Uma reposição, hoje do poemário
Amanhecer obscuro:
De noite os gatos...
De noite os gatos, sim
os gatos,
não lêem autores
franceses
nem uivam para a lua.
Se o fizessem, eram
literatos
e haveria sempre alguém
disposto a dizer que
eram lobos,
por certo esquecendo
que os lobos não lêem
autores franceses.
Dou por certo que um
fleumático politólogo,
disfarçado de crítico
literário
vai afirmar, e
demonstrar (e depois ficar famoso)
que gatos e lobos não
são afrancesados,
nem escrevem ensaios
inquietos
acerca do gaullisme
de Malraux
e da sua entrada tardia
na Resistence.
ah, o crítico, ah o
crítico literário,
heterónimo mundano dos
politólogos,
não vai compreender
porque Malraux entrou cedo
na Guerra Civil de
Espanha,
e nem sequer vai dar um
sentido estético
às fotos de Malraux de
cigarro na boca.
Por certo vai fingir
que não sabe que Malraux
gostava de bavarder
sobre erotismo.
Vai ficar intimidado e
com vergonha,
pois não pode citar
Braudillard, e outros,
para explicar porque,
para alguns Malraux era trotskista
e para Natalie Trotski
era stalinista.
Como vais explicar que
alguém como Malraux,
tão elegante e
cosmopolita, e que viajou ao Oriente
não fosse um ícone de
68?
Voyons e
a Condição Humana?
Vais também dizer que
é uma Fleur du Mal?
Que era política
disfarçada de literatura?
Ou talvez queiras
demonstrar, bem à francesa
que ele era um
nihlista; sim, assim ficas descansado!
Eram filosofias! Nada
mais que filosofias.
E nem sequer vais dizer
como eu: niilista;
vais dizer nihilista,
era o que Malraux era,
os politólogos sabem
latim, e já leram
Marco Aurélio, e
Cícero; alguns sabem,
Oh volúpia de
sabedoria, o genitivo de Cícero,
e naturalmente
escrevem: Cicero.
Até sabem que Séneca
foi estóico,
E esquecem-se de
dizer, por conveniência, é certo,
que Malraux não foi
estóico, e poucas coisas
fez por conveniência.,
a não ser que,
fingia que fazia uma
filosofia
entre uma fatia de
camembert, e uma taça de champanhe,
para não ser tomado
como um autor profundo.
Sabes, um austríaco,
depois deixou de ser austríaco,
promoveu-se a filósofo,
sim, falo de Popper.
E dizem-me ser um autor
profundo.
Um dia foi a uma
manifestação, ele era comunista;
a polícia carregou e
assassinou manifestantes.
E esse austríaco,
Popper, Karl Popper
decidiu que já não
era comunista.
Vendo a polícia a
matar comunistas
decidiu que não era
comunista;
depois fizeram dele
famoso, até filósofo.
Disseram até que
derreteu Gnoseologias!
Mesmo um poeta
distraído, ou um europeísta convicto (e pago)
sabe fazer o
diagnóstico certo: cortou-se, borrou-se de medo;
e voltou-se para a
filosofia.
Errada vocação a
desse austríaco,
deveria ir para
polícia, assim podia matar comunistas,
ele próprio, já que
ele tinha decidido que o não era;
e escusava de ter
entrado na galeria dos intelectuais
muito considerados,
mas vendidos.
O que tu não dirias
dele, André!
Acabaste como ministro
de De Gaulle,
muitos, sobretudo de
entre os politólogos
devem achar que tu
gostavas do inestético
nariz de De Gaulle, e
da forma
como ele dizia . Vive
la Frrrrrance.
muita gente te
insultou, e disse mal de ti.
Acredito, que
intimamente devias sorrir, divertido;
ainda hoje os
politólogos não sabem, no seu saber definitivo,
que só querias mostrar
como se devia ser bom comunista.
António Eduardo Lico