Uma poesia de Eucanaã Ferraz:
A costureira
para Danielle Jensen
Ela ouve o tecido, ela pousa
o ouvido, ela ouve com os olhos.
À fibra e ao feixe interroga
sobre o que se entrelaçara,
distinguindo a linha, o intervalo,
o vão, o entreato, atenta
para o que na fala geométrica
e repetida dos fios é um outro
vazio: o de antes da trama, ato
anterior ao enredo; óculos
postos para a escuta, a escuta
desfia-se no vento, o olho
flutua, folha, flor, agulha;
fecha os olhos; ouve
com as pontas dos dedos;
indaga do tecido o modo,
os limites, a função, a oficina,
a forma que ele quer ter,
a coisa, a casa que ele quer ser;
e costura como quem à mão
e à máquina descosturasse
o dicionário, rasgando em moles
móbiles seus hábitos, o vinco
de sua farda.
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