domingo, 8 de julho de 2012

Retorno às reposições, visto não ter mais poesias completas:


Era tudo metafísica


Era tudo metafísica. Diziam.

Diziam que Hölderlin era vagamente louco,

e esqueciam que eram loucamente vagos.

Era tudo metafísica. Diziam.

Diziam, vê lá tu, que nem ligavas à metafísica,

diziam, caro Goethe, que não entendiam

o teu atrevimento; sim, o teu atrevimento

de fazeres uma teoria em que gentilmente

rebatias e negavas Newton; bem sei, Newton era inglês

e nem percebia nada de metafísica, embora

fizesse por aparentar ser um verdadeiro conhecedor.

Ficavam, e ainda ficam, zangados com a tua Erotica Romana

e esse teu secreto jeito de Mefistófeles.

Tu dizias que não eras Mefistófeles, mas

ensinavas assim: tudo o que existe merece desaparecer.

Era o teu jeito íntimo de seres o que dizias não ser.

Era tudo metafísica. Diziam.

Chamavas-te Vladimir, Vladimir Maiakowski

diziam que eras gentil, terno e frágil.

Eras gentil, terno e frágil e forte.

Eles não queriam que fosses forte.

Uma mulher bonita, de odor suave

tornou-te frágil e resolveste partir.

Nem te despediste, de súbito deixaram de te ver.

Era tudo metafísica. Diziam.

Era mais conveniente atribuir a tua partida

a um homem vagamente chamado Estaline.

Era bem melhor assim: mais um morto

na contabilidade de Estaline. Ainda que vagamente.

Olha, meu caro Maiakowski, se calhar

ainda estão a pensar que devem atribuir a Estaline

a extinção dos dinossáurios.

E vão dizer: que crueldade! Estaline

nem quis saber que eram répteis

e animais de sangue frio.

Talvez até queiram acusá-lo da queda do Império.

É isso, Estaline estabeleceu-se nas fronteiras do Império,

estão enganados, não era Átila, o Huno, nem Alarico,

O Visigodo, e todos os outros Godos:era ele,

vagamente chamado Estaline,

era ele que acossava as doces Vestais.

Vão também dizer que não sabia de Babilónia

isso, não sabia de Babilónia a grande prostituta.

Era tudo metafísica. Diziam.

Era afinal um ignorante. Quem não sabia

De Babilónia, a grande prostituta?

Agora nas portas de Ur há um homem

pendurado pelo pescoço. Sim, nas portas de Ur.

Indica que Babilónia era a grande prostituta

Já não tem jardins suspensos, tem um homem,

tem homens suspensos pelo pescoço nas portas de Ur.

Era tudo metafísica. Diziam.

E sabes, um banqueiro, disfarçado de académico.

Um homem, um homem de nome Montefiore.

Não, não é florentino, nem sequer siciliano.

É inglês, vulgarmente inglês, vulgarmente

banqueiro disfarçado de académico.

Escreveu um livro sobre ti, quando eras homem crescido;

depois escreveu um livro sobre ti, quando jovem..

Isso é mau presságio, sabias? Negro augúrio, eu digo!

Não demora, ele vai dizer, esse homem de nome Montefiore,

que é banqueiro disfarçado de académico,

que nunca estiveste em Ítaca, nunca estiveste

a bordo do Argos; nunca foste Argonauta!

Vai dizer que não sabias que Pitágoras

foi educado no Egipto, e depois enviado

para a Grécia. Na Grécia ele abria templos

e colocava na entrada: Quem não é geómetra, Não entre!

Ele, esse homem de nome Montefiore

que é banqueiro disfarçado de académico

vai dizer que tu não sabias que Pitágoras

sabia fazer a quadratura do círculo.

Não, eu não estou a dizer que ele afirma

que não conheces o teorema! Não me entendas mal!

Vão dizer que assim não vale, assim não conta.

vão dizer que eras inoxidável.

Sabes? Muitos poetas gostam de usar a palavra

óxido nas suas poesias; dizem que assim

podem pertencer a não sei que escola, ou movimento.

Era tudo metafísica. Diziam.

Lembrei-me agora de ti. Sabes, Mao Tse Tung?

Agora escondes-te, ou escondem-te

sob uma espécie de acordo ortográfico,

assim um acordo ortográfico interno, só com validade na China.

Agora os chineses são exportadores e exportaram um nome: Mao Zedong

Era tudo metafísica. Diziam.

Já não sabiam que mais crimes e mortes te atribuir.

Então disseram que gostavas de te rodear de mulheres jovens.

Disseram que tinhas mulheres demais.

Sabes, ainda te vão acusar do rapto das Sabinas.

És outro candidato a responsável pela queda do Império,

talvez te convertam no candidato ideal

para explicarem a queda do Império do Oriente.

Foste tu que chamaste os turcos, meu velho?

Vão dizer que num delírio de crueldade

chamaste vários turcos: os Seldjúcidas

que prepararam o terreno, e depois os Otomanos.

Era tudo metafísica. Diziam.

Matisse e Picasso estavam em Paris.

Havia muita gente que estava em New York.

em Chicago, em Los Angeles: eram americanos.

Havia um americano, dizem-me que era escritor:

O nome: Dwight Macdonald. Escrevia, por consequência,

Pois dizem-me que era escritor. Escrevia que a bomba atómica

era natural; era uma consequência natural, uma banalidade

do estilo de vida americano, como os automóveis, ou a fast food.

Depois havia também um outro americano,

Este chamava-se Jackson Pollock, dizem-me que era pintor.

assumi que sendo pintor, pintava., pois é isso que fazem os pintores.

Era tudo metafísica. Diziam.

Diziam que esse Pollock iniciou uma revolução na pintura:

Era cheia de automatismos, melhor era baseada em processos

automáticos, era arte moderna, aquilo é que era arte moderna.

Diziam que era expressionismo abstracto; eram alguns, esses

expressionistas, esses abstractos, tinham que ser alguns;

se fossem nenhuns, parecia mal; o que diriam as pessoas?

Eram Pollock, Motherwell, De Kooning, Hofmann, Kline, havia outros.

A América estava cheia de expressionistas, e de abstractos,

que não eram expressionistas, nem eram abstractos.

Eram pagos pelos guerreiros da Guerra Fria, dava-lhes

(t)alento o dinheiro sujo e secreto para conter

o grave perigo vermelho que ameaçava a Velha Europa.

Jacques Duclos um dia transportava pombas no seu automóvel.

Era um dia em que um general americano chegava a Paris.

Não, esse general americano não era expressionista,

nem sequer abstracto, não gostava de pombas, era isso!

Prenderam Duclos, ignora-se se prenderam as pombas.

Pablo Picasso, tu não sabias, mas o Departamento de Estado

Até fez um informe secreto sobre ti: eras vermelho.

Tinhas as huertas de Valência na alma e a claridade

do sol valenciano no pincel, e pintavas, e pintavas.

E seguias rojo como era o Poente nas bandas de Valência

e denunciavas, com luz e sombra, na tua pintura,

a matança na Coreia, esse quadro expressionsita

e abstracto pintado pelos american boys nas

longínquas paisagens de arroz do Extremo Oriente.

Era tudo metafísica. Diziam.

Tu e Matisse estavam em França, em Paris

eles eram expressionistas e abstractos

vinham do outro lado do Atlântico,

vinham das Montanhas Rochosas e dos Apalaches,

vinham travestidos de abstracção,

Edgar Hoover tinha travestido toda a América

e ditava a última moda em lingerie.

Eram meros instrumentos de propaganda,

alguns deles bem medíocres, agora génios promovidos.

Hoje, resta apenas a cinza do mercado da arte

e a luz e as sombras que traçaste na tela

Era tudo metafísica. Diziam.

Pusemos Torquemada como bispo de Roma

tantos bispos italianos e por último um polaco – era demais!

Era tudo metafísica. Diziam.

Valia mais Torquemada, um espanhol que é alemão.

Os espanhóis sempre tiveram uma política alemã

dizem muitos manuais de História.

É sempre melhor ter Torquemada em Roma

que ter uma sucursal em Avignon

com um francês que só gosta de Camembert

e pensa que o Champagne é néctar dos deuses.

Era tudo metafísica. Diziam.

Não quero que me acusem de ser metafísico,

calo-me com Torquemada.

Era tudo metafísica. Diziam.

Torquemada nunca foi a Granada

nem conhece o Cante Jondo.

Federico, a quem chamavam Garcia Lorca

foi a Granada sem ir a Granada.

E Granada chora a ausência daquele

que nunca foi a Granada.

Era tudo metafísica. Diziam.
Granada llora y su cante

pinta de rojo las naranjas

La guitarra, como luna,

testigo que los gitanos

velan tu morada

en las puertas de Granada.

Era tudo metafísica. Diziam.

Nem eu vou falar de petróleo,

ainda vão dizer que sou bolchevista

e que não gosto das sete irmãs,

talvez seja um conspiracy theorist

ou um desses metafísicos

que nem sequer é afrancesado

e hesita se tem que classificar Baudelaire,

modernista, antes dos modernos,

simbolista sem simbólica, ou apenas um poeta.

Era tudo metafísica. Diziam.

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