terça-feira, 31 de julho de 2012

Do poemário Este rio que corre sem águas uma reposição:


Este rio que corre sem águas

 Zeus era lúcido?
Ninguém acredita,
senão não seria uma divindade.
Quem, a não ser um louco
pode assumir a divindade?
Eu não a assumiria;
humildemente aceito
ter demasiada lucidez
e acreditar que os rios correm sem águas,
como o Caos corre sem matéria,
basta-lhe a Noite para correr
até que Céu e Terra se encontrem.


António Eduardo Lico
Natália Correia é a poetisa de hoje.
Nascida em 1923 em S. Miguel, Açores e falecida em 1993 em Lisboa.
A obra de Natália Correi estende-se da poesia ao romance, ensaio, teatro e com incursões na edição.
Fica esta poesia:



Queixa das almas jovens censuradas

Dão-nos um lírio e um canivete
e uma alma para ir à escola
mais um letreiro que promete
raízes, hastes e corola

Dão-nos um mapa imaginário
que tem a forma de uma cidade
mais um relógio e um calendário
onde não vem a nossa idade

Dão-nos a honra de manequim
para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos um prémio de ser assim
sem pecado e sem inocência

Dão-nos um barco e um chapéu
para tirarmos o retrato
Dão-nos bilhetes para o céu
levado à cena num teatro

Penteiam-nos os crâneos ermos
com as cabeleiras das avós
para jamais nos parecermos
connosco quando estamos sós

Dão-nos um bolo que é a história
da nossa historia sem enredo
e não nos soa na memória
outra palavra que o medo

Temos fantasmas tão educados
que adormecemos no seu ombro
somos vazios despovoados
de personagens de assombro

Dão-nos a capa do evangelho
e um pacote de tabaco
dão-nos um pente e um espelho
pra pentearmos um macaco

Dão-nos um cravo preso à cabeça
e uma cabeça presa à cintura
para que o corpo não pareça
a forma da alma que o procura

Dão-nos um esquife feito de ferro
com embutidos de diamante
para organizar já o enterro
do nosso corpo mais adiante

Dão-nos um nome e um jornal
um avião e um violino
mas não nos dão o animal
que espeta os cornos no destino

Dão-nos marujos de papelão
com carimbo no passaporte
por isso a nossa dimensão
não é a vida, nem é a morte

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Uma reposição de Sombras luminosas:


Deusa esquecida

 De tão última que eras
nem chegaste a ser criada
e no entanto nasciam-te peixes dos pés
quando deixavas os rios.
E eras deusa porque não foste criada
e eras deusa porque te nasciam peixes dos pés.


António Eduardo Lico
O poeta de hoje é Vitorino Nemésio.
Nascido em 1901nos Açores e falecido em 1978 em Lisboa, Vitorino Nemésio foi poeta, ficcionista e professor na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Fica este poema:

Correspondência ao Mar

Quando penso no mar
A linha do horizonte é um fio de asas
E o corpo das águas é luar;

De puro esforço, as velas são memória
E o porto e as casas
Uma ruga de areia transitória.

Sinto a terra na força dos meus pulsos:
O mais mar, que o remo indica,
E o bombeado do céu cheio de astros avulsos.

Eu, ali, uma coisa imaginada
Que o eterno pica,
Vou na onda, de tempo carregada,

E desenrolo:
Sou movimento e terra delineada,
Impulso e sal de polo a polo.

Quando penso no mar, o mar regressa
A certa forma que só teve em mim -
Que onde ele acaba, o coração começa.

Começa pelo aro das estrelas
A compasso retido em mente pura
E avivado nos vidros das janelas.

Começa pelo peito das baías
Ao rosar-se e crescer na madrugada
Que lhe passa ao de leve as orlas frias.

E, de assim começar, é abstracto e imenso:
Frio como a evidência ponderada,
Quente como uma lágrima num lenço.

Coração começado pelos peixes,
É o golfo de todo o esquecimento
Na mínima lembrança que me deixas,

E a Rosa dos Ventos baralhada:
Meu coração , lágrima inchada,
Mais de metade pensamento.

domingo, 29 de julho de 2012

Uma reposição mais de Amanhecer obscuro:


Geografias
                       
Escrevi uns versos em que falava
de oceanos tristes.
Os oceanos não são tristes; nem alegres.
São oceanos quando uns senhores
a que chamam geógrafos
decidem que são oceanos.
E decidem que são apenas oceanos; nem tristes, nem alegres.
Se eu escrevesse um verso assim:
“Oh taciturno Atlântico Oceano”.
Teria por certo exegetas, que iriam falar
de uma certa tendência classicista
nos meus versos; talvez até digam que eu estudei Latim...
Teria legiões de geógrafos a reclamarem
em cenáculos nacionais, internacionais e transnacionais
que de oceanos só eles podem falar.
Que nunca foi encontrado um oceano taciturno.
Eu não sou contra os geógrafos.
Devia haver muitos geógrafos. Milhões de geógrafos.
Tinham emprego garantido
A ensinar Geografia aos gringos.
O Mar Negro, é Mar Negro;
se fosse taciturno, ou fosse
outra coisa qualquer,
certamente estaria irritado com os geógrafos.
Os Mares também se irritam?
Porque é apenas Mar Negro
E não Oceano Negro?
Só os geógrafos o sabem.
Eu regresso à Água.


António Eduardo Lico
O poeta de hoje é Rumi.
Rumi nasceu em 1207 numa localidade sita no actual território do feganistão e então parte da Pérsia e faleceu em Konya, Turquia em 1273.
Poeta e místico sufi, a sua influência é enorme na literatura persa, urdu e turca.
Fica este poema:



Tu e eu

Feliz o momento em que nos sentarmos no palácio.

Dois corpos, dois sopros, um só espírito: tu e eu.


Com as cores de mil pétalas e os cantos de mil pássaros,

Comporemos, no jardim, o elixir da vida eterna.


Curiosas, descerão do céu as estrelas para ver-nos.

E nós  mostrar-lhe-emos o resplendor da lua cheia.


Tu e eu, nem tu, nem eu, seremos, no êxtase, um somente.

Completo. Contente. Além do alcance da fala ociosa.


Até mesmo os papagaios, sempre alegres,

Invejarão, nessa hora, o nosso riso ruidoso.


O estranho é que tu e eu, unidos aqui neste momento,

Estejamos um no Levante e o outro no Poente.

sábado, 28 de julho de 2012

Uma reposição mais de Amanhecer obscuro:


Secreta dorme no seu casulo...

Secreta, dorme no seu casulo
um sono suspenso, a crisálida.
Se Darwin te visse!
Se um criacionista, ou mesmo dois,
pudessem penetrar o teu sono!
Até um adepto de Lamarck
poderia investigar o teu caso!
Não queria falar em Lamarck...
Já sei que me vão falar em Lysenko.
Trofim Lysenko para ser quase exacto.
Tinha mais um nome, mas não vou usá-lo.
Quero apenas ser quase exacto.
A exactidão aprende-se, não está na genética.
É isso, Lysenko não queria a genética;
e detestou Mendel; Mendel apreciava ervilhas,
era austríaco, e sem o saber originou a genética:
é o que muitos afirmam; Mendel, nunca soube
que tinha fundado alguma coisa.
Os que dizem que fundou alguma coisa,
sem o saberem, ou os que depois
inventaram o termo GENÉTICA,
talvez apenas gostem de ervilhas!
Lysenko...não se sabe o que originou!
Pelo menos não o sabem os que o criticam
e apenas dizem que o malvado Lysenko
não queria a genética.
Lysenko não queria Mendel e não queria
ervilhas, nem flores de ervilhas
Indiferente aos meus versos,
aos que trucidam Lysenko em manuais
que apenas são conhecidos no corredor
do Departamento dos autores,
a crisálida dorme sem saber que dorme;
dorme um sono frio e distante.
Dorme e não sonha, nem sabe
que dorme para acordar para a luz.


António Eduardo Lico

O poeta de hoje é Mário de Sá-Carneiro.
Nasceu em 1890 em Lisboa e suicidou-se em Paris em 1916.
Poeta e ficcionista, Mário de Sá.Carneiro é um dos principais vultos da geração de Orpheu. Ligaram-no grandes laços de amizade a Fernando Pessoa, com quem manteve uma larga troca epistolar.
Fica este poema:

Alcool

Guilhotinas, pelouros e castelos
Resvalam longamente em procissão;
Volteiam-me crepúsculos amarelos,
Mordidos, doentios de roxidão.

Batem asas d'auréola aos meus ouvidos,
Grifam-me sons de côr e de perfumes,
Ferem-me os olhos turbilhões de gumes,
Desce-me a alma, sangram-me os sentidos.

Respiro-me no ar que ao longe vem,
Da luz que me ilumina participo;
Quero reunir-me, e todo me dissipo -
Luto, estrebucho... Em vão! Silvo pra além...

Corro em volta de mim sem me encontrar...
Tudo oscila e se abate como espuma...
Um disco de ouro surge a voltear...
Fecho os meus olhos com pavor da bruma...

Que droga foi a que me inoculei?
Ópio d'inferno em vez de paraíso?...
Que sortilégio a mim próprio lancei?
Como é que em dor genial eu me eterizo?

Nem ópio nem morfina. O que me ardeu,
Foi alcool mais raro e penetrante:
É só de mim que eu ando delirante -
Manhã tão forte que me anoiteceu.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Uma reposição do poemário Amanhecer obscuro:


Cur non mitto meos tibi, Pontiliane, libellos ?
Ne mihi mittas, Pontiliane, tuos.

(Marcial, Epigr., VII, 3)

O binómio de Newton não é belo
é apenas um binómio:

é uma expressão que permite
calcular o desenvolvimento
de (a+b)n, sendo a+b um binómio
e n um número

Se ao menos n não fosse um número...
mas é! Dizem que é até um número natural

Os números podem até ser naturais
e pode ser reclamada a propriedade dos binómios;
continuarão a ser apenas expressões
de algo que não sabemos sequer se sabemos

Alexandre tinha inveja de Aquiles
que foi cantado por Homero.
Não teria inveja daquele binómio, o de Newton;
ao que sabemos, Newton não cantava

E mesmo que cantasse!
Já tinha estragado tudo
fazendo um binómio

Binómios não se fazem;
sabe-se que se podem fazer.
mas não se fazem!

Goethe preferia a injustiça à desordem
Newton preferia os binómios
o que será pior?

O binómio de Newton não é belo;
se não fosse de Newton, nem binómio
seria belo


António Eduardo Lico


O poeta de hoje é Hesíodo.
Hesíodo é juntamente com Homero um dos pilares que sustentam a identidade grega. Viveu cerca de 800 a.C. na Grécia Central. Podemos dizer que de Hesíodo temos algumas certezas e era tão famoso como Homero.
Fica este poema:



História do Céu e de Crono

Quantos da Terra e do Céu nasceram,
filhos os mais temíveis, detestava-os o pai
dês o começo: tão logo cada um deles nascia
a todos ocultava, à luz não os permitindo,
na cova da Terra. Alegrava-se na maligna obra
o Céu. Por dentro gemia a Terra prodigiosa
atulhada, e urdiu dolosa e maligna arte.
Rápida criou o gênero do grisalho aço,
forjou grande podão e indicou aos filhos.
Disse com ousadia, ofendida no coração:
“Filhos meus e do pai estólido, se quiserdes
ter-me fé, puniremos o maligno ultraje de vosso
pai, pois ele tramou antes obras indignas”.
Assim falou e a todos reteve o terror, ninguém
vozeou. Ousado o grande Crono de curvo pensar
devolveu logo as palavras à mãe cuidadosa:
“Mãe, isto eu prometo e cumprirei
a obra, porque nefando não me importa o nosso
pai, pois ele tramou antes obras indignas”.
Assim falou. Exultou nas entranhas Terra prodigiosa,
colocou-o oculto em tocaia, pôs-lhe nas mãos
a foice dentada e inculcou-lhe todo o ardil.
Veio com a noite o grande Céu, ao redor da Terra
desejando amor sobrepairou e estendeu-se
a tudo. Da tocaia o filho alcançou com a mão
esquerda, com a destra pegou a prodigiosa foice
longa e dentada. E do pai o pênis
ceifou com ímpeto e lançou-o a esmo
para trás. Mas nada inerte escapou da mão:
quantos salpicos respingaram sanguíneos
a todos recebeu-os a Terra; com o girar do ano
gerou as Erínias duras, os grandes Gigantes
rútilos nas armas, com longas lanças nas mãos,
e Ninfas chamadas Freixos sobre a terra infinita.
O pênis, tão logo cortando-o com o aço
atirou do continente no undoso mar,
aí muito boiou na planície, ao redor branca
espuma da imortal carne ejaculava-se, dela
uma virgem criou-se. Primeiro Citera divina
atingiu, depois foi à circunfluída Chipre
e saiu veneranda bela Deusa, ao redor relva
crescia sob esbeltos pés. A ela. Afrodite
Deusa nascida de espuma e bem-coroada Citeréia
apelidam homens e Deuses, porque da espuma
criou-se e Citeréia porque tocou Citera,
Cípria porque nasceu na undosa Chipre,
e Amor-do-pênis porque saiu do pênis à luz.
Eros acompanhou-a, Desejo seguiu-a belo,
tão logo nasceu e foi para a grei dos Deuses.
Esta honra tem dês o começo e na partilha
coube-lhe entre homens e Deuses imortais
as conversas de moças, os sorrisos, os enganos,
o doce gozo, o amor e a meiguice.

O pai com o apelido de Titãs apelidou-os:
o grande Céu vituperando filhos que gerou
dizia terem feito, na altiva estultícia,
grã obra de que castigo teriam no porvir.



quinta-feira, 26 de julho de 2012

Reposição de uma poesia do poemário Que de dentro não se vê:


Mote para uma folha que caiu, amarela, de uma árvore

Porque era Outono, quiseste abandonar,
colorindo de amarelo o espaço por onde voavas,
o espaço verde e quente, onde a seiva te habitou.

Porque era Outono, e quiseste voar
como se fora Primavera, como se fosses brincar
com a tua primaveril cor, beijando o chão

Porque era Outono, voavas ao vento
que te levava para longe e te enganava
com seu manso murmúrio

Porque era Outono, apenas Outono
e eras apenas uma folha amarela
mansamente caíste no chão

António Eduardo Lico
O poeta de hoje é Iqbal.
Nascido em 1877, na então Índia britânica, numa família muçulmana, estudou primeiro sob a orientação de tutores e mais tarde em escolas oficiais. Mais tarde estudou e formou-se na Universidade de Cambridge.
Poeta, filósofo, político, Iqbal escreveu garnde parte ta sua poesia em persa, embora tenha também utilizado o urdu.
Fica este poema na tradução de Altaf Hussain para a Editora Assírio & Alvim:


T. disse: os Muçulmanos desistiram deste mundo,
Os seus dias estão no fim,
Os muçulmanos já morreram há muito tempo;
Tal lamento é em vão.

Sois conhecidos por Syed e Mughal,
Chamais a vós próprios Pathan
Mas podereis vós também clamar
O nome de Muçulmanos?

Quando os filhos não são merecedores da estima dos pais,
Nem habilidosos ou sagazes,
Assim sendo, poderão eles exigir
As heranças de seus pais?

Os honrados doutro tempo viveram
Porque deles era a verdadeira Fé
E vós viveis em desgraça, como se tivésseis abandonado
Os caminhos do Alcorão.

Eles reinaram sobre o trono chinês,
Detiveram a coroa persa;
Onde está essa honra que conheceram?
As palavras são tudo o que resta.

Não vos queixeis de falta de coração!
Nem faleis de tirania!
quando o amor não conhece amarras, então porque
Não deveria ser também livre a beleza?

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Uma reposição, hoje do poemário Amanhecer obscuro:


De noite os gatos...

De noite os gatos, sim os gatos,
não lêem autores franceses
nem uivam para a lua.
Se o fizessem, eram literatos
e haveria sempre alguém
disposto a dizer que eram lobos,
por certo esquecendo
que os lobos não lêem autores franceses.
Dou por certo que um fleumático politólogo,
disfarçado de crítico literário
vai afirmar, e demonstrar (e depois ficar famoso)
que gatos e lobos não são afrancesados,
nem escrevem ensaios inquietos
acerca do gaullisme de Malraux
e da sua entrada tardia na Resistence.
ah, o crítico, ah o crítico literário,
heterónimo mundano dos politólogos,
não vai compreender porque Malraux entrou cedo
na Guerra Civil de Espanha,
e nem sequer vai dar um sentido estético
às fotos de Malraux de cigarro na boca.
Por certo vai fingir que não sabe que Malraux
gostava de bavarder sobre erotismo.
Vai ficar intimidado e com vergonha,
pois não pode citar Braudillard, e outros,
para explicar porque, para alguns Malraux era trotskista
e para Natalie Trotski era stalinista.
Como vais explicar que alguém como Malraux,
tão elegante e cosmopolita, e que viajou ao Oriente
não fosse um ícone de 68?
Voyons e a Condição Humana?
Vais também dizer que é uma Fleur du Mal?
Que era política disfarçada de literatura?
Ou talvez queiras demonstrar, bem à francesa
que ele era um nihlista; sim, assim ficas descansado!
Eram filosofias! Nada mais que filosofias.
E nem sequer vais dizer como eu: niilista;
vais dizer nihilista, era o que Malraux era,
os politólogos sabem latim, e já leram
Marco Aurélio, e Cícero; alguns sabem,
Oh volúpia de sabedoria, o genitivo de Cícero,
e naturalmente escrevem: Cicero.
Até sabem que Séneca foi estóico,
E esquecem-se de dizer, por conveniência, é certo,
que Malraux não foi estóico, e poucas coisas
fez por conveniência., a não ser que,
fingia que fazia uma filosofia
entre uma fatia de camembert, e uma taça de champanhe,
para não ser tomado como um autor profundo.
Sabes, um austríaco, depois deixou de ser austríaco,
promoveu-se a filósofo, sim, falo de Popper.
E dizem-me ser um autor profundo.
Um dia foi a uma manifestação, ele era comunista;
a polícia carregou e assassinou manifestantes.
E esse austríaco, Popper, Karl Popper
decidiu que já não era comunista.
Vendo a polícia a matar comunistas
decidiu que não era comunista;
depois fizeram dele famoso, até filósofo.
Disseram até que derreteu Gnoseologias!
Mesmo um poeta distraído, ou um europeísta convicto (e pago)
sabe fazer o diagnóstico certo: cortou-se, borrou-se de medo;
e voltou-se para a filosofia.
Errada vocação a desse austríaco,
deveria ir para polícia, assim podia matar comunistas,
ele próprio, já que ele tinha decidido que o não era;
e escusava de ter entrado na galeria dos intelectuais
muito considerados, mas vendidos.
O que tu não dirias dele, André!
Acabaste como ministro de De Gaulle,
muitos, sobretudo de entre os politólogos
devem achar que tu gostavas do inestético
nariz de De Gaulle, e da forma
como ele dizia . Vive la Frrrrrance.
muita gente te insultou, e disse mal de ti.
Acredito, que intimamente devias sorrir, divertido;
ainda hoje os politólogos não sabem, no seu saber definitivo,
que só querias mostrar como se devia ser bom comunista.


António Eduardo Lico

O poeta de hoje é François Villon.
Nascido em 1431, ou 32 em Paris e desaparecido em 1463, digo desparecido, visto a partir da data de 1463 não existirem dados acerca da sua vida.
Villon é tido como o precursor dos poetas malditos, e é seguramente um dos maiores poetas da Alta Idade Média francesa. Padre, ladrão, boémio, amante do vinho e das mulheres, Villon tinha tudo para entrar na lenda. Preso inúmeras vezes, outras tantas liberto, condenado á morte, pelo menos uma vez, da qual escapa por redução da sentença em 1463. É a partir da sua libertação em 1463 que se lhe perde o resto. O resto ficou para a lenda.
Fica este poema:


Ballade des femmes de Paris

Quoiqu'on tient belles langagères
Florentines, Vénitiennes,
Assez pour être messagères,
Et mêmement les anciennes,
Mais soient Lombardes, Romaines.
Genevoises, à mes périls,
Pimontoises, savoisiennes,
Il n'est bon bec que de Paris.

De beau parler tiennent chaïères,
Ce dit-on, les Napolitaines,
Et sont très bonnes caquetières
Allemandes et Prussiennes ;
Soient Grecques, Egyptiennes,
De Hongrie ou d'autres pays,
Espagnoles ou Catelennes,
Il n'est bon bec que de Paris.

Brettes, Suisses n'y savent guères,
Gasconnes, n'aussi Toulousaines :
De Petit Pont deux harengères
Les concluront, et les Lorraines,
Angloises et Calaisiennes,
(Ai-je beaucoup de lieux compris ?)
Picardes de Valenciennes ;
Il n'est bon bec que de Paris.

Prince, aux dames parisiennes
De bien parler donnez le prix ;
Quoi que l'on die d'Italiennes,
Il n'est bon bec que de Paris.


terça-feira, 24 de julho de 2012

Hoje uma reposição do poemário O canto em mim:


Baladilla de la fuente fria que perdió la agua

En la fuente fria
me lavo las penas
y el bien que yo queria
me decia cosas buenas

fuente fria del camiñero
donde está tu agua?
Fuente clara del ayer
dáme un clavel
para prender en mi boca

Tu agua, liquido corcel
galopando con palomas
que ya no la pueden beber

Fuente fria del camiñero
donde está tu agua?
Que me arde una flor
en mi boca

En la fuente fria
me lavo las penas
y el bien que yo queria
me decia cosas buenas


António Eduardo Lico
O poeta de hoje é António Jacinto.
Nascido em Luanda em 1924 e falecido em 1991, António Jacinto foi poeta e contista. Como cintista usava o nome literário Orlando Távora.
Esteve preso no Tarrafal, foi militante do MPLA, co-fundador da União de Escritores Angolanas e ocupou cargos políticos na Angola independente, tendo sido ministro da Educação, entre outros cargos.
Fica este poema:

CARTA DE UM CONTRATADO

Eu queria escrever-te uma carta
amor,
uma carta que dissesse
deste anseio
de te ver
deste receio
de te perder
deste mais bem querer que sinto
deste mal indefinido que me persegue
desta saudade a que vivo todo entregue...

Eu queria escrever-te uma carta
amor,
uma carta de confidências íntimas,
uma carta de lembranças de ti,
de ti
dos teus lábios vermelhos como tacula
dos teus cabelos negros como dilôa
dos teus olhos doces como maboque
do teu andar de onça
e dos teus carinhos
que maiores não encontrei por aí...

Eu queria escrever-te uma carta
amor,
que recordasse nossos tempos a capopa
nossas noites perdidas no capim
que recordasse a sombra que nos caía dos jambos
o luar que se coava das palmeiras sem fim
que recordasse a loucura
da nossa paixão
e a amargura da nossa separação...

Eu queria escrever-te uma carta
amor,
que a não lesses sem suspirar
que a escondesses de papai Bombo
que a sonegasses a mamãe Kieza
que a relesses sem a frieza
do esquecimento
uma carta que em todo o Kilombo
outra a ela não tivesse merecimento...

Eu queria escrever-te uma carta
amor,
uma carta que ta levasse o vento que passa
uma carta que os cajús e cafeeiros
que as hienas e palancas
que os jacarés e bagres
pudessem entender
para que o vento a perdesse no caminho
os bichos e plantas
compadecidos de nosso pungente sofrer
de canto em canto
de lamento em lamento
de farfalhar em farfalhar
te levassem puras e quentes
as palavras ardentes
as palavras magoadas da minha carta
que eu queria escrever-te amor....

Eu queria escrever-te uma carta...

Mas ah meu amor, eu não sei compreender
por que é, por que é, por que é, meu bem
que tu não sabes ler
e eu - Oh! Desespero! - não sei escrever também

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Um vídeo histórico. isto é Angola, é África. O conjunto N'gola Ritmos, amputado de alguns dos seus membros fundadores, sendo o principal, Liceu Vieira Dias, na Televisão portuguesa em 1964. canta Lurdes Van Dunen.


A poesia...ou a música...ou ambas de José Afonso:


Mais uma reposição do poemário Que de dentro não se vê:


Rosa Vermelha
(Homenagem a Rosa Luxemburgo, assassinada pelos social-democratas alemães)

Vermelha é a Rosa
e agora está ela
de vermelho tingida.
Não te queriam vermelha
nem te queriam Rosa
e te quiseram sem perfume.
De Eros recebeste o silêncio
que a rosa esconde.
Emergiste na espuma das águas,
as pétalas numa concha
e eras vermelha, como uma Rosa.


António Eduardo Lico
O poeta de hoje é Alfred de Musset.
Nascido em Paris em 1810 e falecido em 1857. Musset foi poeta, romancista e dramaturgo e sem dúvida um dos expoentes do Romantismo francês.
Fica este poema:

Tristesse


J’ai perdu ma force et ma vie

Et mes amis et ma gaieté;

J’ai perdu jusqu’à la fierté

Qui fasait croire à mon génie.


Quand j’ai connu la Verité,

J’ai cru que c’´était une amie;

Quand je l’ai comprise et sentie,

J’en était déjà dégoûté.


Et pourtant elle est éternelle,

Et ceux qui se sont passés d’elle

Ici-bas ont tout ignoré.


Dieu parle, il faut qu’on lui reponde.

- Le seul bien qui me reste au monde

Est d’avoir quelquefois pleuré.

domingo, 22 de julho de 2012

Uma reposição mais. Hoje do meu 1º poemário, Que de dentro não se vê, uma poesia escrita em inglês:



As...

As if inside your desire
all the rivers should dry.

Your rose needs the rain
from all the waters.

Your desire is the harbour
in the secret middle, drawn
on the gilded dunes of your body.

And the river, impetuous
run your winding curves
as if inside your desire
all the rivers should dry.


António Eduardo Lico
O poeta de hoje é Sunthorn Phu.
Nascido em 1786 e falecido em 1855, Phu é o mais conhecido e aclamado poeta tailandês.
De vida aventurosa, como tantos outros poetas, Phu deixou uma obra vasta e de grande mérito poético.
Fica uma parte de um seu poema:

Podemos estar bêbados
mas também estamos embriagados pelo amor,
eu náo posso resistir a meu coração
e apesar de estarmos bêbados,
amanhã o sol vai brilhar
e que a embriaguez terá passado
mas quando a noite cai, a embriaguez do amor voltará

sábado, 21 de julho de 2012

Prosseguindo com as reposições, e do poemário A rosa é a via:



La dulce lágrima y la rosa

Dulce cae la lágrima dolorida
Amarga y tan llena de perfumes
Como si de los ojos te esfumes
Como se fueras rosa colorida

Como se fueras la agua florida
Que pura en los huertos te consumes
Y siempre corriendo nunca te sumes
Clara y breve y tan indefinida

Ay lágrima dolorida y breve
Vuelas por los aires oh flor hermosa
En tu loco sueño de aguanieve

El ruiseñor te canta dolorosa
En la noche, blanca, honda y leve
Y tu fugaz silueta de diosa


António Eduardo Lico
Friedrich Schiller é o poeta de hoje.
Nascido em 1759 e falecido em 1805 foi poeta, dramaturgo, filósofo, historiador e foi um dos principais expoentes do Romantismo alemão, a par do seu amigo Goethe, Herder, Wieland e outros.
Fica este poema:

À NOITE

Faz baixar, radiante deus – há campos sedentos
Do frescor do orvalho, homens tombam combalidos,
lassos  deslocam-se os corcéis –
Vem, faz baixar à terra o teu carro.

Vê quem, das ondas cristalinas do mar,
Meiga, a sorrir te acena! O imo te diz quem é?
Mais céleres voam os corcéis,
Vê, Tétis, a divina, acena-te.

Rápido, o condutor logo do carro desce,
nos braços dela cai, Cupido assume a rédea,
Inertes mantêm-se os corcéis,
embebem-se da torrente a frescura

Pelos céus a alçar-se, no seu silencioso passo,
Baixa, olorosa, a noite; a ela se segue o lasso
Amor, Ah, sim, repousai e amai!
Febo, o amante, a repousar está.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Mais uma reposição do poemário A rosa é a via:


Sete pétalas de rosa de Baco a Dionísio

De Baco a rosa jorra como vinho;
é de mosto esta rosa, ou esta máscara
que te revela: um dia Dionísio,
no outro Baco curado por Cibele.
Foste o único filho de uma mortal
nascido com destino de ser deus.
Quando eras Dionísio, Ninfas e Horas
cuidaram-te a tua divindade.
Baco, ou Dionísio, que importa?
São sete pétalas escondidas
que velam o teu nome.


António Eduardo Lico
O poeta de hoje é Heine, muitas vezes designado como o último dos românticos.
Heinrich Heine, nascido em 1797 em Dusseldorf e falecido em Paris em 1856, Heine foi um dos mais importantes poetas românticos alemães. A sua poesia é politicamente engajada e frequentemente denuncia as injustiças da sua época. Conhece e faz amizade com Karl Marx e Friedrich Engels.
Fica este poema:

SIE SASSEN

Tomando chá, sentadíssimos,
Conversam muito de amor.
Os homens delicadíssimos,
As damas só temo ardor.

Cumpre que seja platônico,
Um Conselheiro declara.
Da esposa o sorriso irónico
É como um ai que soltara.

O Cónego fala rude:
E que a excessos não se dê
Pra não estragar a saúde.
Murmura a virgem: - Porquê?

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Uma reposição mais, desta vez do poemário A rosa é a via:


As rosas são breves


É breve a rosa,
todas as rosas são breves;
quatro letras de perfumes
que te consomem e sagram.
Apenas tenho rosa, esta palavra,
para cantar a tua brevidade


António Eduardo Lico
Alda Lara é a poetisa de hoje.
Nascida em 1930 em Benguela, Angola veio para Portugal muito nova e onde estudou e acabou o curso de Medicina em Coimbra.
A poesia de Alda Lara está conformada pelo Modernismo e pelo Neorrealismo. Alda Lara faleceu em 1962.
Fica esta poesia:



PRELÚDIO


Pela estrada desce a noite

Mãe-Negra, desce com ela...



Nem buganvílias vermelhas,

nem vestidinhos de folhos,

nem brincadeiras de guisos,

nas suas mãos apertadas.

Só duas lágrimas grossas,

em duas faces cansadas.



Mãe-Negra tem voz de vento,

voz de silêncio batendo

nas folhas do cajueiro...



Tem voz de noite, descendo,

de mansinho, pela estrada...



Que é feito desses meninos

que gostava de embalar?...



Que é feito desses meninos

que ela ajudou a criar?...

Quem ouve agora as histórias

que costumava contar?...



Mãe-Negra não sabe nada...



Mas ai de quem sabe tudo,

como eu sei tudo

Mãe-Negra!...



Os teus meninos cresceram,

e esqueceram as histórias

que costumavas contar...



Muitos partiram p'ra longe,

quem sabe se hão-de voltar!...



Só tu ficaste esperando,

mãos cruzadas no regaço,

bem quieta bem calada.



É a tua a voz deste vento,

desta saudade descendo,

de mansinho pela estrada..

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Uma reposição mais, do poemário Sombras luminosas:


Esfinge

Esfinge que dormes na areia,
és nua na pedra em que estás prisioneira.
Esfinge que fitas para dentro de ti,
que palavras não dizes?
Que silêncio pinta os teus lábios
de deusa de pedra?
Que todos procuram
as palavras que não dizes.

António Eduardo Lico
O poeta de hoje é George Gordon Byron, mais conhecido por Lord Byron.
Nascido em 1788 e falecido em 1824, Lord Byron é uma das mais destacadas figuras da poesia britânica e um dos expoentes do Romantismo britânico.
Viveu vida agitada e controversa e exerceu enorme influência na sua época.
Fica este poema, com tradução de Castro Alves:

Uma taça feita de um crânio humano

Não recues! De mim não foi-se o espírito...
Em mim verás - pobre caveira fria -
Único crânio que, ao invés dos vivos,
Só derrama alegria.


Vivi! amei! bebi qual tu: Na morte
Arrancaram da terra os ossos meus.
Não me insultes! empina-me!... que a larva
Tem beijos mais sombrios do que os teus.


Mais vale guardar o sumo da parreira
Do que ao verme do chão ser pasto vil;
- Taça - levar dos Deuses a bebida,
Que o pasto do réptil.


Que este vaso, onde o espírito brilhava,
Vá nos outros o espírito acender.
Ai! Quando um crânio já não tem mais cérebro
...Podeis de vinho o encher!


Bebe, enquanto inda é tempo! Uma outra raça,
Quando tu e os teus fordes nos fossos,
Pode do abraço te livrar da terra,
E ébria folgando profanar teus ossos.


E por que não? Se no correr da vida
Tanto mal, tanta dor ai repousa?
É bom fugindo à podridão do lado
Servir na morte enfim p'ra alguma coisa!...

terça-feira, 17 de julho de 2012

Uma reposição mais do poemário Amanhecer obscuro:


Tuve amor y tengo honor.
Esto es cuanto sé de mi.

(Calderón De La Barca)


Um poema stalinista

Velhos (e novos) trotskistas
gritam com vozes aflautadas
que os stalinistas são muito maus.
Jovens intelectuais trotskistas
sonham, em segredo ser possuídas
por velhos e empedernidos stalinistas.
Os velhos (e novos) trotskistas
gritam sempre com vozes aflautadas,
e gostam de fingir que sabem tudo.
Até fingem que sabem geografia!
Um velho trotskista, Wolfowitz,
(não faltará quem diga que é novo)
mais polaco que americano, contudo americano,
(os polacos gostam de ser americanos),
Que o diga Brzezinski!
Dizia (Wolfowitz): eu sei onde é o Afeganistão!
O Afeganistão é a nossa geografia,
Queremos o Indo Kush! E a Ásia Central!
Ungiu de trotskismo, Cheney e Rumsfeld.
Bush não fui ungido.
Foi ungido noutra internacional;
Escapou por pouco à unção de Wolfowitz.
Verão como a Babilónia
faz parte da mossa geografia,
eu sou Nabucodonosor,
e vou reconstruir os jardins suspensos
e vou tornar trostkista o Afeganistão,
clamava com voz de Quarta Internacional!
Alexandre, O Grande Alexandre
Devia ignorar por completo
Os delicados meandros da Revolução Permanente,
E deve ser um dos precursores do stalinismo;
para além de tudo, venceu no Indo Kush.
Genghis Khan, esse soldado alado da estepe
devia ser completamente ignorante
das magnas assembleias da Quarta Internacional
e dos intelectuais de barbichas e óculos,
pois venceu no Afeganistão, e chegou à Hungria;
o que diria Lukacs se fosse vivo!
O que diriam os velhos e graves filósofos,
Perceptores de Alexandre?
Vou deixar a gravidade destes versos
e vou fazer como os velhos poetas:
cantar as flores, o vinho, e as mulheres:
com o tempo, escolho a ordem certa.


António Eduardo Lico
O poeta de hoje é o cubano Nicolás Guillén.
Nascido em 1902 e falecido em 1989, Guillén é um dos grandes poetas do século XX.
Unindo a sua mestria na utilização da língua à herança cultural afro-caribenha, Nicolás Guillén construiu uma obra poética singular.
Fica este poema, um tanto esquecido, julgo que por pruridos do chamado "politicamente correcto":

UNA CANCIÓN A STALIN


Stalin, Capitán,
a quien Changó proteja y a quien resguarde Ochún.
A tu lado, cantando, los hombres libres van:
el chino, que respira con pulmón de volcán,
el negro, de ojos blancos y barbas de betún,
el blanco, de ojos verdes y barbas de azafrán.
Stalin, Capitán.

Tiembla Europa en su mapa de piedra y de cartón.
Mil siglos se desploman rodando sin contén.
Cañón
del Austro al Septentrión.
Cabezas y cabezas cortadas a cercén.
El mar arde lo mismo que un charco de alquitrán.
Bocas que ayer cantaban a la Verdad y el Bien
Hoy bajo cuatro metros de amargo sueño están...
Stalin, Capitán.

Pero el futuro afinca, levanta su ilusión
allá en tu roja tierra donde es feliz el pan,
y altos pechos armados de una misma canción
las plumas de los buitres detienen, detendrán,
allá en tu helado cielo de llama y explosión,
Stalin, Capitán.

El jarro de magnolias, el floreal corazón
de Buda, despereza su extático ademán;
gravita un continente sobre el Mar del Japón:
rudo bloque de sangre de Siberia a Ceylán
y de Esmirna a Cantón...
Stalin, Capitán.

Tambores africanos con resonante son
sobre selva y desierto su vivo alerta dan,
más fiero que el metal con que ruge el león;
y alzando hasta el Pichincha la tormentosa sien
América convoca su puma y su caimán,
pero además engrasa su motor y su tren.
Odio por dondequiera verá el ciego alemán
la paloma, el avión,
el pico del tucán,
el zoológico río de vasta indignación,
las flechas venenosas que en pleno blanco dan,
y aun el viento, impulsando sus ruedas de ciclón...

Stalin, Capitán, a quien Changó proteja y a quien resguarde Ochún...
A tu lado, cantando, los hombres libres van:
el chino, que respira con pulmón de volcán,
el negro, de ojos blancos y barbas de betún,
el blanco, de ojos verdes y barbas de azafrán...
¡Stalin, Capitán,
los pueblos que despierten junto a ti marcharán!

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Uma reposição mais. Do poemário Amanhecer obscuro:


Une Voyage

Les violons

Ah, o teu nome é obscuro - Louis-Ferdinand Destouches,
então surge aquilo que te decifra e te consome – Celine.
Celine, eis o nome, alguns dirão até 666.

Crépuscule

Et ton Voyage au bout de la nuit?
Tu dizias que não eras um homem de ideias,
as ideias, estavam nos livros, volumes e volumes;
a ti só o estilo de interessava.
Tu étais un homme à style.
Não te perdoaram que tivesses escrito
O inesperado de Voyage au bout de la nuit,

Algo assim, só eles podiam fazer.
Adivinhaste, culpam-te dos Pamphlets;
culpam-te ainda mais dos Pamphlets,
e dizem a palavra definitiva: antisémite;
essa palavra com que exterminam
todos os que não gostam; e eles não gostam de muitos.
De mim, é difícil dizerem que sou um desses, vejamos:
Gosto dos Fenícios, eram semitas,
e se não eram deveriam ser.
Gosto do povo de Kem, eram os egípcios antigos,
e eram semitas genuínos, genuínos mesmo.
Gosto dos Camitas, e porque não dos Filisteus?
acaso não eram semitas? Dos da Babilónia
gosto também, e são semitas desde sempre;
hoje ninguém se lembra, mas eles podem esquecer-se;
e esqueceram-se, esqueceram-se.
Já vai longe a Suméria, diziam que vinham da Anatólia
(os Sumérios – claro)
e depois, a sua brilhante civilização
foi substituída por sucessores semitas.
Eles esquecem-se, e até dizem que a História começa
com a Suméria. Eles esquecem-se, esquecem-se.
Estão sempre a esquecer-se;
mesmo quando não se esquecem,
é porque se esqueceram.
Vejam bem, eu gosto dos Assírios!
Gosto até dos Hititas, mas esses não eram semitas,
mas gosto deles; vieram da Anatólia (o que não era longe)
e conquistaram o Egipto, conquistaram Kem.
Gosto dos Hebreus; os da Babilónia tinham
um nome pare eles: Habiru.
Freud, que de Viena antevia Moisés, o egípcio,
Não esqueceu o nome – Habiru.
Ah pensaram que me esqueci dos da Galileia?
Esses não eram Hebreus; eram Galileus
e a Galileia teve que ser conquistada;
tinha uma divindade rival da de Jerusalém.
Tu não sabias nada disto, sempre ignoraste
os ardis subtis da História e das estórias,
eras médico e eras styliste.

Finale

Louis-Ferdinand, (où Celine), écoutes moi bien !
Ainda procuram, ou vasculham,
talvez sejam apenas como os voyeurs,
apenas querem ver. Talvez pensem em Haia...
(projectivamente, bem entendido).
Écoutes! Eles procuram,
procuram as tuas últimas cartas,
não te querem publicar a ti,
querem interpretar as tuas últimas cartas;
parecem condenados à guilhotina,
esperando com angústia de condenados
o seu último e longo minuto,
esse antes do frio da lâmina.
Ahhhh, quiseram-te apenas médico,
e com absoluta assepsia
asseguraram-se disso mesmo!
Presumo que sorriste,
tu est un styliste.

António Eduardo Lico
O poeta de hoje é Gomes Leal.
Nascido em 1848 e falecido em 1921, Gomes Leal deixou obra poética singular. Poeta finissecular, em Gomes Leal convergem várias das correntes, ou estéticas que marcaram a poesia dos finais do século XIX - romantismo, parnasianismo, simbolismo. Muitos críticos detectam ainda influências do satanismo byroniano, influências de Baudelaire e ainda elementos precursores do surrealismo. Gomes Leal é ainda considerado um precursor do Modernismo Português.
Fernando Pessoa aprecia-o e diz que é um dos seus mestres e dedica-lhe o soneto Gomes Leal.
Fica esta poesia:

As Aldeias

Eu gosto das aldeias socegadas,
Com seu aspecto calmo e pastoril,
Erguidas nas collinas azuladas -
Mais frescas que as manhãs finas d'Abril.

Levanta a alma ás cousas visionarias
A doce paz das suas eminencias,
E apraz-nos, pelas ruas solitarias,
Ver crescer as inuteis florescencias.

Pelas tardes das eiras - como eu gosto
Sentir a sua vida activa e sã!
Vel-as na luz dolente do sol posto,
E nas suaves tintas da manhã!

As creanças do campo, ao amoroso
Calor do dia, folgam seminuas;
E exala-se um sabor mysterioso
D'a agreste solidão das suas ruas!

Alegram as paysagens as creanças,
Mais cheias de murmurios do que um ninho,
E elevam-nos ás cousas simples, mansas,
Ao fundo, as brancas velas d'um moinho.

Pelas noutes d'estio ouvem-se os rallos
Zunirem suas notas sibilantes,
E mistura-se o uivar dos cães distantes
Com o canto metallico dos gallos...

domingo, 15 de julho de 2012

Uma reposição mais. Desta vez do poemário A rosa é a via:


Soneto da guitarra e da rosa

A guitarra, com ser madeiro oco
Espalha a sua canção dolente;
Das cordas o som é uma torrente
Como se fora duende barroco

A rosa é guitarra que invoco
Cada entardecer ao sol poente;
Harmónico o perfume nascente,
Ao sul destes dedos com que te toco

Na rosa há melodias serenas
Pela guitarra galopam volúpias
E de súbito nascem cantilenas

E na guitarra nascem utopias
Quando nas rosas vemos açucenas
E levantamos do som as mãos ímpias


António Eduardo Lico

O poeta de hoje é Manuel Maria Barbosa du Bocage.
Nascido em 1765 em Setúbal e falecido em1805 em Lisboa, Bocage esteve no Oriente, Índia e Macau como militar. No regresso a Lisboa, adere à Nova Arcádia, que bem depressa se torna alvo das suas críticas, acabando por se expulso do grupo. Em 1791 publica as suas Rimas, que assenta a sua reputação como poeta. Em 1797 é preso na prisão do Limoeiro; em 1799 regressa à liberdade.
Bocage combina na sua poesia elementos neoclassicistas e pré-românticos e é no soneto que alcança o maior brilho.
Fica este soneto:


Já se afastou de nós o Inverno agreste
Envolto nos seus húmidos vapores ;
A fértil Primavera , a mãe das flores
O prado ameno de boninas veste :

Varrendo os ares o subtil nordeste
Os torna azuis : as aves de mil cores
Adejam entre Zéfiros, e Amores,
E torna o fresco Tejo a cor celeste ;

Vem, ó Marília, vem lograr comigo
Destes alegres campos a beleza,
Destas copadas árvores o abrigo :

Deixa louvar da corte a vã grandeza:
Quanto me agrada mais estar contigo
Notando as perfeições da Natureza !

sábado, 14 de julho de 2012

Continuo com as reposições. Hoje uma poesia escrita em castelhano em 2006 e integrada no poemário Que de dentro não se vê:


Luna de Sevilla

La luna de Sevilla
cuando se mira en el Guadalquivir
se vuelve negra.

Que pena es tu pena
lunita negra de Sevilla?

En que piensas, lunita de Sevilla
cuando cobres con plata el puente de Triana?
El puente de Triana, esa de la frontera
entre el Kabir y Sevilla.
y donde Sevilla es solo un punto.

Al Mutamid se ha partido
lunita de Sevilla.
Su Taifa se perdió en el Kabir
Y su canto doloroso se vierte en el Magrib.

Ay lunita de Sevilla
cuando te miras en el Guadalquivir
regressa Hércules y Sevilla
vuelve al medio dia.

Y la luna de Sevilla
Se mira en el Guadalquivir.


António Eduardo Lico
O poeta de hoje é o Marquês de Santillana.
Nascido em 1388 e falecido em 1458. Homem de letras, político, guerreiro. o marquês de Santillana foi autor de serranillas, canciones y dezires de grande beleza e inspiração.
Foi também o introdutor do soneto em Espanha com os 42 sonetos fechos al itálico modo.
Fica esta poesia:


Serranilla VI

Moça tan fermosa
non ví en la frontera,
como una vaquera
de la Finojosa.

Faziendo la vía
del Calatraveño
a Santa María,
vençido del sueño,
por tierra fragosa
perdí la carrera,
do ví la vaquera
de la Finojosa.

En un verde prado
de rosas e flores,
guardando ganado
con otros pastores,
la ví tan graciosa,
que apenas creyera
que fuese vaquera
de la Finojosa.

Non creo las rosas
de la primavera
sean tan fermosas
nin de tal manera;
fablando sin glosa,
si antes supiera
de aquella vaquera
de la Finojosa.

Non tanto mirara
su mucha beldad,
porque me dexara
en mi libertad.

Mas dixe: "Donosa
(por saber quién era),
¿aquella vaquera
de la Finojosa?..."

Bien como riendo,
dixo: "Bien vengades,
que ya bien entiendo
lo que demandades:
non es desseosa
de amar, nin lo espera,
aquessa vaquera
de la Finojosa.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Continuo nas reposições. Hoje uma poesia escrita em 2004 do poemário Que de dentro não se vê:


Baladilla de la flor muerta

En el aire tu olor de seguidilla
y tus verdes venas tensas en tu tallo.

Tu perfume, ancho sonido, en tus pétalos
quedó dormido en tu sombra.


António Eduardo Lico
O poeta de hoje é Rafael de León.
Nascido em Sevilha em 1908 e falecido em Madrid em 1982, Rafael de León, pese embora o silêncio em torno da sua obra poética pertence por direito próprio à Geração de 27.
Nascido no seio da aristocracia andaluza, Rafael de León desenvolve gosto pela música dos cafés cantantes, teatros de variedades. Começa a sua atracção pela copla e torna-se letrista, actividade que manterá por largos anos, tendo registado milhares de letras.
A sua actividade poética é como uma casa de dois andares - por um lado as letras para as canções, por outro lado a poesia propriamente dita.
Fica esta poesia:

Romance de los ojos verdes

-¿De dónde vienes tan tarde?
¡Dime, di! ¿De dónde vienes?
-Vengo de ver unos ojos
verdes como el trigo verde.
El sueño juega y se esconde
en la plaza de mi frente;
cabalgo por las ojeras
de unos ojos en relieve.
El cuarto se va llenando
de mar, de barcos y peces,
acuarium improvisado
sobre el barniz de los muebles,
mientras que la media luna
de junio roja y solemne
se suicida sobre el filo
de la mañana que viene.
-¿De dónde vienes cantando?
¡Dime, di! ¿De dónde vienes?
-Vengo de ver unos ojos
verdes como el limón verde.
Por el río de la siesta
pasa un pregón hecho nieve
persianas atravesando:
Chumbos frescos, ¿quién los quiere?
La sábana de la cama
en silencio se defiende
amortajando suspiros
bajo la cal de sus pliegues
contra dos cuerpos desnudos
que su blancura oscurece;
muslos de trigo en mis muslos
brazos delgados y ardientes
que como ríos morenos
iluminados de fiebre
se precipitan sin pulso
por la llanura del vientre
en una lucha romana
de mirtos y de laureles.
-¿Dónde naciste? -En Tarifa,
¿Y tú? -En Sevilla.
Mis sienes
están preñadas de olivos
como tus ojos de verdes.
El silencio apuñalado
vuelve a sembrar las paredes
y un sueño de torres altas
y de relojes ausentes
sobre la cama cansada
echa su capa de nieve.
-¿De dónde vienes borracho?
¡Dime, di! ¿De dónde vienes?
-Vengo... vengo de la viña
y el olivarito verde.
-¿Qué mala hierba pisaste,
quién te atravesó las sienes
con ese mal fario...? ¡Dime!
-Son las cosas de la suerte,
unos la encuentran de espaldas,
otros la encuentran de frente,
y yo me encontré a sus ojos
verdes como el trigo verde.
-¿Quieres que te haga una taza
de hierbabuena caliente?
-Quiero su voz, luna y plata
diciéndome que me quiere.
-¿Quieres que te ate un pañuelo
y te lo anude a la frente?
-Quiero sus brazos de trigo
y su cintura de aceite.
-¿Quieres que cante una nana
para ver si así te duermes?
-Quiero sentirme en el cuello
su aliento de flauta breve.
-Entonces... mi corazón,
dime, ¡por Dios! lo que quieres.
-Quiero sus ojos. Sus ojos
verdes como el trigo verde,
como el limón y la albahaca,
como el mar y los cipreses,
como las almendras nuevas,
el romero y los laureles...
Si no me traes sus ojos,
¡dile que venga la muerte!

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Continua nas reposições de poesias de poemários já completos.


Rimbaud e Baudelaire eram franceses...

Rimbaud e Baudelaire eram franceses,
poetas franceses, concluo.
Não estudo Lógica, mas deveria fazê-lo.
se o fizesse, saberia, ver para além
do que se pode ver numa manhã obscura,
saberia até da estética usada
pelos poetas franceses. Sem dúvida,
saberia muito de estética, e das estéticas.
Saberia que Baudelaire não foi poeta maldito;
todos os poetas são benditos.


António Eduardo Lico


O poeta de hoje é Osip Mandelstam.
Mandelstam é um dos nomes mais fundamentais da poesia moderna russa. Membro do grupo acmeista.
Nascido em 1891 e falecido em 1938, na prisão, Mandelstam é um nome fulcral da poesia russa da primeira metade do século XX.
Fica este poema:

Armado como os braçais da Sociedade das Vespas
Cevando e arando a terra, arando a terra,
Pode até parecer importante e necessário
Mas em meu coração, me parece ser em vão.

E eu sei pintar, eu não sei cantar,
Tampouco manejar o arco fúnebre do violino
Minha vida se resume em arar e procriar
E invejar a elite, capciosos insetos sociais.

Ah, quem dera pudesse um dia
Compelir – estupor e morte
Esporear no ar a exaltação do verão,
E entender o sentido deste arar, arar a terra...

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Regresso às reposições por falta de poesias completadas nos poemários em que trabalho.


Soneto da guitarra e da rosa

A guitarra, com ser madeiro oco
Espalha a sua canção dolente;
Das cordas o som é uma torrente
Como se fora duende barroco

A rosa é guitarra que invoco
Cada entardecer ao sol poente;
Harmónico o perfume nascente,
Ao sul destes dedos com que te toco

Na rosa há melodias serenas
Pela guitarra galopam volúpias
E de súbito nascem cantilenas

E na guitarra nascem utopias
Quando nas rosas vemos açucenas
E levantamos do som as mãos ímpias


António Eduardo Lico
O poeta de hoje é Cabral do Nascimento.
Nascido em 1897 no Funchal, Ilha da Madeira e falecido em 1978, Cabral do Nascimento foi poeta, tradutor, professor, conservador das bibliotecas e arquivos nacionais.
A sua poesia foi revelada por Fernando Pessoa que o considerou um poeta digno de Orpheu.
A poesia de Cabral do Nascimento situa-se entre o Saudosismo e o Modernismo.
Fica este poema:



O faroleiro



Apenas este ilhéu é que é pequeno

O resto é tudo grande: o tédio, a vida,

O dia enorme, a noite mais comprida,

E o mar, calmo ou feroz, rude ou sereno;



O tempo, esse narcótico veneno,

A dor, essa letárgica bebida,

O desejo, essa voz enrouquecida,

E a saudade, o distante e branco aceno.



Tudo profundo, imenso, na amplidão,

Eterno quási na desolação

E sobrenatural na solidão.



A luz vermelha a reflectir-se além…

Nenhum vapor que vai, nenhum que vem…

Farol e faroleiro – e mais ninguém.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Completei mais uma poesia do poemário Este rio que corre sem águas:


Para aprender a matar deuses...

 As impetuosas palavras
que se desenham
para matar deuses
que renascem a cada morte!

Podiam não renascer
e ficar na sombra ténue
dos muitos paraísos que existem,
inertes e de barba por fazer

Renascem porque
as teologias assim o querem;
para serem teologias

Convenientes para todos,
já mortas quando nascem
mas que dão nascimento

Aos deuses que queremos
matar, ás dezenas, milhares
como se rejeitássemos
as nossas criações

Só fica o poema
ou as palavras
com que criamos os deuses
que a seguir matamos


António Eduardo Lico
O poeta de hoje é Juan Gelman.
Nascido em 1930 em Buenos Aires, Gelman é jornalista e poeta. Depois de uma militância comunista, durante a qual publicou poesia integrado no grupo poético El pan duro, Juan Gelman adere a grupos de guerrilha, culminando com a sua militância nos Montoneros. É nesta situação de representante no exterior dos Montoneros que Gelman se encontarva aquando do golpe militar na Argentina em 1976. O filho, a filha e a nora de Juan Gelman foram vítimas da ditadura militar. Juan Gelman conseguiu encontrar a sua neta.
Fica esta poesia:



Mi Buenos Aires querido

Sentado al borde de una silla desfondada,
mareado, enfermo, casi vivo,
escribo versos previamente llorados
por la ciudad donde nací.

Hay que atraparlos, también aquí
nacieron hijos dulces míos
que entre tanto castigo te endulzan bellamente.
Hay que aprender a resistir.

Ni a irse ni a quedarse,
a resistir,
aunque es seguro
que habrá más penas y olvido.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Mais uma reposição. Hoje do poemário Amanhecer obscuro:



Pior que roubar um banco é fundar um banco

Bertold Brecht

Poema concreto


Escrevo poemas que quisera
efémeros, como o vento
que beija as flores
e levanta ondas ao mar
para logo se desfazem na areia da praia,
como se o mar todo se acabasse naquele momento.

O vento quando beija as flores
não é como um cheque, ou uma letra:
quando se acabam, os bancos emitem mais.
Mesmo que se lhes acabe o dinheiro,
emitem mais. Porque eu não posso
emitir o meu dinheiro quando se me acaba?
Quando se me acabam as flores, procuro por mais.
O vento quando beija as flores, beija-as
como se nunca acabasse, e se acabasse
o saldo não seria negativo.

Até o Olimpo e os belos deuses gregos
se acabaram; ninguém se importou
em emitir mais; depois vieram profetas
que emitiram deuses e paraísos diferentes

Os bancos e os banqueiros
emitem dinheiro como se
emitissem paraísos e divindades.
Houvera quem os roubasse
como o vento rouba das flores
os perfumes.


António Eduardo Lico

O poeta de hoje é Nuno Dempster.
Nascido em Ponta Delgada, Açores em 1944. Poeta e novelista, Nuno Dempster é um nome a considerar na moderna poesia portuguesa.
Fica esta poesia:


CHUVA

Olhava da janela a chuva
e sem o áspero sol da Meseta
a cidade era doce,
Madrid, uma cidade do norte
na orla do mar Báltico;
queria dizer-lhe isto
e que afagasse a cinza da Europa
e estivesse de novo aqui,
aqui onde jamais esteve,
non la he visto aún,
afirmaria o Víctor do restaurante
onde sozinho almoço às vezes
com a vaga esperança
de não saber se a vida chegará
como dantes a quis
e agora me surgia na cor dos edifícios.
Como é bela Madrid à chuva
e que difícil é tê-la
por detrás das vidraças
em tardes de sozinho a olhar.
Todavia confesso
esta fraqueza logo esqueceria
se o Víctor em segredo
chegasse à minha mesa e dissesse
mira quién ha llegado para comer,
trae en sus dedos una flor de lluvia.

domingo, 8 de julho de 2012

Retorno às reposições, visto não ter mais poesias completas:


Era tudo metafísica


Era tudo metafísica. Diziam.

Diziam que Hölderlin era vagamente louco,

e esqueciam que eram loucamente vagos.

Era tudo metafísica. Diziam.

Diziam, vê lá tu, que nem ligavas à metafísica,

diziam, caro Goethe, que não entendiam

o teu atrevimento; sim, o teu atrevimento

de fazeres uma teoria em que gentilmente

rebatias e negavas Newton; bem sei, Newton era inglês

e nem percebia nada de metafísica, embora

fizesse por aparentar ser um verdadeiro conhecedor.

Ficavam, e ainda ficam, zangados com a tua Erotica Romana

e esse teu secreto jeito de Mefistófeles.

Tu dizias que não eras Mefistófeles, mas

ensinavas assim: tudo o que existe merece desaparecer.

Era o teu jeito íntimo de seres o que dizias não ser.

Era tudo metafísica. Diziam.

Chamavas-te Vladimir, Vladimir Maiakowski

diziam que eras gentil, terno e frágil.

Eras gentil, terno e frágil e forte.

Eles não queriam que fosses forte.

Uma mulher bonita, de odor suave

tornou-te frágil e resolveste partir.

Nem te despediste, de súbito deixaram de te ver.

Era tudo metafísica. Diziam.

Era mais conveniente atribuir a tua partida

a um homem vagamente chamado Estaline.

Era bem melhor assim: mais um morto

na contabilidade de Estaline. Ainda que vagamente.

Olha, meu caro Maiakowski, se calhar

ainda estão a pensar que devem atribuir a Estaline

a extinção dos dinossáurios.

E vão dizer: que crueldade! Estaline

nem quis saber que eram répteis

e animais de sangue frio.

Talvez até queiram acusá-lo da queda do Império.

É isso, Estaline estabeleceu-se nas fronteiras do Império,

estão enganados, não era Átila, o Huno, nem Alarico,

O Visigodo, e todos os outros Godos:era ele,

vagamente chamado Estaline,

era ele que acossava as doces Vestais.

Vão também dizer que não sabia de Babilónia

isso, não sabia de Babilónia a grande prostituta.

Era tudo metafísica. Diziam.

Era afinal um ignorante. Quem não sabia

De Babilónia, a grande prostituta?

Agora nas portas de Ur há um homem

pendurado pelo pescoço. Sim, nas portas de Ur.

Indica que Babilónia era a grande prostituta

Já não tem jardins suspensos, tem um homem,

tem homens suspensos pelo pescoço nas portas de Ur.

Era tudo metafísica. Diziam.

E sabes, um banqueiro, disfarçado de académico.

Um homem, um homem de nome Montefiore.

Não, não é florentino, nem sequer siciliano.

É inglês, vulgarmente inglês, vulgarmente

banqueiro disfarçado de académico.

Escreveu um livro sobre ti, quando eras homem crescido;

depois escreveu um livro sobre ti, quando jovem..

Isso é mau presságio, sabias? Negro augúrio, eu digo!

Não demora, ele vai dizer, esse homem de nome Montefiore,

que é banqueiro disfarçado de académico,

que nunca estiveste em Ítaca, nunca estiveste

a bordo do Argos; nunca foste Argonauta!

Vai dizer que não sabias que Pitágoras

foi educado no Egipto, e depois enviado

para a Grécia. Na Grécia ele abria templos

e colocava na entrada: Quem não é geómetra, Não entre!

Ele, esse homem de nome Montefiore

que é banqueiro disfarçado de académico

vai dizer que tu não sabias que Pitágoras

sabia fazer a quadratura do círculo.

Não, eu não estou a dizer que ele afirma

que não conheces o teorema! Não me entendas mal!

Vão dizer que assim não vale, assim não conta.

vão dizer que eras inoxidável.

Sabes? Muitos poetas gostam de usar a palavra

óxido nas suas poesias; dizem que assim

podem pertencer a não sei que escola, ou movimento.

Era tudo metafísica. Diziam.

Lembrei-me agora de ti. Sabes, Mao Tse Tung?

Agora escondes-te, ou escondem-te

sob uma espécie de acordo ortográfico,

assim um acordo ortográfico interno, só com validade na China.

Agora os chineses são exportadores e exportaram um nome: Mao Zedong

Era tudo metafísica. Diziam.

Já não sabiam que mais crimes e mortes te atribuir.

Então disseram que gostavas de te rodear de mulheres jovens.

Disseram que tinhas mulheres demais.

Sabes, ainda te vão acusar do rapto das Sabinas.

És outro candidato a responsável pela queda do Império,

talvez te convertam no candidato ideal

para explicarem a queda do Império do Oriente.

Foste tu que chamaste os turcos, meu velho?

Vão dizer que num delírio de crueldade

chamaste vários turcos: os Seldjúcidas

que prepararam o terreno, e depois os Otomanos.

Era tudo metafísica. Diziam.

Matisse e Picasso estavam em Paris.

Havia muita gente que estava em New York.

em Chicago, em Los Angeles: eram americanos.

Havia um americano, dizem-me que era escritor:

O nome: Dwight Macdonald. Escrevia, por consequência,

Pois dizem-me que era escritor. Escrevia que a bomba atómica

era natural; era uma consequência natural, uma banalidade

do estilo de vida americano, como os automóveis, ou a fast food.

Depois havia também um outro americano,

Este chamava-se Jackson Pollock, dizem-me que era pintor.

assumi que sendo pintor, pintava., pois é isso que fazem os pintores.

Era tudo metafísica. Diziam.

Diziam que esse Pollock iniciou uma revolução na pintura:

Era cheia de automatismos, melhor era baseada em processos

automáticos, era arte moderna, aquilo é que era arte moderna.

Diziam que era expressionismo abstracto; eram alguns, esses

expressionistas, esses abstractos, tinham que ser alguns;

se fossem nenhuns, parecia mal; o que diriam as pessoas?

Eram Pollock, Motherwell, De Kooning, Hofmann, Kline, havia outros.

A América estava cheia de expressionistas, e de abstractos,

que não eram expressionistas, nem eram abstractos.

Eram pagos pelos guerreiros da Guerra Fria, dava-lhes

(t)alento o dinheiro sujo e secreto para conter

o grave perigo vermelho que ameaçava a Velha Europa.

Jacques Duclos um dia transportava pombas no seu automóvel.

Era um dia em que um general americano chegava a Paris.

Não, esse general americano não era expressionista,

nem sequer abstracto, não gostava de pombas, era isso!

Prenderam Duclos, ignora-se se prenderam as pombas.

Pablo Picasso, tu não sabias, mas o Departamento de Estado

Até fez um informe secreto sobre ti: eras vermelho.

Tinhas as huertas de Valência na alma e a claridade

do sol valenciano no pincel, e pintavas, e pintavas.

E seguias rojo como era o Poente nas bandas de Valência

e denunciavas, com luz e sombra, na tua pintura,

a matança na Coreia, esse quadro expressionsita

e abstracto pintado pelos american boys nas

longínquas paisagens de arroz do Extremo Oriente.

Era tudo metafísica. Diziam.

Tu e Matisse estavam em França, em Paris

eles eram expressionistas e abstractos

vinham do outro lado do Atlântico,

vinham das Montanhas Rochosas e dos Apalaches,

vinham travestidos de abstracção,

Edgar Hoover tinha travestido toda a América

e ditava a última moda em lingerie.

Eram meros instrumentos de propaganda,

alguns deles bem medíocres, agora génios promovidos.

Hoje, resta apenas a cinza do mercado da arte

e a luz e as sombras que traçaste na tela

Era tudo metafísica. Diziam.

Pusemos Torquemada como bispo de Roma

tantos bispos italianos e por último um polaco – era demais!

Era tudo metafísica. Diziam.

Valia mais Torquemada, um espanhol que é alemão.

Os espanhóis sempre tiveram uma política alemã

dizem muitos manuais de História.

É sempre melhor ter Torquemada em Roma

que ter uma sucursal em Avignon

com um francês que só gosta de Camembert

e pensa que o Champagne é néctar dos deuses.

Era tudo metafísica. Diziam.

Não quero que me acusem de ser metafísico,

calo-me com Torquemada.

Era tudo metafísica. Diziam.

Torquemada nunca foi a Granada

nem conhece o Cante Jondo.

Federico, a quem chamavam Garcia Lorca

foi a Granada sem ir a Granada.

E Granada chora a ausência daquele

que nunca foi a Granada.

Era tudo metafísica. Diziam.
Granada llora y su cante

pinta de rojo las naranjas

La guitarra, como luna,

testigo que los gitanos

velan tu morada

en las puertas de Granada.

Era tudo metafísica. Diziam.

Nem eu vou falar de petróleo,

ainda vão dizer que sou bolchevista

e que não gosto das sete irmãs,

talvez seja um conspiracy theorist

ou um desses metafísicos

que nem sequer é afrancesado

e hesita se tem que classificar Baudelaire,

modernista, antes dos modernos,

simbolista sem simbólica, ou apenas um poeta.

Era tudo metafísica. Diziam.