sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Reponho uma poesia do poemário A rosa é a via;


Sotavento

A sotavento do teu perfume
fica a terra da melancolia
onde este obscuros versos começam;
e todo o Sul se veste de vento
para receber o teu perfume.

António Eduardo Lico
Uma poesia de Fernando Echevarria:

Os Vivos Ouvem Poucamente

Os vivos ouvem poucamente. As plantas,
como o elemento aquático domina,
são dadas à conversa. A menor brisa abala
a urna de concórdia estremecida
que, assim, sensível, se derrama
e é solidão solícita.
Os vivos não ouvem nada.
Mas, havendo acedido a essa malícia
de experiência cândida,
os mortos deixam que o ouvido siga
o fluvial diálogo das plantas
umas com outras e todas com a brisa.
Melhor ainda. Quando, nas noites cálidas,
as plantas se sentem mais sozinhas,
os mortos brincam à imitação das águas
inventando palavras de consonâncias líquidas.
E esse amoroso cuidado de palavras
a urna de concórdia vegetal espevita
até que, a horas altas,
a noite, os mortos e as plantas
caiam no sono duma luz solícita.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Reponho uma poesia do poemário A rosa é a via:


Disseram-me...

Disseram-me: a poesia
tem uma música secreta.
Eu digo-vos: as palavras
têm silêncios que rasgam
as notas e fazem as músicas.
Disseram-me: as rosas
têm perfumes secretos.
Eu digo-vos: as rosas
são flores secretas,
os perfumes apenas
nos lembram o segredo.

António Eduardo Lico
Uma poesia de Hélia Correia:

Ouço o incêndio, as fábricas. O berço
do suor interrupto. Ouço às vezes quem se ama
onde o amor não há – apenas morre
no clandestino abrir.
Ouço às vezes quem rompe os mapas cerce
e então na noite recupera as loucas
emigrações da história. Ouço crescendo
secamente os filhos no rancor e na linfa.
Astuciosamente recolhendo as vastidões adversas.
Ouço em momentos fartos o entulho,
desdobrada a raiz, fundar o mês da heresia,
a sábia recriação do sumo.
Ouço o arado. A luz. Profundamente
os barcos segregados na propensão do mar.
Ainda quem a medo desagregue
a centenária paz:
- os homens,
onde os ouço, aqui recordo
as origens compradas do terror.
Os homens, onde os ouço, aqui confirmo
suas mãos.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

De Carlos Paredes, a música António Marinheiro do disco Movimento Perpétuo gravado em 1971:


Reponho uma poesia do poemário Amanhecer obscuro:


Marinheiros de Lisboa (nas Descobertas)

Eram apenas carne e ossos obscuros
os anónimos marinheiros de Lisboa.
Foram gente famosa, homens de aventura
e ninguém os conhecia, ou veio a conhecer.
Navegavam como se o Tejo nunca acabasse,
carregavam todas as gaivotas, como se
de guitarras se tratasse, e cantavam...

António Eduardo Lico
Uma poesia de Egito Gonçalves:

Nesta fase em que só o amor me interessa
o amor de quem quer que seja
do que quer que seja
o amor de um pequeno objecto
o amor dos teus olhos
o amor da liberdade

o estar à janela amando o trajecto voado
das pombas na tarde calma

nesta fase em que o amor é a música de rádio
que atravessa os quintais
e a criança que corre para casa
com um pão debaixo do braço

nesta fase em que o amor é não ler os jornais

podes vir podes vir em qualquer caravela
ou numa nuvem ou a pé pelas ruas
- aqui está uma janela acolá voam as pombas -

podes vir e sentar-te a falar com as pálpebras
pôr a mão sob o rosto e encher-te de luz

porque o amor meu amor é este equilíbrio
esta serenidade de coração e árvores

terça-feira, 27 de novembro de 2012

A primeira poesia musicada e cantada por Luís Cília:



Reponho uma poesia do poemário Amanhecer obscuro:


Não sei o que é a Poesia...

Não sei o que é a Poesia;
Se o soubesse, não escrevia poesia.
Para quê escrever o que já se conhece?
Escrevo palavras, e espero
que deuses descuidados
tratem de lhes dar sentido.

António Eduardo Lico
A poesia provençal é uma das joias da Cultura Europeia.
Coloco hoje uma poesia de um dos grandes trovadores provençais e ao lado a tradução de Graça Videira Lopes:

BERNART DE VENTADORN (…1150-80…)
Quan vei la lauzeta mover
de joi sas alas contra ‘l rai,
que s’oblid’ e.s laissa chazer
per la doussor c’al cor li vai,
ai! tan grans enveia m’en ve
de cui qu’eu veia jauzion!
Meravilhas ai, car desse
lo cor de desirer no.m fon.

Ai, las! tan cuidava saber
d’amor, e tan petit en sai!
Car eu d’amar no.m posc tener
celeis don já pro non aurai.
tout m’a mo cor, e tout m’a me,
e se mezeis e tot lo mon!
E can se.m tolc, no.m laisset re
mas desirer e cor volon .

Anc non agui de me poder
ni no fui meus de l’or’ en sai
que.m laisset en sos olhs vezer
en un miralh que mout me plai.
Miralhs, pos me mirei en te,
m’já mort li sospir de preon,
c’aissi.m perdei com perdet se
lo bels Narcisus en la fon.

De las domnas me desesper!
Já mais en lor no.m fiarai!
C’aissi com las solh chaptener,
Enaissi las deschaptenrai;
pois vei c’una pro no m’en te
vas leis que.m destroi e.m cofon,
totas las dopt’ e las mescrè,
car be sai c’atretals se son.

D’aisso’s fa be femna parer
ma domna, per qu’e.lh o retrai:
car no vol so c’om deu voler,
e so c’om li deveda, fai.
Chazutz sui en mala mercè,
e ai be faih co.l fols en pon!
E no sai per que m’es devè,
mas car trop poiei contra mon.

Merces es perduda, per ver,
e eu non o saubi anc mai,
car cilh qui plus en degr’aver,
no.n a ges, e on la querrai?
Ah! can mal sembla, qui la vè,
qued aquest chaitiu desiron
que já ses leis non aura be,
laisse morrir, que no l.aon 

Pos ab midons no.m pot valer
precs ni merces ni.l dreiz qu’eu ai,
ni a leis no já a plazer
qu’eu l’am, já mais no.lh o dirai.
Aissi.m part de leis e.m recrè!
Mort m’a, e per mort li respon,
e vau m’en, pus ilh no.m retè,
Chaitius, en issilh, no sai on.

Tristans, ges no.n auretz de me,
qu’eu m’en vau, chaitius, no sai on.
de chantar me gic e.m recrè,
e de joi e d’amor m’escon .


Quando vejo a cotovia mover
de alegria as asas contra o raio
que se esquece e se deixa cair
com a doçura que no coração lhe vai
ai! tão grande inveja me vem
daqueles que vejo andar contentes!
E maravilho-me eu como de repente
de desejo o meu coração não se funde.

Ai eu! tanto cuidava saber
de amor e tão pouco sei!
Pois eu de amar não me posso conter
aquela cujo favor nunca terei;
tem o meu coração e tem-me todo a mim,
tem-se a si própria e ao mundo inteiro!
E quando me tomou nada mais me deixou
senão desejo e coração voraz.

Perdi já eu sobre mim o poder
e deixei de ser meu desde o instante
em que me deixou nos seus olhos ver,
num espelho que me agrada tanto.
Espelho, pois me mirei em ti,
mataram-me os suspiros mais profundos,
que assim me perdi, como se perdeu
o belo Narciso na fonte.

Das donas me desespero,
não mais nelas me fiarei!
Que assim como as usava defender
assim as desabonarei;
pois vejo que nenhuma me auxilia
junto daquela que me destrói sem razão,
de todas duvido, de todas desconfio,
pois sei bem que todas iguais são.

Nisso faz bem o papel de mulher
a minha dona, que condeno assaz:
pois não quer o que se deve querer
e o que lhe é vedado faz.
Caído sou em sua impiedade
e agi pois como o louco na ponte!
E não sei porque me vou curvado
se não por querer subir alto monte.

Piedade está perdida a valer,
e eu não o soube jamais,
pois aquela que mais a deveria ter
não a tem; e onde a irei buscar?
Ah! como pouco parece, a quem a vê,
que este cativo amador,
que já sem ela não encontrará bem,
deixe morrer, sem socorro lhe dar!

Pois com minha dama não me podem valer
preces, nem piedade, nem meu bom direito,
nem a ela não lhe causa prazer
que eu a ame, jamais lho direi.
E assim dela me afasto e me rendo!
Pois me matou, como morto lhe respondo,
e vou-me daqui, pois ela não me retém,
cativo, em exílio, não sei onde.

Tristão, nada mais tereis de mim,
pois me vou, cativo, não sei onde;
ao cantar volto costas e me rendo assim,
e da alegria e do amor me escondo.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Reponho uma poesia do poemário Amanhecer obscuro:


Soneto da manhã obscura

Procuro da manhã o doce orvalho
Com que possa matar a minha sede
Que da infinita noite procede
Como secreto porto onde encalho

Oh gnóstica manhã onde eu talho
O que a minha boca não me pede
E nem o deus antigo intercede
E faz macio o chão em que batalho

Oh noite portentosa e magnífica
Ardes e consomes-te como sonho
Que cada manhã em vão certifica

No meu canto agudo e medonho
Que de ser vão mas claro, dulcifica
O fresco orvalho que me imponho

António Eduardo Lico
Uma poesia de Francisco de Quevedo:



A AMINTA, QUE SE CUBRIÓ LOS OJOS CON LA MANO

Lo que me quita en fuego, me da en nieve
La mano que tus ojos me recata;
Y no es menos rigor con el que mata,
Ni menos llamas su blancura mueve.

La vista frescos los incendios bebe,
Y volcán por las venas los dilata;
Con miedo atento a la blancura trata
El pecho amante, que la siente aleve.

Si de tus ojos el ardor tirano
Le pasas por tu mano por templarle,
Es gran piedad del corazón humano;

Mas no de ti, que puede al ocultarle,
Pues es de nieve, derretir tu mano,
Si ya tu mano no pretende helarle.

domingo, 25 de novembro de 2012

Carlos Paredes tocando uma música feita pelo seu avô Gonçalo Paredes, também ele guitarrista:



Reponho uma poesia do poemário Amanhecer obscuro:


Havia um crítico...

Havia um crítico que gostava de criticar poesia.
Digo analisar. E analisava!
Analisava em jeito de caixa de petri,
Dizem-me alguns que era mais tubo de ensaio.
Não sei se era um senhor alto, ou baixo,
se usava chapéu e se fazia ginástica.
Se a fazia, não a devia fazer
os críticos nunca fazem ginástica,
com excepção dos críticos que a fazem,
poderia dizer um filósofo
que subitamente virasse lógico.
Perante o poema, sim, faz ginástica:
Fala de Lyotard, sim esse mesmo
que foi promovido a fenomenologista;
vejam bem, ele falava de fenomenologia,
e nem sei como não o promoveram
à incarnação gaulesa de Kant:
assim, uma espécie de Kant
perdido nos canteiros de Versalhes
e nas alamedas das universidades
olhando para as pernas das jovens estudantes.
Por sorte (a de Kant), Kant há muito morreu,
ainda seria olhado como pós-moderno.
Estou a ver: Kant, esse prolegómeno pós-moderno!
Depois desse Lyotard é que chegam os exercícios pesados:
Chega Sein unt Zeit, chega Heidegger.
Pois ele não dizia que era herdeiro
legítimo da tradição metafísica europeia,
e que estava solidamente escorado no niilismo,
e até falava de ontologia
e do esquecimento do ser como centro de interrogação
e que a linguagem é a casa do ser?
Se for caso disso, remata o exercício com Baudrillard,
de caminho vai dizendo que Platão e Aristóteles eram gregos...
Eu nunca escrevi um poema que fosse assim:
As rosas ao meio dia são mais antigas
que as rosas às onze horas.
Eu sei que nunca escrevi, mas poderia ter escrito
Não escrevi, porque não sou dado a exercícios.
Se escrevesse, iriam trazer Lyotard, para falar
Da pós-modernidade moderna sem modernistas,
de como a democracia tanto deve
ao professor nazi de filosofia
Martin Heidegger de seu nome, substituto de Husserl
iriam trazer esse Baudrillard, ou outros.
Melhor era usarem um manual de jardinagem
um dos bons, que os há.
Os manuais de jardinagem sabem falar de rosas.
Os poetas, como não sabem falar de rosas
falam das rosas que irão um dia existir,
se existirem!

António Eduardo Lico
Uma poesia de Inês Lourenço:

Ícaro

Um cão pertence mais á Terra,
aos seus limites, até ao último
rio. Mas ao que vive na casa
em frente, foi dado este nome
volátil. Quando só, ele constrói,
como quase todos os cães,
aquele som agudo de sobrevoar
ausências, que faz do regresso
de qualquer lazarento dono,
o latido solar da alegria.

sábado, 24 de novembro de 2012


De Carlos Paredes Em memória de uma camponesa assassinada:



Reponho uma poesia do poemário Amanhecer obscuro:


Geografias

Escrevi uns versos em que falava
de oceanos tristes.
Os oceanos não são tristes; nem alegres.
São oceanos quando uns senhores
a que chamam geógrafos
decidem que são oceanos.
E decidem que são apenas oceanos; nem tristes, nem alegres.
Se eu escrevesse um verso assim:
“Oh taciturno Atlântico Oceano”.
Teria por certo exegetas, que iriam falar
de uma certa tendência classicista
nos meus versos; talvez até digam que eu estudei Latim...
Teria legiões de geógrafos a reclamarem
em cenáculos nacionais, internacionais e transnacionais
que de oceanos só eles podem falar.
Que nunca foi encontrado um oceano taciturno.
Eu não sou contra os geógrafos.
Devia haver muitos geógrafos. Milhões de geógrafos.
Tinham emprego garantido
A ensinar Geografia aos gringos.
O Mar Negro, é Mar Negro;
se fosse taciturno, ou fosse
outra coisa qualquer,
certamente estaria irritado com os geógrafos.
Os Mares também se irritam?
Porque é apenas Mar Negro
E não Oceano Negro?
Só os geógrafos o sabem.
Eu regresso à Água.

António Eduardo Lico
Uma poesia da poetisa galega Maria do Cebreiro:

(INTENCIÓNS)

Non levo té nas palmas pero teño unhas xemas
que poden rebentar en calquera momento.
Asisto á prehistoria das raíces
e os meus dedos ensaian a caricia só porque non te poden rabuñar.
Con auga da traída
preparo unha infusión de finísimas herbas
e o verde leva un nome proscrito de muller, de maría, de min.
Tamén quero casar pero non teño roupa.
Por iso ás veces penso no xabrón do lagarto,
nas eventualidades, miña nai:
enxugar outra vez a saia coa que andaba perdida por aí
(igual que a carolina íspome polos pés).
Primeiro eu almorzaba malas herbas ata un fondo chamado última gota
e logo
así fregaba a louza, así, así,
mesturando na lingua memoria con desexo.
Imito a voz de isolda,
lamento o meu destino moito máis torpemente que luísa
insisto (sempre insisto) en preguntar,
coas miñas mans tan brancas
sumidas nos cacharros máis profundos.
Podía demorarme en refregar a carne contra tódolos concos
para apañar os restos dun pouso tan acedo como inútil.
Pedín xogar a bico, verdade ou consecuencia
pero non me deixaron.
Así pasaba o ferro, así, así
coa traizón dos outros incendiándome o pulso,
e emprendía reformas nese cuarto que por desgracia todos levamos dentro
ou tapaba as goteiras dun faiado
que ardera sendo eu inmediatamente anterior na orde do tránsito.
O braseiro e a decadencia son case a mesma cousa.
Sorprendeume entre os dedos o espertar do remol
Porque me souben lúcida pero sentimental despois de todo.
Así berrei por fin, así, así,
solicitando asilo, pedra pómez, calquera circunstancia respirábel.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Mais um poema de Camões musicado e cantado por José Afonso: Endechas à Bárbara Escrava:




Reponho uma poesia do poemário Amanhecer obscuro:


Pior que roubar um banco é fundar um banco

Bertold Brecht

Poema concreto

Escrevo poemas que quisera
efémeros, como o vento
que beija as flores
e levanta ondas ao mar
para logo se desfazem na areia da praia,
como se o mar todo se acabasse naquele momento.

O vento quando beija as flores
não é como um cheque, ou uma letra:
quando se acabam, os bancos emitem mais.
Mesmo que se lhes acabe o dinheiro,
emitem mais. Porque eu não posso
emitir o meu dinheiro quando se me acaba?
Quando se me acabam as flores, procuro por mais.
O vento quando beija as flores, beija-as
como se nunca acabasse, e se acabasse
o saldo não seria negativo.

Até o Olimpo e os belos deuses gregos
se acabaram; ninguém se importou
em emitir mais; depois vieram profetas
que emitiram deuses e paraísos diferentes

Os bancos e os banqueiros
emitem dinheiro como se
emitissem paraísos e divindades.
Houvera quem os roubasse
como o vento rouba das flores
os perfumes.

António Eduardo Lico
Uma poesia do poeta mexicano Reynaldo Jimenez:



Caudal

a Douglas Diegues

Arde una gota de ámbar
en la herida del árbol
que naciendo sigue.

El suspenso altera el aleteo
de las horas reunidas a su peso:
hasta la pulpa, espera es
del corazón el fruto.

Y en el modo de abrirse
o nadar la duda, velo.
Febrífugo velo.

Inflorescencia cimosa o del racimo
(corimbo, espiga, umbela, capítulo:
maneras de alzar vuelo, premisas
que la prisa perdió en son de cima).

Tanto ocupan espacio los infiernos.

Habitan la hoguera silencios
de madera nudosa y ya sin núcleo.

Cromosoma en espartano esplendor
de su celda de monje cuyo libro
abierto ya no aparta, ya no trata
de aplacar a los ancestros
ni se harta en duplicar espanto.

La luz es insaciable anciana.
Rapta lo propio y lo reparte.

Y en los abiertos miedos viene el polen.
Navega a medias nada vientre la duración.


Tanto trato en atrapar consistencias,
pero nunca el pulso,
nunca el relámpago que se desea.

De semejanzas arrancado,
de hambres fronterizas.
No ha lugar
para más mundo en esa llama.

Anillos
de la tortuga hacia adentro.
La edad del árbol. La edad
del rocío.

Su costra petrificada oscila en costas
de un corte influido por ensueño,
pero infiltra su insistencia de roce,
un origen a destiempo penetra.

El néctar asumido
sume a un balanceo de ínsula visual,
humus del pasaje aun sin muerte.

Y según se hunda estar,
la Hélade de pétalos,
toda deseo de ser piel.

Hace bien esta luz
frágil, de campo.
Declara que nunca he visto la flor de caña.
Y que no hay hambre que se aleje.

Estambres suyos perfilan lo invisible
y en la boca toda del cuerpo, Medusa
desflora a su adolescente en flor
y la floresta del sonido.

Comunican las plantas una aurora.
Luego el rocío de Santa Rosa.
Un caracol se pegó al vidrio.
La diosa besa vestigios.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Mais do que uma vez, José Afonso musicou e cantou poesias de Camões.
Fica Verdes são os campos:



Reponho uma poesia do poemário Amanhecer obscuro:


Once… a few verses

Once I wrote a few verses

there were nightingales on your fingers,
green snakes grew up from your hair
as if Spring was inside you

I wrote a few more
but I can’t remember them
they were destroyed
by the acid only time has

someone told me
that using the word acid
was good for my poetry
critics love reading
this word trough the poems

oh critics, see how well
I use the word acid!
What? No, I am not a chemist
nor even a grammarian
I just draw words
without knowing the meaning

If I was a poet, pardon, a critic
or a thin literate, I should know
that nightingales belong to the dawn
and snakes to the Scriptures.
Spring is a question of Cancer
or Capricorn, all depends on latitude.
I am not a geographer
and I have to finish some verses:

there were nightingales on your fingers,
green snakes grew up from your hair
as if was Spring inside you…

If you don’t mind!

António Eduardo Lico

Uma poesia de Eugenio Montale:

Traz-me um girassol

Traz-me um girassol para que o transplante
no meu árido terreno
e mostre todo o dia
ao espelho azul do céu
a ansiedade do teu rosto
amarelento

Tendem à claridade as coisas obscuras
esgotam-se os corpos num fluir
de tintas ou de músicas. Desaparecer
é então a dita das ditas

Traz-me tu a planta que conduz
aonde crescem loiras transparências
e se evapora a vida como essência
Traz-me o girassol de enlouquecidas luzes.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Reponho uma poesia do poemério Amanhecer obscuro:


Cur non mitto meos tibi, Pontiliane, libellos ?
Ne mihi mittas, Pontiliane, tuos.

(Marcial, Epigr., VII, 3)

O binómio de Newton não é belo
é apenas um binómio:

é uma expressão que permite
calcular o desenvolvimento
de (a+b)n, sendo a+b um binómio
e n um número

Se ao menos n não fosse um número...
mas é! Dizem que é até um número natural

Os números podem até ser naturais
e pode ser reclamada a propriedade dos binómios;
continuarão a ser apenas expressões
de algo que não sabemos sequer se sabemos

Alexandre tinha inveja de Aquiles
que foi cantado por Homero.
Não teria inveja daquele binómio, o de Newton;
ao que sabemos, Newton não cantava

E mesmo que cantasse!
Já tinha estragado tudo
fazendo um binómio

Binómios não se fazem;
sabe-se que se podem fazer.
mas não se fazem!

Goethe preferia a injustiça à desordem
Newton preferia os binómios
o que será pior?

O binómio de Newton não é belo;
se não fosse de Newton, nem binómio
seria belo

António Eduardo Lico
Uma poesia de François Villon:

Ballade des dames du temps jadis

Dites-moi où, n'en quel pays,
Est Flora la belle Romaine,
Archipiades, ni Thais,
Qui fut sa cousine germaine,
Écho parlant quand bruit on mène
Dessus rivière ou sus étang,
Qui beauté eut trop plus qu'humaine.
Mais où sont les neiges d'antan ?

Où est la très sage Hélois,
Pour qui châtré fut et puis moine
Pierre Esbaillart à Saint Denis ?
Pour son amour eut cette essoyne.
Semblablement où est la reine
Qui commanda que Buridan
Fut jeté en un sac en Seine ?
Mais où sont les neiges d'antan ?

La reine Blanche comme lys
Qui chantait à voix de sirène,
Berthe au grand pied, Bietris, Alis,
Haremburgis qui tint le Maine,
Et Jeanne la bonne Lorraine
Qu'Anglais brulèrent à Rouen ;
Où sont-ils, où, Vierge souv'raine ?
Mais où sont les neiges d'antan ?

Prince, n'enquerrez de semaine
Où elles sont, ni de cet an,
Qu'à ce refrain ne vous ramène :
Mais où sont les neiges d'antan ?

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Reponho uma poesia do poemário Amanhecer obscuro:


A cal que não fosse ávida de água...

Nunca escrevi versos em que usasse a palavra cal.
Eu sei que nunca tive razões para o fazer,
mas nunca fiz, e assim o digo.
Reconheço que já usei a palavra óxido,
não muitas vezes, mas usei, noblesse oblige.
Usei, já o disse, não para oxidar o poema,
ou provocar outras reacções,
não que eu seja dado ao estudo da química
mas dizem-me que pode haver reacções...
A cal, ao que dizem, é ávida de água
E eu só quero a cal que não é ávida
de água, seja água, água, ou oxigenada;
não digam que estou a usar óxido
neste fazer o poema.
Não sou futurista, nem me corre
nas veias o mais leve ânimo post-moderno,
por isso usei óxido com moderação
e ainda espero a cal que não seja ávida de água.

António Eduardo Lico
Uma poesia de João Miguel Fernandes Jorge:

Vimos do Tempo da Falta Mínima

Vimos do tempo da falta mínima
da casa construindo as folhas de quadrícula
(quando um traço mais que expressivo preenche
o vazio de uma folha)
nem beleza nem fim
nem número ordenador como fantasma.

Todas as memórias partilhámos
a ruína compreende tudo.
Compreender quer dizer abraçar
(linhas e cruzamentos na procura da folha)
o mundo inteiro nos é dado.

Mais tarde (mais além
dois furos a passagem para o útil)
as dunas darão lugar a campos cultivados?
Quero dizer
não rejeito do movimento toda a impaciência
toda a dissolução.
(pouco a pouco) Até onde podemos ir?

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Reponho uma poesia do poemário Amanhecer obscuro:


Em Maio houve Maiakovski

Em Maio veio Maiakovski, o futurista
trazer as flores que Maio não tinha
e versos que soavam como bigornas.
Se calhar pensam que foste jansenista,
ou modernista, sem ser moderno.
Como tu gostavas de quadrados!
Há quem te pense até um geómetra
e veja nos teus poemas
o despontar de um novo Pitágoras -
de cada adjectivo fazias uma hipotenusa
davas formas poligonais aos advérbios
até fizeste triângulos com interjeições...
e da sintaxe fizeste um soviete, o supremo.
Dizem-me que mesmo um soviete
por supremo que seja não é geometria.
Não terá ao menos uma linha recta?
Era Abril, e já pressentias o futuro Maio
tu que eras um futurista condicional
e desenhaste em Abril
todas as flores que devem enfeitar os Maios.

António Eduardo Lico
Uma poesia de Daniel Filipe:

Meu país

Meu país meu pais
Do céu límpido calmo
De campos cultivados
De praias e montanhas.

É para ti meu canto
A minha esperança.

Ouço a tua voz triste
Oh, meu país sem culpa
Ouço-a nos dias mornos
No amanhecer cinzento.

E é para ti meu canto
A minha esperança.

Meu país onde a traição domina
E o medo assoma nas encruzilhadas
Meu país de prisões e covardias
E de ladrões de estradas.

Meu país de operários
Cavadores, marinheiros
Meu país de mãos grossas
Plebeu, sensual, resistente.

É para ti meu canto
A minha esperança.

Para ti meu país
Levanto a minha voz sobre o silêncio
Desta noite de angústias
E de medos.

Nada pode calar
O nosso riso aberto
Ei-lo que invade
A terra portuguesa
E vozes juvenis formam o coro.

Por isso é para ti meu canto
A minha esperança.

Já ouço passos,
Vêem na distância
Desfraldando bandeiras e cantando
E é para ti oh! meu país liberto
O seu canto de esperança e claridade.

domingo, 18 de novembro de 2012

Cantar Alentejano de José Afonso, do disco Cantigas do Maio de 1971:


Reponho uma poesia do poemário Amanhecer obscuro:


Soneto da manhã obscura

 Procuro da manhã o doce orvalho
Com que possa matar a minha sede
Que da infinita noite procede
Como secreto porto onde encalho

Oh gnóstica manhã onde eu talho
O que a minha boca não me pede
E nem o deus antigo intercede
E faz macio o chão em que batalho

Oh noite portentosa e magnífica
Ardes e consomes-te como sonho
Que cada manhã em vão certifica

No meu canto agudo e medonho
Que de ser vão mas claro, dulcifica
O fresco orvalho que me imponho

António Eduardo Lico
Uma poesia de Li Bai. Versão minha a partir de uma tradução castelhana.

Quanto amo o monte Tong! É a minha alegria.
Passaria nele cem anos sem pensar no regresso.
Gostaria de dançar agitando as minhas mangas
E de uma só vez, roçar todas as copas dos pinheiros.

sábado, 17 de novembro de 2012

Canta camarada de José Afonso. Trata-se de uma canção de contrabandista do século XIX. Rapidamente se transformou num hino de resistência. Foi gravado em 1969:


Reponho uma poesia do poemário Amanhecer obscuro:


Secreta dorme no seu casulo...

Secreta, dorme no seu casulo
um sono suspenso, a crisálida.
Se Darwin te visse!
Se um criacionista, ou mesmo dois,
pudessem penetrar o teu sono!
Até um adepto de Lamarck
poderia investigar o teu caso!
Não queria falar em Lamarck...
Já sei que me vão falar em Lysenko.
Trofim Lysenko para ser quase exacto.
Tinha mais um nome, mas não vou usá-lo.
Quero apenas ser quase exacto.
A exactidão aprende-se, não está na genética.
É isso, Lysenko não queria a genética;
e detestou Mendel; Mendel apreciava ervilhas,
era austríaco, e sem o saber originou a genética:
é o que muitos afirmam; Mendel, nunca soube
que tinha fundado alguma coisa.
Os que dizem que fundou alguma coisa,
sem o saberem, ou os que depois
inventaram o termo GENÉTICA,
talvez apenas gostem de ervilhas!
Lysenko...não se sabe o que originou!
Pelo menos não o sabem os que o criticam
e apenas dizem que o malvado Lysenko
não queria a genética.
Lysenko não queria Mendel e não queria
ervilhas, nem flores de ervilhas
Indiferente aos meus versos,
aos que trucidam Lysenko em manuais
que apenas são conhecidos no corredor
do Departamento dos autores,
a crisálida dorme sem saber que dorme;
dorme um sono frio e distante.
Dorme e não sonha, nem sabe
que dorme para acordar para a luz.

António Eduardo Lico

Uma poesia de Juan Ramón Jimenez:

LA ROSA AZUL

¡Que goce triste este de hacer todas las cosas como ella las hacía!
Se me torna celeste la mano, me contagio de otra poesía
Y las rosas de olor, que pongo como ella las ponía, exaltan su color;
y los bellos cojínes, que pongo como ella los ponía, florecen sus jardines;
Y si pongo mi mano -como ella la ponía- en el negro piano,
surge como en un piano muy lejano, mas honda la diaria melodía.

¡Que goce triste este de hacer todas las cosas como ella las hacía!
me inclino a los cristales del balcón, con un gesto de ella
y parece que el pobre corazón no está solo.
Miro al jardín de la tarde, como ella,
y el suspiro y la estrella se funden en romántica armonía.

¡Que goce triste este de hacer todas las cosas como ella las hacía!
Dolorido y con flores, voy, como un héroe de poesía mía.
Por los desiertos corredores que despertaba ella con su blanco paso,
y mis pies son de raso -¡oh! Ausencia hueca y fría!-
y mis pisadas dejan resplandores.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Reponho uma poesia do poemário Amanhecer obscuro:


Une Voyage

Les violons

Ah, o teu nome é obscuro - Louis-Ferdinand Destouches,
então surge aquilo que te decifra e te consome – Celine.
Celine, eis o nome, alguns dirão até 666.

Crépuscule

Et ton Voyage au bout de la nuit?
Tu dizias que não eras um homem de ideias,
as ideias, estavam nos livros, volumes e volumes;
a ti só o estilo de interessava.
Tu étais un homme à style.
Não te perdoaram que tivesses escrito
O inesperado de Voyage au bout de la nuit,
Algo assim, só eles podiam fazer.
Adivinhaste, culpam-te dos Pamphlets;
culpam-te ainda mais dos Pamphlets,
e dizem a palavra definitiva: antisémite;
essa palavra com que exterminam
todos os que não gostam; e eles não gostam de muitos.
De mim, é difícil dizerem que sou um desses, vejamos:
Gosto dos Fenícios, eram semitas,
e se não eram deveriam ser.
Gosto do povo de Kem, eram os egípcios antigos,
e eram semitas genuínos, genuínos mesmo.
Gosto dos Camitas, e porque não dos Filisteus?
acaso não eram semitas? Dos da Babilónia
gosto também, e são semitas desde sempre;
hoje ninguém se lembra, mas eles podem esquecer-se;
e esqueceram-se, esqueceram-se.
Já vai longe a Suméria, diziam que vinham da Anatólia
(os Sumérios – claro)
e depois, a sua brilhante civilização
foi substituída por sucessores semitas.
Eles esquecem-se, e até dizem que a História começa
com a Suméria. Eles esquecem-se, esquecem-se.
Estão sempre a esquecer-se;
mesmo quando não se esquecem,
é porque se esqueceram.
Vejam bem, eu gosto dos Assírios!
Gosto até dos Hititas, mas esses não eram semitas,
mas gosto deles; vieram da Anatólia (o que não era longe)
e conquistaram o Egipto, conquistaram Kem.
Gosto dos Hebreus; os da Babilónia tinham
um nome pare eles: Habiru.
Freud, que de Viena antevia Moisés, o egípcio,
Não esqueceu o nome – Habiru.
Ah pensaram que me esqueci dos da Galileia?
Esses não eram Hebreus; eram Galileus
e a Galileia teve que ser conquistada;
tinha uma divindade rival da de Jerusalém.
Tu não sabias nada disto, sempre ignoraste
os ardis subtis da História e das estórias,
eras médico e eras styliste.

Finale

Louis-Ferdinand, (où Celine), écoutes moi bien !
Ainda procuram, ou vasculham,
talvez sejam apenas como os voyeurs,
apenas querem ver. Talvez pensem em Haia...
(projectivamente, bem entendido).
Écoutes! Eles procuram,
procuram as tuas últimas cartas,
não te querem publicar a ti,
querem interpretar as tuas últimas cartas;
parecem condenados à guilhotina,
esperando com angústia de condenados
o seu último e longo minuto,
esse antes do frio da lâmina.
Ahhhh, quiseram-te apenas médico,
e com absoluta assepsia
asseguraram-se disso mesmo!
Presumo que sorriste,
tu est un styliste.

António Eduardo Lico






Uma poesia de Fernando Grade:



O PRESTES A AFOGAR-SE

O prestes a afogar-se tinha na jaqueta vermelha uma navalha em flor
um certificado de verticalidade cìvica um livro de cheques pleno de números redondos
tinha muitas coisas belas para conquistar os olhos das mulheres
Era um homem bom e poderoso o prestes a afogar-se
mas nada disto servia para atingir a outra margem
nem as unhas polidas nem os dentes brancos nem os cigarros de marca estrangeira
O prestes a afogar-se era um bom partido para qualquer donzela
com os seus olhos azuis um metro e setenta de esperteza
e uma cultura parisiense fora as regras avulsas da etiqueta
(ai como ele sabia falar do Prado e dos arranha-céus de New York!)
mas nada disto tinha ali razão de ser ou valor de troca


Naquele momento o prestes a afogar-se
homem culto sem vicios e sem manchas
tinha o maior defeito do mundo:
NÃO SABIA NADAR.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Reponho uma poesia do poemário Amanhecer obscuro:


De noite os gatos...

De noite os gatos, sim os gatos,
não lêem autores franceses
nem uivam para a lua.
Se o fizessem, eram literatos
e haveria sempre alguém
disposto a dizer que eram lobos,
por certo esquecendo
que os lobos não lêem autores franceses.
Dou por certo que um fleumático politólogo,
disfarçado de crítico literário
vai afirmar, e demonstrar (e depois ficar famoso)
que gatos e lobos não são afrancesados,
nem escrevem ensaios inquietos
acerca do gaullisme de Malraux
e da sua entrada tardia na Resistence.
ah, o crítico, ah o crítico literário,
heterónimo mundano dos politólogos,
não vai compreender porque Malraux entrou cedo
na Guerra Civil de Espanha,
e nem sequer vai dar um sentido estético
às fotos de Malraux de cigarro na boca.
Por certo vai fingir que não sabe que Malraux
gostava de bavarder  sobre erotismo.
Vai ficar intimidado e com vergonha,
pois não pode citar Braudillard, e outros,
para explicar porque, para alguns Malraux era trotskista
e para Natalie Trotski era stalinista.
Como vais explicar que alguém como Malraux,
tão elegante e cosmopolita, e que viajou ao Oriente
não fosse um ícone de 68?
Voyons e a Condição Humana?
Vais também dizer que é uma Fleur du Mal?
Que era política disfarçada de literatura?
Ou talvez queiras demonstrar, bem à francesa
que ele era um nihlista; sim, assim ficas descansado!
Eram filosofias! Nada mais que filosofias.
E nem sequer vais dizer como eu: niilista;
vais dizer nihilista, era o que Malraux era,
os politólogos sabem latim, e já leram
Marco Aurélio, e Cícero; alguns sabem,
Oh volúpia de sabedoria, o genitivo de Cícero,
e naturalmente escrevem: Cicero.
Até sabem que Séneca foi estóico,
 E esquecem-se de dizer,  por conveniência, é certo,
que Malraux não foi estóico, e poucas coisas
fez por conveniência., a não ser que,
fingia que fazia uma filosofia
entre uma fatia de camembert, e uma taça de champanhe,
para não ser tomado como um autor profundo.
Sabes, um austríaco, depois deixou de ser austríaco,
promoveu-se a filósofo, sim, falo de Popper.
E dizem-me ser um autor profundo.
Um dia foi a uma manifestação, ele era comunista;
a polícia carregou  e assassinou manifestantes.
E esse austríaco, Popper, Karl Popper
decidiu que já não era comunista.
Vendo a polícia a matar comunistas
decidiu que não era comunista;
depois fizeram dele famoso, até filósofo.
Disseram até que derreteu Gnoseologias!
Mesmo um poeta distraído, ou um europeísta convicto (e pago)
sabe fazer o diagnóstico certo: cortou-se, borrou-se de medo;
e voltou-se para a filosofia.
Errada vocação a desse austríaco,
deveria ir para polícia, assim podia matar comunistas,
ele próprio, já que ele tinha decidido que o não era;
e escusava de ter entrado na galeria dos intelectuais
muito considerados,  mas vendidos.
O que tu não dirias dele, André!
Acabaste como ministro de De Gaulle,
muitos, sobretudo de entre os politólogos
devem achar que tu gostavas do inestético
nariz de De Gaulle, e da forma
como ele dizia . Vive la Frrrrrance.
muita gente te insultou, e disse mal de ti.
Acredito, que intimamente devias sorrir, divertido;
ainda hoje os politólogos não sabem, no seu saber definitivo,
que só querias mostrar como se devia ser bom comunista.

António Eduardo Lico


Uma poesia de Casimiro de Brito>

A Paz

Se eu te pedisse a paz, o que me darias
pequeno insecto da memória de quem sou
ninho e alimento? Se eu te pedisse a paz,
a pedra do silêncio cobrindo-me de pó,
a voz limpa dos frutos, o que me darias
respiração pausada de outro corpo
sob o meu corpo?
Perdoa-me ser tão só, e falar-te ainda
do meu exílio. Perdoa-me se não te peço
a paz. Apenas pergunto: o que me darias
em troca se ta pedisse? O sol? A sabedoria?
Um cavalo de olhos verdes? Um campo de batalha
para nele gravar o teu nome junto ao meu?
Ou apenas uma faca de fogo, intranquila,
no centro do coração?
Nada te peço, nada. Visito, simplesmente,
o teu corpo de cinza. Falo de mim,
entrego-te o meu destino. E a morte vivo
só de perguntar-te: o que me darias
se te pedisse a paz
e soubesses de como a quero construída
com as matérias vivas da liberdade?

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Reponho uma poesia do poemário Amanhecer obscuro:


Tuve amor y tengo honor.
Esto es cuanto sé de mi.

(Calderón De La Barca)


Um poema stalinista

Velhos (e novos) trotskistas
gritam com vozes aflautadas
que os stalinistas são muito maus.
Jovens intelectuais trotskistas
sonham, em segredo ser possuídas
por velhos e empedernidos stalinistas.
Os velhos (e novos) trotskistas
gritam sempre com vozes aflautadas,
e gostam de fingir que sabem tudo.
Até fingem que sabem geografia!
Um velho trotskista, Wolfowitz,
(não faltará quem diga que é novo)
mais polaco que americano, contudo americano,
(os polacos gostam de ser americanos),
Que o diga Brzezinski!
Dizia (Wolfowitz): eu sei onde é o Afeganistão!
O Afeganistão é a nossa geografia,
Queremos o Indo Kush! E a Ásia Central!
Ungiu de trotskismo, Cheney e Rumsfeld.
Bush não fui ungido.
Foi ungido noutra internacional;
Escapou por pouco à unção de Wolfowitz.
Verão como a Babilónia
faz parte da mossa geografia,
eu sou Nabucodonosor,
e vou reconstruir os jardins suspensos
e vou tornar trostkista o Afeganistão,
clamava com voz de Quarta Internacional!
Alexandre, O Grande Alexandre
Devia ignorar por completo
Os delicados meandros da Revolução Permanente,
E deve ser um dos precursores do stalinismo;
para além de tudo, venceu no Indo Kush.
Genghis Khan, esse soldado alado da estepe
devia ser completamente ignorante
das magnas assembleias da Quarta Internacional
e dos intelectuais de barbichas e óculos,
pois venceu no Afeganistão, e chegou à Hungria;
o que diria Lukacs se fosse vivo!
O que diriam os velhos e graves filósofos,
Perceptores de Alexandre?
Vou deixar a gravidade destes versos
e vou fazer como os velhos poetas:
cantar as flores, o vinho, e as mulheres:
com o tempo, escolho a ordem certa.

António Eduardo Lico
Um soneto de Camilo Pessanha:

Depois da luta e depois da conquista
Fiquei só! Fora um ato antipático!
Deserta a Ilha, e no lençol aquático
Tudo verde, verde, - a perder de vista.

Porque vos fostes, minhas caravelas,
Carregadas de todo o meu tesoiro?
- Longas teias de luar de lhama de oiro,
Legendas a diamantes das estrelas!

Quem vos desfez, formas inconsistentes,
Por cujo amor escalei a muralha,
- Leão armado, uma espada nos dentes?

Felizes vós, ó mortos da batalha!
Sonhais, de costas, nos olhos abertos
Refletindo as estrelas, boquiabertos...

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Reponho uma poesia do poemário Amanhecer obscuro:


Era tudo metafísica

Era tudo metafísica. Diziam.
Diziam que Hölderlin era vagamente louco,
e esqueciam que eram loucamente vagos.
Era tudo metafísica. Diziam.
Diziam, vê lá tu, que nem ligavas à metafísica,
diziam, caro Goethe, que não entendiam
o teu atrevimento; sim, o teu atrevimento
de fazeres uma teoria em que gentilmente
rebatias e negavas Newton; bem sei, Newton era inglês
e nem percebia nada de metafísica, embora
fizesse por aparentar ser um verdadeiro conhecedor.
Ficavam, e ainda ficam, zangados com a tua Erotica Romana
e esse teu secreto jeito de Mefistófeles.
Tu dizias que não eras Mefistófeles, mas
ensinavas assim: tudo o que existe merece desaparecer.
Era o teu jeito íntimo de seres o que dizias não ser.
Era tudo metafísica. Diziam.
Chamavas-te Vladimir, Vladimir Maiakowski
diziam que eras gentil, terno e frágil.
Eras gentil, terno e frágil e forte.
Eles não queriam que fosses forte.
Uma mulher bonita, de odor suave
tornou-te frágil e resolveste partir.
Nem te despediste, de súbito deixaram de te ver.
Era tudo metafísica. Diziam.
Era mais conveniente atribuir a tua partida
a um homem vagamente chamado Estaline.
Era bem melhor assim: mais um morto
na contabilidade de Estaline. Ainda que vagamente.
Olha, meu caro Maiakowski, se calhar
ainda estão a pensar que devem atribuir a Estaline
a extinção dos dinossáurios.
E vão dizer: que crueldade! Estaline
nem quis saber que eram répteis
e animais de sangue frio.
Talvez até queiram acusá-lo da queda do Império.
É isso, Estaline estabeleceu-se nas fronteiras do Império,
estão enganados, não era Átila, o Huno, nem Alarico,
O Visigodo, e todos os outros Godos:era ele,
vagamente chamado Estaline,
era ele que acossava as doces Vestais.
Vão também dizer que não sabia de Babilónia
isso, não sabia de Babilónia a grande prostituta.
Era tudo metafísica. Diziam.
Era afinal um ignorante. Quem não sabia
De Babilónia, a grande prostituta?
Agora nas portas de Ur há um homem
pendurado pelo pescoço. Sim, nas portas de Ur.
Indica que Babilónia era a grande prostituta
Já não tem jardins suspensos, tem um homem,
tem homens suspensos pelo pescoço nas portas de Ur.
Era tudo metafísica. Diziam.
E sabes, um banqueiro, disfarçado de académico.
Um homem, um homem de nome Montefiore.
Não, não é florentino, nem sequer siciliano.
É inglês, vulgarmente inglês, vulgarmente
banqueiro disfarçado de académico.
Escreveu um livro sobre ti, quando eras homem crescido;
depois escreveu um livro sobre ti, quando jovem..
Isso é mau presságio, sabias? Negro augúrio, eu digo!
Não demora, ele vai dizer, esse homem de nome Montefiore,
que é banqueiro disfarçado de académico,
que nunca estiveste em Ítaca, nunca estiveste
a bordo do Argos; nunca foste Argonauta!
Vai dizer que não sabias que Pitágoras
foi educado no Egipto, e depois enviado
para a Grécia. Na Grécia ele abria templos
e colocava na entrada: Quem não é geómetra, Não entre!
Ele, esse homem de nome Montefiore
que é banqueiro disfarçado de académico
vai dizer que tu não sabias que Pitágoras
sabia fazer a quadratura do círculo.
Não, eu não estou a dizer que ele afirma
que não conheces o teorema! Não me entendas mal!
Vão dizer que assim não vale, assim não conta.
vão dizer que eras inoxidável.
Sabes? Muitos poetas gostam de usar a palavra
óxido nas suas poesias; dizem que assim
podem pertencer a não sei que escola, ou movimento.
Era tudo metafísica. Diziam.
Lembrei-me agora de ti. Sabes, Mao Tse Tung?
Agora escondes-te, ou escondem-te
sob uma espécie de acordo ortográfico,
assim um acordo ortográfico interno, só com validade na China.
Agora os chineses são exportadores e exportaram um nome: Mao Zedong
Era tudo metafísica. Diziam.
Já não sabiam que mais crimes e mortes te atribuir.
Então disseram que gostavas de te rodear de mulheres jovens.
Disseram que tinhas mulheres demais.
Sabes, ainda te vão acusar do rapto das Sabinas.
És outro candidato a responsável pela queda do Império,
talvez te convertam no candidato ideal
para explicarem a queda do Império do Oriente.
Foste tu que chamaste os turcos, meu velho?
Vão dizer que num delírio de crueldade
chamaste vários turcos: os Seldjúcidas
que prepararam o terreno, e depois os Otomanos.
Era tudo metafísica. Diziam.
Matisse e Picasso estavam em Paris.
Havia muita gente que estava em New York.
em Chicago, em Los Angeles: eram americanos.
Havia um americano, dizem-me que era escritor:
O nome: Dwight Macdonald. Escrevia, por consequência,
Pois dizem-me que era escritor. Escrevia que a bomba atómica
era natural; era uma consequência natural, uma banalidade
do estilo de vida americano, como os automóveis, ou a fast food.
Depois havia também um outro americano,
Este chamava-se Jackson Pollock, dizem-me que era pintor.
assumi que sendo pintor, pintava., pois é isso que fazem os pintores.
Era tudo metafísica. Diziam.
Diziam que esse Pollock iniciou uma revolução na pintura:
Era cheia de automatismos, melhor era baseada em processos
automáticos, era arte moderna, aquilo é que era arte moderna.
Diziam que era expressionismo abstracto; eram alguns, esses
expressionistas, esses abstractos, tinham que ser alguns;
se fossem nenhuns, parecia mal; o que diriam as pessoas?
Eram Pollock, Motherwell, De Kooning, Hofmann, Kline, havia outros.
A América estava cheia de expressionistas, e de abstractos,
que não eram expressionistas, nem eram abstractos.
Eram pagos pelos guerreiros da Guerra Fria, dava-lhes
(t)alento o dinheiro sujo e secreto para conter
o grave perigo vermelho que ameaçava a Velha Europa.
Jacques Duclos um dia transportava pombas no seu automóvel.
Era um dia em que um general americano chegava a Paris.
Não, esse general americano não era expressionista,
nem sequer abstracto, não gostava de pombas, era isso!
Prenderam Duclos, ignora-se se prenderam as pombas.
Pablo Picasso, tu não sabias, mas o Departamento de Estado
Até fez um informe secreto sobre ti: eras vermelho.
Tinhas as huertas de Valência na alma e a claridade
do sol valenciano no pincel, e pintavas, e pintavas.
E seguias rojo como era o Poente nas bandas de Valência
e denunciavas, com luz e sombra, na tua pintura,
a matança na Coreia, esse quadro expressionsita
e abstracto pintado pelos american boys nas
longínquas paisagens de arroz do Extremo Oriente.
Era tudo metafísica. Diziam.
Tu e Matisse estavam em França, em Paris
eles eram expressionistas e abstractos
vinham do outro lado do Atlântico,
vinham das Montanhas Rochosas e dos Apalaches,
vinham travestidos de abstracção,
Edgar Hoover tinha travestido toda a América
e ditava a última moda em lingerie.
Eram meros instrumentos de propaganda,
alguns deles bem medíocres, agora génios promovidos.
Hoje, resta apenas a cinza do mercado da arte
e a luz e as sombras que traçaste na tela
Era tudo metafísica. Diziam.
Pusemos Torquemada como bispo de Roma
tantos bispos italianos e por último um polaco – era demais!
Era tudo metafísica. Diziam.
Valia mais Torquemada, um espanhol que é alemão.
Os espanhóis sempre tiveram uma política alemã
dizem muitos manuais de História.
É sempre melhor ter Torquemada em Roma
que ter uma sucursal em Avignon
com um francês que só gosta de Camembert
e pensa que o Champagne é néctar dos deuses.
Era tudo metafísica. Diziam.
Não quero que me acusem de ser metafísico,
calo-me com Torquemada.
Era tudo metafísica. Diziam.
Torquemada nunca foi a Granada
nem conhece o Cante Jondo.
Federico, a quem chamavam Garcia Lorca
foi a Granada sem ir a Granada.
E Granada chora a ausência daquele
que nunca foi a Granada.
Era tudo metafísica. Diziam.
Granada llora y su cante
pinta de rojo las naranjas
La guitarra, como luna,
testigo que los gitanos
velan tu morada
en las puertas de Granada.
Era tudo metafísica. Diziam.
Nem eu vou falar de petróleo,
ainda vão dizer que sou bolchevista
e que não gosto das sete irmãs,
talvez seja um conspiracy theorist
ou um desses metafísicos
que nem sequer é afrancesado
e hesita se tem que classificar Baudelaire,
modernista, antes dos modernos,
simbolista sem simbólica, ou apenas um poeta.
Era tudo metafísica. Diziam.

António Eduardo Lico


Uma poesia de António José Forte:

POEMA

Alguma coisa onde tu parada
fosses depois das lágrimas uma ilha
e eu chegasse para dizer-te adeus
de repente na curva duma estrada

alguma coisa onde a tua mão
escrevesse cartas para chover
e eu partisse a fumar
e o fumo fosse para se ler

alguma coisa onde tu ao norte
beijasses nos olhos os navios
e eu rasgasse o teu retrato
para vê-lo passar na direcção dos rios

alguma coisa onde tu corresses
numa rua com portas para o mar
e eu morresse
para ouvir-te sonhar

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Reponho uma poesia do poemário O canto em mim:


O azul do céu azul

O azul do céu é azul
quando o céu é azul.
Quando o céu não é azul
o azul do céu não é azul.
O azul do céu quando
o Céu é azul não é bom
para os filósofos;
é só azul, sem filosofias;
e de metafísica
apenas existe a vaga
noção que tenho do azul
do céu, quando é azul.

António Eduardo Lico
Uma poesia de Luíza Netto Jorge:

Desinferno II

Caísse a montanha e do oiro o brilho
O meigo jardim abolisse a flor
A mãe desmoesse as carnes do filho
Por botão de vídeo se fizesse amor

O livro morresse, a obra parasse
Soasse a granizo o que era alegria
A porta do ar se calafetasse
Que eu de amor apenas ressuscitaria

domingo, 11 de novembro de 2012

Cantigas do Maio, José Afonso:

Eu fui ver a minha amada
Lá p'rós baixos dum jardim
Dei-lhe uma rosa encarnada
Para se lembrar de mim

Eu fui ver o meu benzinho
Lá p'rós lados dum passal
Dei-lhe o meu lenço de linho
Que é do mais fino bragal

Eu fui ver uma donzela
Numa barquinha a dormir
Dei-lhe uma colcha de seda
Para nela se cobrir

Eu fui ver uma solteira
Numa salinha a fiar
Dei-lhe uma rosa vermelha
Para de mim se encantar

Eu fui ver a minha amada
Lá nos campos eu fui ver
Dei-lhe uma rosa encarnada
Para de mim se prender

Verdes prados, verdes campos
Onde está minha paixão
As andorinhas não param
Umas voltam outras não

Refrão:
Minha mãe quando eu morrer
Ai chore por quem muito amargou
Para então dizer ao mundo
Ai Deus mo deu Ai Deus mo levou