sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Do poemário O canto em mim reponho este poema:


Flor que brilhas no jardim

Flor que brilhas no jardim
é breve o teu perfume;
a cor que te acaricia
as pétalas é fugaz.
Olho-te, e sei que a vida
te será breve.
Não sou filósofo, nem metafísico
nem sei porque me sento num jardim.
Sei-te breve, flor que brilhas no jardim,
o teu perfume me alimentará
e o instante será breve.
A tua seiva quente penetrará a terra.
Não sei porque me sento num jardim.

António Eduardo Lico
O poeta de hoje é W.H. Auden.
Nascido em 1907 e falecido em 1973, Auden foi uma das referências das gerações inconformadas dos anos 30.
O amor, a política, a cidadania, a moral, a religião tinham lugar na sua poética.
A obra poética de Auden, é avaliada de diferentes formas. Muitos autores consideram as suas primeiras obras, as melhores. Para a crítica americana, a sua melhor fase é a dos anos posteriores à década de 30, talvez porque Auden foi para a América e acabou por se naturalizar americano.
Fica esta poesia:

In Memory of W. B. Yeats

He disappeared in the dead of winter:
The brooks were frozen, the airports almost deserted,
And snow disfigured the public statues;
The mercury sank in the mouth of the dying day.
What instruments we have agree
The day of his death was a dark cold day.

Far from his illness
The wolves ran on through the evergreen forests,
The peasant river was untempted by the fashionable quays;
By mourning tongues
The death of the poet was kept from his poems.
But for him it was his last afternoon as himself,
An afternoon of nurses and rumours;
The provinces of his body revolted,
The squares of his mind were empty,
Silence invaded the suburbs,
The current of his feeling failed; he became his admirers.
Now he is scattered among a hundred cities
And wholly given over to unfamiliar affections,
To find his happiness in another kind of wood
And be punished under a foreign code of conscience.
The words of a dead man
Are modified in the guts of the living.
But in the importance and noise of to-morrow
When the brokers are roaring like beasts on the floor of the Bourse,
And the poor have the sufferings to which they are fairly accustomed,
And each in the cell of himself is almost convinced of his freedom,
A few thousand will think of this day
As one thinks of a day when one did something slightly unusual.
What instruments we have agree
The day of his death was a dark cold day.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Do poemário O canto em mim reponho esta poesia:


O gato é um tigre melancólico

Um gato é um tigre melancólico.
Contenta-se em ser apenas gato,
com artifícios no olhar
e filosofia no corpo lânguido.
Caminhando vagarosamente
na beira do telhado, entre
chão e nuvens, quase rente ao voo,
é apenas um gato.
Nós é que gostamos de o imaginar
como se fora um tigre melancólico.

António Eduardo Lico
O Poeta de hoje é Olavo Bilac.
Nascido em 1865 e falecido em 1918, Bilac foi jornaliesta e poeta..
A sua concepção poética perdurou na poesia brasileira até ao primeiro modernismo. Sem dúvia, o principal nome do parnasianismo no Brasil, Bilaca foi também membro fundador da Academia Brasileira de Letras. Fica esta poesia:
Satânia

Nua, de pé, solto o cabelo às costas,
Sorri. Na alcova perfumada e quente,
Pela janela, como um rio enorme
De áureas ondas tranqüilas e impalpáveis,
Profusamente a luz do meio-dia
Entra e se espalha palpitante e viva.
Entra, parte-se em feixes rutilantes,
Aviva as cores das tapeçarias,
Doura os espelhos e os cristais inflama.
Depois, tremendo, como a arfar, desliza
Pelo chão, desenrola-se e, mais leve,
Como uma vaga preciosa e lenta,
Vem lhe beijar a pequenina ponta
Do pequenino pé macio e branco.

Sobe... cinge-lhe a perna longamente;
Sobe...- e que volta sensual descreve
Para abranger todo o quadril!- prossegue,
Lambe-lhe o ventre, abraça-lhe a cintura,
Morde-lhe os bicos túmidos dos seios,
Corre-lhe a espádua, espia-lhe o recôncavo
Da axila, acende-lhe o coral da boca,
E antes de se ir perder na escura noite,
Na densa noite dos cabelos negros,
Pára confusa, a palpitar, diante
Da luz mais bela dos seus grandes olhos.

E aos mornos beijos, às carícias ternas,
Da luz, cerrando levemente os cílios,
Satânia os lábios úmidos encurva,
E da boca na púrpura sangrenta
Abre um curto sorriso de volúpia...
Em tempos de crise e cólera um vídeo de Chicho Sánchez Ferlosio

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Do poemário O canto em mim reponho esta poesia:


Leva-me o vento...

Leva-me o vento, brandamente,
como se empurrasse as velas
de um veleiro.
Deixo-me levar, porque quero,
a geografia não me interessa,
nem os mapas do meu ser
se podem cartografar.
Leva-me o vento, brandamente,
e nada faço, a não ser deixar-me levar.
Nada sei da rosa dos ventos,
sei apenas das rosas, essas,
a que o vento acaricia brandamente.

António Eduardo Lico
Uma poesia de Jorge Luis Borges, precisamente entitulada Los Borges de 1960 no poemário El Hacedor:

Los Borges

Nada o muy poco sé de mis mayores
portugueses, los Borges: vaga gente
que prosigue en mi carne, oscuramente,
sus hábitos, rigores y temores.
Tenues como si nunca hubieran sido
y ajenos a los trámites del arte,
indescifrablemente forman parte
del tiempo, de la tierra y del olvido.
Mejor así. Cumplida la faena,
son Portugal, son la famosa gente
que forzó las murallas del Oriente
y se dio al mar y al otro mar de arena.
Son el rey que en el místico desierto
se perdió y el que jura que no ha muerto.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Do poemário O canto em mim reponho esta poesia:


Soneto sem Musa 

 Eram claros esses teus olhos cheios
De onde manam luzes como fontes
Como alegria vinda dos montes
Que forma frescos e mansos ribeiros

Dos meus olhos sempre foram alheios
De presos em distantes horizontes,
Juízes não eleitos, mas arcontes.
Como rosas brincando de luzeiros

Musa não eras, mesmo que te cante
E os teus olhos tinham doces rosas
Como se a luz fora diamante

Rosas tinham, eu sei, mas angulosas.
Claras, e de perfume tão distante,
Frescas fontes, águas tão amargosas.

António Eduardo Lico
Augusto Gil é o poeta de hoje.
Nascido em 1873 e falecido em 1929, Augusto Gil foi advogado e poeta.
Influenciado pela lórica de João de Deus, Guerra Junqueiro, António Nobre, Teixeira de Pascoaes e pelas cortentes do parnasianismo e Simbolismo, a poesia de Augusto Gil tem contornos neo-românticos e nacionalistas. Muitas das suas poesias foram adaptadas pela tradição popular e cantadas.
Fica esta poesia:

GRÃO DE INCENSO

Encontraste com ar cansado
Numa igreja fria e triste.
Ajoelhei-me ao teu lado
– E nem ao menos me viste...

Ficaste a rezar ali,
Naquela imensa tristeza.
Rezei também, mas a ti.
– Que aos anjos também se reza...

Ficaste a rezar até
Manhã dentro, manhã alta.
Como é que tens tanta fé
E a caridade te falta?...

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Do poemário O canto em mim reponho esta poesia:


Aos poetas que procuram o Graal

 Não invejo os poetas que buscam o Graal
nem os que procuram as vírgulas
que não se escrevem.
As palavras são mais lendárias
que todos os Graal, excepto o Graal.
Eu não procuro o Graal; sei que ele
existe na sua não existência.

Ele, o Graal,
plácido como convém a um Graal,
não espera visitas de poetas.

António Eduardo Lico
Almeida garret é o poeta de hoje.
João Baptista da Silva Leitão de Almeida Garrett nasceu no Porto em 1799 e faleceu em Lisboa em 1854.
Poeta, dramaturgo, político, Almeida Garret é um dos vultos do Romantismo português. Grande implusionador do teatro em Portugal, prop~os a construção do Teatro Nacional D. Maria II e a criação do Conservatório de Arte Dramática. Aderenta da Causa Liberal, participou do desembarque do Mindelo e no Cerco do Porto em 1832 e 1833.
Fica este poema:

Perfume da Rosa

Quem bebe, rosa, o perfume
Que de teu seio respira?
Um anjo, um silfo? ou que nume
Com esse aroma delira?

Qual é o deus que, namorado,
De seu trono te ajoelha,
E esse néctar encantado
Bebe oculto, humilde abelha?

- Ninguém? - Mentiste: essa frente
Em languidez inclinada,
Quem ta pôs assim pendente?
Dize, rosa namorada.

E a cor de púrpura viva
Como assim te desmaiou?
e essa palidez lasciva
Nas folhas quem ta pintou?

Os espinhos que tão duros
Tinhas na rama lustrosa,
Com que magos esconjuros
Tos desarmam, ó rosa?

E porquê, na hástea sentida
Tremes tanto ao pôr do sol?
Porque escutas tão rendida
O canto do rouxinol?

Que eu não ouvi um suspiro
Sussurrar-te na folhagem?
Nas águas desse retiro
Não espreitei a tua imagem?

Não a vi aflita, ansiada...
- Era de prazer ou dor? -
Mentiste, rosa, és amada,
E também tu amas, flor.

Mas ai! se não for um nume
O que em teu seio delira,
Há-de matá-lo o perfume
Que nesse aroma respira.

domingo, 26 de agosto de 2012

Do poemário O canto em mim reponho esta poesia:


Canto por las cigarreras de Sevilla

La niña, com su alma suspendida
En las fraguas de la saeta
le pedia a la Macarena dos lunas

Ay Sevilla que se perdieran
tus cigarreras.La Carmen
y su tragedia de riendas y siedas

perdida en la nervuras
del Guadalquivir que corre
en todas las varandas de Sevilla

Y todo es solo aire y agua
y se queda en un punto solo
la Macarena y sus lunas

António Eduardo Lico
Hoje escolho Antonio Gamoneda, um poeta já aqui apresentado e cuja poesia eu aprecio muito:


Poema Blues Del Cementerio

Conozco un pueblo ?no lo olvidaré?
que tiene un cementerio demasiado grande.
Hay en mi tierra un pueblo sin ventura
porque el cementerio es demasiado grande.
Sólo hay cuarenta almas en el pueblo.
No sé para qué tanto cementerio.

Cierto año la gente empezó a irse
y en muchas casas no quedaba nadie.
El año que la gente empezó a irse
en muchas casas no quedaba nadie.
Se llevaban los hijos y las camas.
Tenían que matar los animales.

El cementerio ya no tiene puertas
y allí entran y salen las gallinas.
El cementerio ya no tiene puertas
y salen al camino las ortigas.
Parece que saliera el cementerio
a los huertos y a las calles vacías.

Conozco un pueblo. No lo olvidaré.
Ay, en mi tierra sin ventura,
no olvidaré a mi pueblo.

¡Qué mala cosa es haber hecho
un cementerio demasiado grande!

sábado, 25 de agosto de 2012

Do poemário Amanhecer obscuro reponho esta poesia:


A cal que não fosse ávida de água...

Nunca escrevi versos em que usasse a palavra cal.
Eu sei que nunca tive razões para o fazer,
mas nunca fiz, e assim o digo.
Reconheço que já usei a palavra óxido,
não muitas vezes, mas usei, noblesse oblige.
Usei, já o disse, não para oxidar o poema,
ou provocar outras reacções,
não que eu seja dado ao estudo da química
mas dizem-me que pode haver reacções...
A cal, ao que dizem, é ávida de água
E eu só quero a cal que não é ávida
de água, seja água, água, ou oxigenada;
não digam que estou a usar óxido
neste fazer o poema.
Não sou futurista, nem me corre
nas veias o mais leve ânimo post-moderno,
por isso usei óxido com moderação
e ainda espero a cal que não seja ávida de água.

António Eduardo Lico
Uma poesia de Miguel Torga:


A ORFEU

Das tuas mãos divinas de Poeta
Herdei a lira que não sei tanger;
Por eleição ou maldição secreta,
Tenho uma grade para me prender.

Cercam-me as cordas, de emoção,
Versos de ferro onde me rasgo inteiro.
Mas, do fundo da alma e da prisão,
Obrigado, meu Deus e carcereiro!

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Do poemário Amanhecer obscuro reponho esta poesia:


Reflexão útil num dia de chuva

Eu gosto de tudo o que faço.
O que não faço, não
é aquilo que faço.
Pura Tautolgia! Dir-me-ão:
antes tautólogo
que tarólogo.
Podia ter dito tautologista;
podia ter dito tarologista.
Apenas não quis ficar sem o logos.
Não sou esteta, nem mesmo
obstetra.Poderá haver quem me pense um tetraedo:
não sou e da Geometria
apenas me interessa
a primeira letra.
A chuva cai, líquida
como convém a toda a chuva
e depois pára, sem reflectir.

António Eduardo Lico
Um poesia de António Franco Alexandre, um poeta já aqui apresentado:


CRISTAL DE AZUL, CHAMADO

Cristal de azul, chamado
pela canção das asas,
um novo dia pousa sobre as casas; tu,

coração, de pássaro fulgindo,
corpo do bem-amado
amor que abre na noite o arvoredo. em fogo,

oculto em luz, agora
quem dera ouvir a fábula, o enredo
a rede que nas horas se desprende.

em minha mão humana
não pousam, que passavam, os cantantes
nomes vivos das aves. erguer-me:

em claridade voas. terra
a nenhuma memória subjugada, chama
sulcando o ar, que fontes

de bruma incendiadas levantaram
a simples medida do teu canto?
neve

alada,
ouvir sem voz o vivo vento, corpo
de melro ou cotovia ou nome absolto

no espaço de ar, a vibração da cor;
ou santo colibri, volátil signo;
ou palavra de cego acorrentado;

que luz, em tuas folhas, te deu sombra
e harmoniosa, passageira concha?
que livre amor te inventa, derradeiro

sinal da noite ardendo em meiodia? ou tu,
eternamente repetindo o instante
em teu cinzel de azul nos desejaste?

nenhum secreto nome, nenhum mito
te habita rouxinol ou sapo aflito
mas o sopro da aurora nas colinas;

és, na ramagem, folha que contempla;
trapo de céu, ou rio que cegos vemos,
a transparência que o pudor vestiu.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Do poemário Amanhecer obscuro reponho esta poesia:


Secreta dorme no seu casulo...

Secreta, dorme no seu casulo
um sono suspenso, a crisálida.
Se Darwin te visse!
Se um criacionista, ou mesmo dois,
pudessem penetrar o teu sono!
Até um adepto de Lamarck
poderia investigar o teu caso!
Não queria falar em Lamarck...
Já sei que me vão falar em Lysenko.
Trofim Lysenko para ser quase exacto.
Tinha mais um nome, mas não vou usá-lo.
Quero apenas ser quase exacto.
A exactidão aprende-se, não está na genética.
É isso, Lysenko não queria a genética;
e detestou Mendel; Mendel apreciava ervilhas,
era austríaco, e sem o saber originou a genética:
é o que muitos afirmam; Mendel, nunca soube
que tinha fundado alguma coisa.
Os que dizem que fundou alguma coisa,
sem o saberem, ou os que depois
inventaram o termo GENÉTICA,
talvez apenas gostem de ervilhas!
Lysenko...não se sabe o que originou!
Pelo menos não o sabem os que o criticam
e apenas dizem que o malvado Lysenko
não queria a genética.
Lysenko não queria Mendel e não queria
ervilhas, nem flores de ervilhas.
Indiferente aos meus versos,
aos que trucidam Lysenko em manuais
que apenas são conhecidos no corredor
do Departamento dos autores,
a crisálida dorme sem saber que dorme;
dorme um sono frio e distante.
Dorme e não sonha, nem sabe
que dorme para acordar para a luz.

António Eduardo Lico

Hoje, e em virtude de ser dia do meu aniversário, só agora tenho disponibilidade para de alguma forma actualizar o blog.
Actualizo-o com un soneto de Camões:

Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, 
Muda-se o ser, muda-se a confiança:
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança:
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem (se algum houve) as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto,
Que não se muda já como soía.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Reponho duas poesias do poemário Amanhecer obscuro:


Não sei o que é a Poesia...

Não sei o que é a Poesia;
Se o soubesse, não escrevia poesia.
Para quê escrever o que já se conhece?
Escrevo palavras, e espero
que deuses descuidados
tratem de lhes dar sentido.


Geografias

Escrevi uns versos em que falava
de oceanos tristes.
Os oceanos não são tristes; nem alegres.
São oceanos quando uns senhores
a que chamam geógrafos
decidem que são oceanos.
E decidem que são apenas oceanos; nem tristes, nem alegres.
Se eu escrevesse um verso assim:
“Oh taciturno Atlântico Oceano”.
Teria por certo exegetas, que iriam falar
de uma certa tendência classicista
nos meus versos; talvez até digam que eu estudei Latim...
Teria legiões de geógrafos a reclamarem
em cenáculos nacionais, internacionais e transnacionais
que de oceanos só eles podem falar.
Que nunca foi encontrado um oceano taciturno.
Eu não sou contra os geógrafos.
Devia haver muitos geógrafos. Milhões de geógrafos.
Tinham emprego garantido
A ensinar Geografia aos gringos.
O Mar Negro, é Mar Negro;
se fosse taciturno, ou fosse
outra coisa qualquer,
certamente estaria irritado com os geógrafos.
Os Mares também se irritam?
Porque é apenas Mar Negro
E não Oceano Negro?
Só os geógrafos o sabem.
Eu regresso à Água.

António Eduardo Lico

Fiama Hasse Pais Brandão é a poetisa de hoje.
Nascida em 1938 e falecida em 2007, Fiama foi poetisa, tradutora, ensaísta e dramaturga.
Integrou o Movimento Poesia 61 de que foi um dos principais vultos.
Fica este poema:

Estrada de Fogo

Pedra a pedra a estrada antiga
sobe a colina, passa diante
de musgosos muros e desce
para nenhum sopé;

encurva, na abstracta encruzilhada;
apaga-se, na realidade. Morre
como o rastilho do fogo,
que de campo em campo aberto

seguia, e ao bater na mágica cancela
dobrava a chama, para uma respiração,
e deixava o caminho do portal
incólume e iniciado.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Uma reposição de uma poesia do poemário Este rio que corre sem águas:


Este rio que corre sem águas

 Zeus era lúcido?
Ninguém acredita,
senão não seria uma divindade.
Quem, a não ser um louco
pode assumir a divindade?
Eu não a assumiria;
humildemente aceito
ter demasiada lucidez
e acreditar que os rios correm sem águas,
como o Caos corre sem matéria,
basta-lhe a Noite para correr
até que Céu e Terra se encontrem.

António Eduardo Lico
Uma poesia de Cesário Verde:

Loira

Eu descia o Chiado lentamente
Parando junto às montras dos livreiros
Quando passaste irônica e insolente,
Mal pousando no chão os pés ligeiros.

O céu nublado ameaçava chuva,
Saía gente fina de uma igreja;
Destacavam no traje de viúva
Teus cabelos de um louro de cerveja.

E a mim, um desgraçado a quem seduzem
Comparações estranhas, sem razão,
Lembrou-me este contraste o que produzem
Os galões sobre os panos de um caixão.

Eu buscava uma rima bem intensa
Para findar uns versos com amor;
Olhaste-me com cega indiferença
Através do lorgnon provocador.

Detinham-se a medir tua elegância
Os dandies com aprumo e galhardia;
Segui-te humildemente e a distância,
Não fosses suspeitar que te seguia.

E pensava de longe, triste e pobre,
Desciam pela rua umas varinas
Como podias conservar-te sobre
O salto exagerado das botinas.

E tu, sempre febril, sempre inquieta,
Havia pela rua uns charcos de água
Ergueste um pouco a saia sobre a anágua
De um tecido ligeiro e violeta.

Adorável! Na idéia de que agora
A branda anágua a levantasse o vento
Descobrindo uma curva sedutora,
Cada vez caminhava mais atento.

Mas súbito parei, sentindo bem
Ser loucura seguir-te com empenho,
A ti que és nobre e rica, que és alguém,
Eu que de nada valho e nada tenho.

Correu-me pelo corpo um calafrio,
E tive para o teu perfil ligeiro
Este olhar resignado do vadio
Que fita a exposição de um confeiteiro.

Vi perder-se na turba que passava
O teu cabelo de ouro que faz mal;
Não achei essa rima que buscava,
Mas compus este quadro natural.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Uma reposição de uma poesia do poemário A rosa é a via:


Uma flor na névoa

Eras névoa quando nas manhãs
estendias, preguiçosa, as tuas pétalas.
Entre luz e sombra, entre noite e dia
eras fronteira invisível, um só ponto
de névoa imprecisa e tangível perfume
que esperava o meio-dia.

António Eduardo Lico
Jacques Prévert é o poeta de hoje. nascido em 1900 e falecido em 1977, Prévert foi pieta e roteirista.
O seu estili poético onde afloravam flores surrealistas que se misturavam com uma linguagem comum, humor e sátira, trouxe-lhe grande popularidade como poeta.
Como toteirista é de salientar a sua colaboração, sobretudo com Jean Renoir na feitura de grandes filmes pertencentes ao chamdo realismo poético francês.
Fica este poema:

La belle saison

A jeun perdue glacée
Toute seule sans un sou
Une fille de seize ans
Immobile debout
Place de la Concorde
A midi le Quinze Août.

domingo, 19 de agosto de 2012

Reponho uma poesia do poemário O canto em mim:


Baladilla de la fuente fria que perdió la agua

En la fuente fria
me lavo las penas
y el bien que yo queria
me decia cosas buenas

fuente fria del camiñero
donde está tu agua?
Fuente clara del ayer
dáme un clavel
para prender en mi boca

Tu agua, liquido corcel
galopando con palomas
que ya no la pueden beber

Fuente fria del camiñero
donde está tu agua?
Que me arde una flor
en mi boca

En la fuente fria
me lavo las penas
y el bien que yo queria
me decia cosas buenas

António Eduardo Lico
O poeta de hoje é Herman Melville. (1819-18919)
Escritor, poeta e ensaísta norte-americano, após sucesso inicial, a sua carreira literária foi decaindo e faleceu praticamente esquecido.
Muitos dizem que Moby Dick, o livro que teve um enorme êxito no séc. XX, mas que não obteve êxito durante a vida dio autor, foi a causa do declínio da sua carreira literária.
Fica este poema, com tradução de Mário Avelar:



O ICEBERGUE
(um sonho)

Vi um barco de porte marcial
(De flâmulas ao vento, engalanado)
Como por mera loucura dirigindo-se
Contra um impassível icebergue,
Sem o perturbar, embora o enfatuado barco se afundasse.
O impacto imensos cubos de gelo cair fez,
Soturnos, toneladas esmagando o convés;
Foi essa avalanche, apenas essa –
Nenhum outro movimento, o naufrágio apenas.

Ao longo das escarpas de pálidos cumes,
Nem um ínfimo, frágil raio de luz,
Um prisma sobre os solitários desfiladeiros de verde espelhados,
Vacilou; ou rendas de fino recorte,
Nem ínfimos pendentes em grutas ou minas
Se agitaram quando o perplexo barco se afundou.
Nem as solitárias nuvens de gaivotas, descrevendo
Círculos em torno de um distante cume coberto de neve;
Mas as aves mais próximas, as massas de gelo deslizando
E as praias de cristais, tão pouco se agitaram.
Tremor algum agitou a base
Do feixe de frágeis agulhas de gelo;
Torres escavadas pelas vagas – rochedos
Suspensos, instáveis – imóveis persistiram.
Gaivotas, dormitando lustrosas em escorregadios recifes
Não escorregaram quando, impelido em diante
Pela força da sua própria inércia,
O impetuoso barco, perplexo, se afundou.

Insensível icebergue (pensei), tão frio, tão vasto,
De mortais névoas envolto;
Exalando ainda tua respiração húmida e fria –
À deriva dissolvendo, suscitando a morte;
Embora desajeitado, pesado –
Um marinheiro desajeitado, indolente,
Pesaroso, contigo colide e afunda-se,
Sondando as profundezas do teu precipício,
Nem agita o viscoso verme que, indolente,
Percorre a funérea indiferença de tuas paredes.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Do poemário A rosa é a via reponho esta poesia:


Sotavento

A sotavento do teu perfume
fica a terra da melancolia
onde este obscuros versos começam;
e todo o Sul se veste de vento
para receber o teu perfume.

António Eduardo Lico
Hoje coloco um poema de António Gedeão:



Pedra Filosofal

Eles não sabem que o sonho

é uma constante da vida

tão concreta e definida

como outra coisa qualquer,

como esta pedra cinzenta

em que me sento e descanso,

como este ribeiro manso

em serenos sobressaltos,

como estes pinheiros altos

que em verde e oiro se agitam,

como estas aves que gritam

em bebedeiras de azul.



eles não sabem que o sonho

é vinho, é espuma, é fermento,

bichinho álacre e sedento,

de focinho pontiagudo,

que fossa através de tudo

num perpétuo movimento.



Eles não sabem que o sonho

é tela, é cor, é pincel,

base, fuste, capitel,

arco em ogiva, vitral,

pináculo de catedral,

contraponto, sinfonia,

máscara grega, magia,

que é retorta de alquimista,

mapa do mundo distante,

rosa-dos-ventos, Infante,

caravela quinhentista,

que é cabo da Boa Esperança,

ouro, canela, marfim,

florete de espadachim,

bastidor, passo de dança,

Colombina e Arlequim,

passarola voadora,

pára-raios, locomotiva,

barco de proa festiva,

alto-forno, geradora,

cisão do átomo, radar,

ultra-som, televisão,

desembarque em foguetão

na superfície lunar.



Eles não sabem, nem sonham,

que o sonho comanda a vida,

que sempre que um homem sonha

o mundo pula e avança

como bola colorida

entre as mãos de uma criança.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Uma reposição mais do poemário Amanhecer obscuro:


Ao amanhecer, o mar

Torrencial mar, esse, o Atlântico.
Está perdida essa tua rosa-dos-ventos
como gaivota adormecida na
espuma líquida da tua geografia.
O teu mais célebre náufrago,
esse do Restelo, o Velho,
voga como peixe triste
entre lânguidos corpos de sereias.
Já não tens navegadores
de olhar perdido no horizonte
que te procurem o Oriente e o Poente,
nem largam ténues barcas
para indagarem do Sul, a rosa
quente e promissora que ocultas,
Existes só e inexpugnável
roçando acidental praia
com a tua brilhante espuma
refulgindo de branco
no obscuro amanhecer
com que te cercam.

António Eduardo Lico
O poeta de hoje é Torquato Tasso. nascido em 1544 e falecido em 1595 na véspera de ser coroado poeta laureado, Tasso é  considerado o ápice do Renascimento italiano.
Se bem que muitas das suas biografias dediquem mais tempo ao estudo da sua loucura, em detrimento do estudo da sua poética. Tasso foi contemporãneo do grande poeta Ariosto.
Jerusalém libertada, poema épico que se reporta à conquista de Jerusalém na 1ª Cruzada é a sua obra principal.
Fica este Madrigal, género em que Tasso mostra toda a sua excelência, na tradução de Érico Nogueira:

MADRIGAL

Qual orvalho, ou qual pranto,
que lágrimas aquelas
que correrem do noturno manto
e do luzente rosto das estrelas?
E por que semeou a branca lua
nuvens negras de gotas cristalinas
à relva das colinas?
Por que na noite escura
se ouviram, como gritos, mundo afora
caçar o vento a aurora?
Foram sinais, talvez, de que partiste
e eu, mudo, fiquei triste?

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Reponho uma poesia do poemário Amanhecer obscuro:


Soneto da manhã obscura

 Procuro da manhã o doce orvalho
Com que possa matar a minha sede
Que da infinita noite procede
Como secreto porto onde encalho

Oh gnóstica manhã onde eu talho
O que a minha boca não me pede
E nem o deus antigo intercede
E faz macio o chão em que batalho

Oh noite portentosa e magnífica
Ardes e consomes-te como sonho
Que cada manhã em vão certifica

No meu canto agudo e medonho
Que de ser vão mas claro, dulcifica
O fresco orvalho que me imponho

António Eduardo Lico
Hoje vou colocar um soneto de Camões que me agrada particularmente; sobretudo porque sendo o soneto construído em português, Camões decide terminá-lo em castelhano, e faz o último verso do segunto terceto em castelhano. É uma ousadia poética notável, tendo até em atenção a época em que foi escrito:


O cisne, quando sente ser chegada
A hora que põe termo à sua vida,
Harmonia maior, com voz sentida,
Levanta pela praia inabitada.

Deseja lograr vida prolongada,
E dela está chorando a despedida;
Com grande saudade da partida,
Celebra o triste fim desta jornada.

Assim, Senhora minha, quando eu via
O triste fim que davam meus amores,
Estando posto já no extremo fio,

Com mais suave acento de harmonia
Descantei pelos vossos desfavores
La vuestra falsa fe y el amor mio.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Do poemário Sombras luminosas reponho esta poesia:


Oráculo

 Precisava de ser o oráculo de mim mesmo
Assim como se tivesse um oráculo dentro de mim
não o de Delfos, hoje não me sinto classicista,
nem me apetece fazer alpinismo no Parnaso;
um oráculo ante-moderno, pelo menos
assim não tenho que dar explicações
pelo menos muitas; algumas terei que dar.
Posso sempre desculpar-me com os labirintos,
os oráculos têm labirintos a que só
os purificados podem aceder.
Se ao menos Pitia vivesse em mim!
Creio que vou acabar o dia a meditar
sobre o Bezerro de Ouro e vou
desistir de traçar o meu destino…oracular.

António Eduardo Lico
Hoje, e aproveitando o facto de ter ligação razoável à net deixo uma magnífica tradução do Cântico dos cânticos, do poeta José Tolentino Mendonça:

CÂNTICO DOS CÂNTICOS
IV



Ah és bela minha amada és tão bela teus olhos são pombas
por detrás de teu véu
teu cabelo um rebanho de cabras que descem do monte Galaad
teus dentes rebanho de ovelhas tosquiadas que sobem do banho
todas geraram suas crias nenhuma há estéril entre elas
como fita escarlate teus lábios que formosa é tua boca
tuas faces são metades de romãs por detrás de teu véu
teu pescoço é a torre de David erguida sobre troféus
dela pendem mil escudos todos broquéis de valorosos
teus seios são dois filhotes gémeos de uma gazela
que se apascentam entre os lírios
antes que o dia expire e as sombras se alonguem
irei por mim ao monte da mirra e à colina do incenso
ah és bela minha amiga defeito não há em ti



Comigo do Líbano esposa vem comigo do Líbano
descerás do cimo de Amaná do cume de Senir e do Hermon
dos esconderijos dos leões dos barrancos dos leopardos
roubaste-me o coração minha irmã minha esposa roubaste-me o coração com um só dos teus olhares
com uma só conta dos teus colares
que doces tuas carícias minha irmã minha noiva melhores tuas carícias do que vinho
a fragrância de teus perfumes do que todos os odores
teus lábios são favos escorrendo ó esposa mel e leite sob a tua língua
o aroma dos teus vestidos é o aroma do Líbano.



És jardim fechado minha irmã minha esposa um jardim fechado uma fonte selada
as tuas plantas um bosque de romãzeiras com frutos deliciosos
com cipros e nardos nardo e açafrão
cálamo e canela e toda a sorte de árvores de incenso
mirra e aloés e os bálsamos escolhidos
a fonte do jardim uma cisterna de água viva que jorra desde o Líbano
levanta-te vento norte vem vento do sul soprai no meu jardim espalhem os seus perfumes
entra o meu amado no seu jardim e come seus frutos doces

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Reponho uma poesia do poemário Amanhecer obscuro:


Pior que roubar um banco é fundar um banco

Bertold Brecht

Poema concreto

 Escrevo poemas que quisera
efémeros, como o vento
que beija as flores
e levanta ondas ao mar
para logo se desfazem na areia da praia,
como se o mar todo se acabasse naquele momento.

O vento quando beija as flores
não é como um cheque, ou uma letra:
quando se acabam, os bancos emitem mais.
Mesmo que se lhes acabe o dinheiro,
emitem mais. Porque eu não posso
emitir o meu dinheiro quando se me acaba?
Quando se me acabam as flores, procuro por mais.
O vento quando beija as flores, beija-as
como se nunca acabasse, e se acabasse
o saldo não seria negativo.

Até o Olimpo e os belos deuses gregos
se acabaram; ninguém se importou
em emitir mais; depois vieram profetas
que emitiram deuses e paraísos diferentes

Os bancos e os banqueiros
emitem dinheiro como se
emitissem paraísos e divindades.
Houvera quem os roubasse
como o vento rouba das flores
os perfumes.

António Eduardo Lico

Uma Cantiga de Amigo do João Zorro, trovador do terceiro quartel do século XIII.
Cantou sobretudo temas relativos ao mar.



Em Lixboa sobre lo mar
barcas novas mandei lavrar,
ay mia senhor velida!

Em Lisboa sobre lo lez
barcas novas mandei fazer,
ay mia senhor velida!

Barcas novas mandei lavrar
e no mar as mandei deitar,
ay mia senhor velida!

Barcas novas mandei fazer
e no mar as mandei meter,
ay mia senhor velida!

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Uma reposição do poemário Sombras luminosas:



Diana, ou a lua como reflexo...

Tenso o arco, Diana e a absurda flecha
que fere o silêncio e a luz
De tudo o que és
apenas fica a lua negra
e essa poesia que te enfeita os cabelos.

António Eduardo Lico
Consegui algum tempo de ligação.
Deixo esta poesia de Maria Teresa Horta:

Segredo

Não contes do meu
vestido
que tiro pela cabeça

nem que corro os
cortinados
para uma sombra mais espessa

Deixa que feche
o anel
em redor do teu pescoço
com as minhas longas
pernas
e a sombra do meu poço

Não contes do meu
novelo
nem da roca de fiar

nem o que faço
com eles
a fim de te ouvir gritar

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Uma reposição de duas poesias do poemário A rosa é a via:


Disseram-me...

Disseram-me: a poesia
tem uma música secreta.
Eu digo-vos: as palavras
têm silêncios que rasgam
as notas e fazem as músicas.
Disseram-me: as rosas
têm perfumes secretos.
Eu digo-vos: as rosas
são flores secretas,
os perfumes apenas
nos lembram o segredo.

Sotavento

A sotavento do teu perfume
fica a terra da melancolia
onde este obscuros versos começam;
e todo o Sul se veste de vento
para receber o teu perfume.

António Eduardo Lico

Devido aos problemas de ligação à internet a actualização é bem mais problemática.
Hoje escolhi a poetisa chinesa Yu Xuanji, nascida em 844 e falecida por volta de 869. Trata-se de mais uma grande poetisa que enriquece a grande produção poética da Dinastia Tang.
De Yu Xuanji restaram 50 poemas.
Fica um dos poemas, elaborado a partir da tradução para português de Ricardo Primo Portugal, poeta e diplomata brasileiro e pela sua mulher Tan Chiao:

SENTIMENTOS DE PRIMAVERA – ENVIADO A ZI‘AN

Íngreme a estrada; à montanha, crispam-se escarpas
Áspera a via; sem ti, mais árduo é o caminho,
Vejo o degelo, chega-me o som de tuas rimas,
longe. À neve dos picos, tua imagem de jade

Vinho ordinário, pobres canções não te apresem
Nem, com fúteis parceiros, pernoites ao jogo
Forjado em pinus, não pedra, dure este voto:
aves, voaremos em par; o encontro se apresse

Mesmo se, ao pleno inverno, este dia atravesse,
torno à mais cheia lua, de novo me envolvas
Parto, e tudo o que tenho a  dar-te são despojos:
este poema, lágrimas, luz de viés

domingo, 5 de agosto de 2012

Hoje, 5 de Agosto passa mais um aniversário do fusilamento das treze rosas às mãos dos franquistas. Foram treze vidas ceifadas de jovens mulheres que estavam do lado da Justiça, da Liberdade, dos humilhados e ofendidos. No poemário Sombras luminosas fiz a minha homenagem a essas treze mulheres:


Trece rosas

 Solo en el Verano las rosas son rosas
y en Agosto todas la rosas se vuelven rojas

Dime lo que contemplas
lunita del cementerio del Este?

Ay, yo solo puedo ver las rosas
las rosas que se van a morir

Ya se tocan seguidillas
ya lloran los pañuelos

En el cementerio del Este
hay trece rosas rojas


António Eduardo Lico
Em virtude de em Lisboa não ter actualmente ligação é net e depender de uma ligação wireless, muitas vezes pouco fiável, tem sido difícil actualizar o blog.
Hoje vou fazer a reposição da poesia de um poeta que eu muito admiro, Miguel Hernandez:

LAS ABARCAS DESIERTAS

Por el cinco de enero,
cada enero ponía
mi calzado cabrero
a la ventana fría.

Y encontraban los días,
que derriban las puertas,
mis abarcas vacías,
mis abarcas desiertas.

Nunca tuve zapatos,
ni trajes, ni palabras:
siempre tuve regatos,
siempre penas y cabras.

Me vistió la pobreza,
me lamió el cuerpo el río,
y del pie a la cabeza
pasto fui del rocío.

Por el cinco de enero,
para el seis, yo quería
que fuera el mundo entero
una juguetería.

Y al andar la alborada
removiendo las huertas,
mis abarcas sin nada,
mis abarcas desiertas.

Ningún rey coronado
tuvo pie, tuvo gana
para ver el calzado
de mi pobre ventana.

Toda la gente de trono,
toda gente de botas
se rió con encono
de mis abarcas rotas.

Rabié de llanto, hasta
cubrir de sal mi piel,
por un mundo de pasta
y un mundo de miel.

Por el cinco de enero,
de la majada mía
mi calzado cabrero
a la escarcha salía.

Y hacia el seis, mis miradas
hallaban en sus puertas
mis abarcas heladas,
mis abarcas desiertas.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Reponho hoje dois poemas do poemário A rosa é a via:


Tudo o que sei...

Tudo o que sei é nada
tudo o que não sei, é tudo
o que não sei, e é nada.
Nada é tudo, insisto:
tudo é a rosa.

Disseram-me...

Disseram-me: a poesia
tem uma música secreta.
Eu digo-vos: as palavras
têm silêncios que rasgam
as notas e fazem as músicas.
Disseram-me: as rosas
têm perfumes secretos.
Eu digo-vos: as rosas
são flores secretas,
os perfumes apenas
nos lembram o segredo.


António Eduardo Lico

Uma viagem de Londres para Lisboa com uma longa escala em Munique, impediu-me de poder acessar o blog ontem.
O poeta de hoje é José Luís Peixoto. Nascido em 1977, é poeta e professor.
Fica  esta poesia:

Agarro-me aos teus dedos

agarro-me aos teus dedos
como se me afogasse entre os pensamentos:
de bronze são as palavras
as palavras imperecíveis de bronze
que lacrimejam dos teus olhos
como a tortura ou o silêncio
pois é assim, as mãos urdindo
com amor
as confissões que arranquei a outras noites
quando não regressavas...

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Uma reposição do poemário Que de dentro não se vê:


Era leve, tão leve...

Era leve, tão leve
como na madrugada, o orvalho.
Tão leve como lua flutuando
em rio de líquida substância indefinida.

No limiar do Sol que te saciava a sede
ardias, e a madrugada que em ti se esvaía
corria líquida, adivinhando
os mares que se abriam em azul, como que
se esperassem o vermelho da manhã.

Se na rosa o orvalho caíra
seria leve, tão leve
como na madrugado o orvalho.


António Eduardo Lico
O poeta de hoje é Eduardo Guerra Carneiro.
Nascido em Chaves em 1942, suicidou-se em Lisboa em 2004. Tive a honra de ser seu amigo e conviver com ele.
Guerra Carneiro foi jornalista e poeta. Talvez o último dos poetas surrealistas em Portugal.
Fica este poema:

AFINAL ACABO SEMPRE POR FALAR DE TI

Aqui de novo estou, cantiga, neste
lugar de eleição onde retomo a escrita.
É um vagar premeditado, no regresso ao corpo,
em demorado gosto de bebida dupla. Reparo: a carga
das palavras, canga difícil para quem
deste modo quer fazer o mosto. A poesia
já regressa, por entre cortinados e veludos
e o quarto, a sala, os corredores, o vão
da escada, ressoam com seus passos,
afinal tão leves - a neve no soalho,
difícil no silêncio. Dizia no regresso; assim
desfaço os nós do medo: floresta e engano,
areal distante. Sorris e tudo é novo.
Sim: acabo sempre por falar de ti.