domingo, 6 de outubro de 2013

Uma poesia do poeta e tradutor Filinto Elísio (1734-1819) de seu nome Francisco Manuel do Nascimento.
Filinto Elísio foi o nome literário que lhe atribuiu a Marquesa de Alorna de quem ele tinha sido professor de Latim.
Pertenceu à Sociedade Literária Ribeira das Naus. Faleceu em Paris onde estava exilado devido a perseguição da Inquisição.

Ode à Esperança

1

Vem, vem, doce Esperança, único alívio
Desta alma lastimada;
Mostra, na c'roa, a flor da Amendoeira,
Que ao Lavrador previsto,
Da Primavera próxima dá novas.

2

Vem, vem, doce Esperança, tu que animas
Na escravidão pesada
O aflito prisioneiro: por ti canta,
Condenado ao trabalho,
Ao som da braga, que nos pés lhe soa,

3

Por ti veleja o pano da tormenta
O marcante afouto:
No mar largo, ao saudoso passageiro,
(Da sposa e dos filhinhos)
Tu lhe pintas a terra pelas nuvens.

4

Tu consolas no leito o lasso enfermo,
C'os ares da melhora,
Tu dás vivos clarões ao moribundo,
Nos já vidrados olhos,
Dos horizontes da Celeste Pátria.

5

Eu já fui de teus dons também mimoso;
A vida largos anos
Rebatida entre acerbos infortúnios
A sustentei robusta
Com os pomos de teus vergéis viçosos.

6

Mas agora, que Márcia vive ausente;
Que não me alenta esquiva
C'o brando mimo dum de seus agrados,
Que farei infelice,
Se tu, meiga Esperança, não me acodes?

7

Ai! que um de seus agrados é mais doce
Que o néctar saboroso;
É mais doce que os beijos requintados
Da namorada Vénus,
A que o Grego põe preço tão subido.

8

Vem, vem, doce Esperança, que eu prometo
Ornar os teus altares
Co'a viçosa verbena, que te agrada,
Co'a linda flor, que agora,
Enfeita os troncos, que te são sagrados.
Reponho duas poesias do poemário Esta brevidade das palavras:


Fonte dos desejos


Havia uma fonte.
E havia a sede.
Havia o desejo.

Inútil


Inútil e fermosa.
A lágrima de cristal.
Cai e seca.

António Eduardo Lico


sábado, 5 de outubro de 2013

Uma poesia do poeta Árcade Paulino António Cabral, mais conhecido por Abade de Jazente (1719-1789), a que muitos atribuem este soneto,  embora também seja atribuída a Bocage:

Soneto da da Dama cagando

Cagando estava a dama mais formosa,
E nunca se viu cu de tanta alvura;
Porém o ver cagar a formosura
Mete nojo à vontade mais gulosa!

Ela a massa expulsou fedentinosa
Com algum custo, porque estava dura;
Uma carta d'amores de alimpadura
Serviu àquela parte malcheirosa:

Ora mandem à moça mais bonita
Um escrito d'amor que lisonjeiro
Afetos move, corações incita:

Para o ir ver servir de reposteiro
À porta, onde o fedor, e a trampa habita,
Do sombrio palácio do alcatreiro!
Reponho duas poesias do poemário Esta brevidade das palavras:


Blues


Não era azul.
Apenas quisera ser azul.
Quisera apenas ser mar.

Calor


Como o calor que derrete a neve.
O teu sorriso era fugaz.
E voava leve, tão leve.

António Eduardo Lico


quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Uma poesia de Afonso X, O Sábio:

Non quer'eu donzela fea

Non quer'eu donzela fea
que ant'a mia porta pea.

Non quer'eu donzela fea
e negra come carvón,
que ant'a mia porta pea
nen faça come sisón.
Non quer'eu donzela fea
que ant'a mia porta pea.

Non quer'eu donzela fea
e velosa come can,
que ant'a mia porta pea
nen faça come alermã.
Non quer'eu donzela fea
que ant'a mia porta pea.

Non quer'eu donzela fea
que ha brancos os cabelos,
que ant'a mia porta pea
nen faça come camelos.
Non quer'eu donzela fea
que ant'a mia porta pea.

Non quer'eu donzela fea,
velha de maa coor,
que ant'a mia porta pea
nen me faça i peior
Non quer'eu donzela fea
que ant'a mia porta pea.
Reponho duas poesias do poemário Esta brevidade das palavras:

Pequena lágrima

A lágrima melancólica.
Era seiva de flor.
Aroma de fruto.


Enigmática


Enigmática, no sol.
Eras na praia.
Apenas murmúrio do mar.

António Eduardo Lico