grécia. Na Grécia ele abria templos
e colocava na entrada: Quem não é geómetra, Não entre!
Ele, esse homem de nome Montefiore
que é banqueiro disfarçado de académico
vai dizer que tu não sabias que Pitágoras
sabia fazer a quadratura do círculo.
Não, eu não estou a dizer que ele afirma
que não conheces o teorema! Não me entendas mal!
Vão dizer que assim não vale, assim não conta.
vão dizer que eras inoxidável.
Sabes? Muitos poetas gostam de usar a palavra
óxido nas suas poesias; dizem que assim
podem pertencer a não sei que escola, ou movimento.
Era tudo metafísica. Diziam.
Lembrei-me agora de ti. Sabes, Mao Tse Tung?
Agora escondes-te, ou escondem-te
sob uma espécie de acordo ortográfico,
assim um acordo ortográfico interno, só com validade na China.
Agora os chineses são exportadores e exportaram um nome: Mao Zedong
Era tudo metafísica. Diziam.
Já não sabiam que mais crimes e mortes te atribuir.
Então disseram que gostavas de te rodear de mulheres jovens.
Disseram que tinhas mulheres demais.
Sabes, ainda te vão acusar do rapto das Sabinas.
És outro candidato a responsável pela queda do Império,
talvez te convertam no candidato ideal
para explicarem a queda do Império do Oriente.
Foste tu que chamaste os turcos, meu velho?
Vão dizer que num delírio de crueldade
chamaste vários turcos: os Seldjúcidas
que prepararam o terreno, e depois os Otomanos.
Era tudo metafísica. Diziam.
Matisse e Picasso estavam em Paris.
Havia muita gente que estava em New York.
em Chicago, em Los Angeles: eram americanos.
Havia um americano, dizem-me que era escritor:
O nome: Dwight Macdonald. Escrevia, por consequência,
Pois dizem-me que era escritor. Escrevia que a bomba atómica
era natural; era uma consequência natural, uma banalidade
do estilo de vida americano, como os automóveis, ou a fast food.
Depois havia também um outro americano,
Este chamava-se Jackson Pollock, dizem-me que era pintor.
assumi que sendo pintor, pintava., pois é isso que fazem os pintores.
Era tudo metafísica. Diziam.
Diziam que esse Pollock iniciou uma revolução na pintura:
Era cheia de automatismos, melhor era baseada em processos
automáticos, era arte moderna, aquilo é que era arte moderna.
Diziam que era expressionismo abstracto; eram alguns, esses
expressionistas, esses abstractos, tinham que ser alguns;
se fossem nenhuns, parecia mal; o que diriam as pessoas?
Eram Pollock, Motherwell, De Kooning, Hofmann, Kline, havia outros.
A América estava cheia de expressionistas, e de abstractos,
que não eram expressionistas, nem eram abstractos.
Eram pagos pelos guerreiros da Guerra Fria, dava-lhes
(t)alento o dinheiro sujo e secreto para conter
o grave perigo vermelho que ameaçava a Velha Europa.
Jacques Duclos um dia transportava pombas no seu automóvel.
Era um dia em que um general americano chegava a Paris.
Não, esse general americano não era expressionista,
nem sequer abstracto, não gostava de pombas, era isso!
Prenderam Duclos, ignora-se se prenderam as pombas.
Pablo Picasso, tu não sabias, mas o Departamento de Estado
Até fez um informe secreto sobre ti: eras vermelho.
Tinhas as huertas de Valência na alma e a claridade
do sol valenciano no pincel, e pintavas, e pintavas.
E seguias rojo como era o Poente nas bandas de Valência
e denunciavas, com luz e sombra, na tua pintura,
a matança na Coreia, esse quadro expressionsita
e abstracto pintado pelos american boys nas
longínquas paisagens de arroz do Extremo Oriente.
Era tudo metafísica. Diziam.
Tu e Matisse estavam em França, em Paris
eles eram expressionistas e abstractos
vinham do outro lado do Atlântico,
vinham das Montanhas Rochosas e dos Apalaches,
vinham travestidos de abstracção,
Edgar Hoover tinha travestido toda a América
e ditava a última moda em lingerie.
Eram meros instrumentos de propaganda,
alguns deles bem medíocres, agora génios promovidos.
Hoje, resta apenas a cinza do mercado da arte
e a luz e as sombras que traçaste na tela
Era tudo metafísica. Diziam.
Pusemos Torquemada como bispo de Roma
tantos bispos italianos e por último um polaco – era demais!
Era tudo metafísica. Diziam.
Valia mais Torquemada, um espanhol que é alemão.
Os espanhóis sempre tiveram uma política alemã
dizem muitos manuais de História.
É sempre melhor ter Torquemada em Roma
que ter uma sucursal em Avignon
com um francês que só gosta de Camembert
e pensa que o Champagne é néctar dos deuses.
Era tudo metafísica. Diziam.
Não quero que me acusem de ser metafísico,
calo-me com Torquemada.
Era tudo metafísica. Diziam.
Torquemada nunca foi a Granada
nem conhece o Cante Jondo.
Federico, a quem chamavam Garcia Lorca
foi a Granada sem ir a Granada.
E Granada chora a ausência daquele
que nunca foi a Granada.
Era tudo metafísica. Diziam.
Granada llora y su cante
pinta de rojo las naranjas
La guitarra, como luna,
testigo que los gitanos
velan tu morada
en las puertas de Granada.
Era tudo metafísica. Diziam.
Nem eu vou falar de petróleo,
ainda vão dizer que sou bolchevista
e que não gosto das sete irmãs,
talvez seja um conspiracy theorist
ou um desses metafísicos
que nem sequer é afrancesado
e hesita se tem que classificar Baudelaire,
modernista, antes dos modernos,
simbolista sem simbólica, ou apenas um poeta.
Era tudo metafísica. Diziam.

António Eduardo Lico