quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Reponho uma poesia do poemário A rosa é a via:


Soneto da guitarra e da rosa

A guitarra, com ser madeiro oco
Espalha a sua canção dolente;
Das cordas o som é uma torrente
Como se fora duende barroco

A rosa é guitarra que invoco
Cada entardecer ao sol poente;
Harmónico o perfume nascente,
Ao sul destes dedos com que te toco

Na rosa há melodias serenas
Pela guitarra galopam volúpias
E de súbito nascem cantilenas

E na guitarra nascem utopias
Quando nas rosas vemos açucenas
E levantamos do som as mãos ímpias

António Eduardo Lico
Uma poesia de Camões:


Junto de um seco, fero e estéril monte

Junto de um seco, fero e estéril monte,
inútil e despido, calvo, informe,
da natureza em tudo aborrecido;
onde nem ave voa, ou fera dorme,
nem rio claro corre, ou ferve fonte,
nem verde ramo faz doce ruído;
cujo nome, do vulgo introduzido
é felix, por antífrase, infelice;
o qual a Natureza
situou junto à parte
onde um braço de mar alto reparte
Abássia, da arábica aspereza,
onde fundada já foi Berenice,
ficando a parte donde
o sol que nele ferve se lhe esconde;
nele aparece o Cabo com que a costa
africana, que vem do Austro correndo,
limite faz, Arómata chamado
(Arómata outro tempo, que, volvendo
os céus, a ruda língua mal composta,
dos próprios outro nome lhe tem dado).
Aqui, no mar, que quer apressurado
entrar pela garganta deste braço,
me trouxe um tempo e teve
minha fera ventura.
Aqui, nesta remota, áspera e dura
parte do mundo, quis que a vida breve
também de si deixasse um breve espaço,
porque ficasse a vida
pelo mundo em pedaços repartida.
Aqui me achei gastando uns tristes dias,
tristes, forçados, maus e solitários,
trabalhosos, de dor e d'ira cheios,
não tendo tão somente por contrários
a vida, o sol ardente e águas frias,
os ares grossos, férvidos e feios,
mas os meus pensamentos, que são meios
para enganar a própria natureza,
também vi contra mi
trazendo-me à memória
algüa já passada e breve glória,
que eu já no mundo vi, quando vivi,
por me dobrar dos males a aspereza,
por me mostrar que havia
no mundo muitas horas de alegria.
Aqui estiv'eu co estes pensamentos
gastando o tempo e a vida; os quais tão alto
me subiam nas asas, que cala
(e vede se seria leve o salto!)
de sonhados e vãos contentamentos
em desesperação de ver um dia.
Aqui o imaginar se convertia
num súbito chorar, e nuns suspiros
que rompiam os ares.
Aqui, a alma cativa,
chagada toda, estava em carne viva,
de dores rodeada e de pesares,
desamparada e descoberta aos tiros
da soberba Fortuna;
soberba, inexorável e importuna.
Não tinha parte donde se deitasse,
nem esperança algüa onde a cabeça
um pouco reclinasse, por descanso.
Todo lhe he dor e causa que padeça,
mas que pereça não, porque passasse
o que quis o Destino nunca manso.
Oh! que este irado mar, gritando, amanso!
Estes ventos da voz importunados,
parece que se enfreiam!
Somente o Céu severo,
as Estrelas e o Fado sempre fero,
com meu perpétuo dano se recreiam,
mostrando-se potentes e indignados
contra um corpo terreno,
bicho da terra vil e tão pequeno.
Se de tantos trabalhos só tirasse
saber inda por certo que algu'hora
lembrava a uns claros olhos que já vi;
e se esta triste voz, rompendo fora,
as orelhas angélicas tocasse
daquela em cujo riso já vivi;
a qual, tornada um pouco sobre si,
revolvendo na mente pressurosa
os tempos já passados
de meus doces errores,
de meus suaves males e furores,
por ela padecidos e buscados,
tornada (inda que tarde) piadosa,
um pouco lhe pesasse
e consigo por dura se julgasse;
isto só que soubesse, me seria
descanso para a vida que me fica;
co isto afagaria o sofrimento.
Ah! Senhora, Senhora, que tão rica
estais, que cá tão longe, de alegria,
me sustentais cum doce fingimento!
Em vos afigurando o pensamento,
foge todo o trabalho e toda a pena.
Só com vossas lembranças
me acho seguro e forte
contra o rosto feroz da fera Morte,
e logo se me ajuntam esperanças
com que a fronte, tornada mais serena,
torna os tormentos graves
em saudades brandas e suaves.
Aqui co elas fico, perguntando
aos ventos amorosos, que respiram
da parte donde estais, por vós, Senhora;
às aves que ali voam, se vos viram,
que fazíeis, que estáveis praticando,
onde, como, com quem, que dia e que hora.
Ali a vida cansada, que melhora,
toma novos espritos , com que vença
a Fortuna e Trabalho,
só por tornar a vervos ,
só por ir a servir-vos e querer-vos.
Diz-me o Tempo, que a tudo dará talho;
mas o Desejo ardente, que detença
nunca sofreu, sem tento
m'abre as chagas de novo ao sofrimento.
Assi vivo; e se alguém te perguntasse,
Canção, como não mouro,
podes-lhe responder que porque mouro.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Duas poesias do poemário A rosa é a via:


As rosas que não existem...

As rosas que não existem
são as melhores!
Terão todos os odores
e todas as cores.
O seu perfume inexistente
perder-se-à ao longe, puro
e jamais será desvendado.

A sudden flower

A sudden and unexpected flower
emerges on the corner of your smile
as the rose arises alone on the grass.

António Eduardo Lico



Balada do Outono de José Afonso do EP de 1960 com o título "Balada do Outono" - Poema e vídeo:

Águas passadas do rio
Meu sono vazio
Não vão acordar
Águas das fontes calai
Ó ribeiras chorai
Que eu não volto a cantar

Rios que vão dar ao mar
Deixem meus olhos secar
Águas das fontes calai
Ó ribeiras chorai
Que eu não volto A cantar                          

Águas do rio correndo
Poentes morrendo
P'ras bandas do mar
Águas das fontes calai
Ó ribeiras chorai
Que eu não volto A cantar

Rios que vão dar ao mar
Deixem meus olhos secar
Águas das fontes calai
Ó ribeiras chorai
Que eu não volto A cantar



Uma poesia de Paul Verlaine:


Chanson d'automne

Les sanglots longs
Des violons
De l'automne
Blessent mon coeur
D'une langueur
Monotone.

Tout suffocant
Et blême, quand
Sonne l'heure,
Je me souviens
Des jours anciens
Et je pleure

Et je m'en vais
Au vent mauvais
Qui m'emporte
Deçà, delà,
Pareil à la
Feuille morte.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Reponho duas poesias do poemário A rosa é a via:


Poesia simples

Eram uns olhos pretos, de que me despedi
quase sem os ver, quase sem me verem,
quase, como rosa que abre e morre,
quase como a distância entre a rosa
e o seu reservado perfume.


A Sul da rosa

Não procuro as rosas, o perfume,
a rosa em si.
Apenas o Sul da rosa.

António Eduardo Lico

Fecundou-te, de Eugénio de Andrade musicada e cantada por Luís Cília:


Uma poesia de Eugénio de Andrade:

Fecundou-te

Fecundou-te a vida nos pinhais.
Fecundou-te de seiva e de calor.
Alargou-te o corpo como os areais
onde o mar se espraia sem contorno e cor.

Pôs-te sonho onde havia apenas
silêncio de rosas por abrir,
e um jeito nas mãos morenas
de quem sabe que o fruto há-de surgir.

Brotou água onde tudo era secura.
Paz onde morava a solidão.
E a certeza de que a sepultura
é uma cova onde não cabe a coração.

domingo, 28 de outubro de 2012

Recebi da poetisa Regina Ragazzi http://reginaragazzi.blogspot.co.uk/ este selo, o que muito agradeço e me honra:



Passo 2 - Registar 7 coisas quer gosto de fazer:
- Silêncio
- Leitura de poesia
- Ouvir a música de que gosto, sobretudo instrumentos de corda a solo, com especial predilecção pela guitarra portuguesa de Coimbra.
- Escrever poesia quando a inspiração assim mo permite
- Família
- Amigos
- O céu incrivelmente azul de Lisboa

10 blogs que homenageio com este selo

- Un Embrujo de Fuego - 

- Portal do Inferno

- Poetas de Marte

- Amadeu Baptista

- Páginas Escritas

- Nudez Poética

- Cronisias

Luna di Primo

- Ultraversalia

- Viceverso



Canção de Embalar - José Afonso:




Canção De Embalar

Dorme meu menino a estrela d'alva
Já a procurei e não a vi
Se ela não vier de madrugada
Outra que eu souber será p'ra ti

Outra que eu souber na noite escura
Sobre o teu sorriso de encantar
Ouvirás cantando nas alturas
Trovas e cantigas de embalar

Trovas e cantigas muito belas
Afina a garganta meu cantor
Quando a luz se apaga nas janelas
Perde a estrela d'alva o seu fulgor

Perde a estrela d'alva pequenina
Se outra não vier para a render
Dorme qu'inda a noite é uma menina
Deixa-a vir também adormecer

Reponho duas poesias do poemário A rosa é a via:


Casi canción

La hermosa descia al llano
ay venia de la serrania
su pañuelo era gitano
y su cante de alegria

Donde vas rosa gitana
o eres florcita de Sierra Morena?
De riendas es tu voz
ay se vuelve mora en la llanura.
De tu cante vuelan palomas
que en Sevilla serán rosas,
ay rosas de sonidos
en el puente de Triana.

La hermosa descia al llano
ay venia de la serrania
su pañuelo era gitano
y su cante de alegria


Uma flor na névoa

Eras névoa quando nas manhãs
estendias, preguiçosa, as tuas pétalas.
Entre luz e sombra, entre noite e dia
eras fronteira invisível, um só ponto
de névoa imprecisa e tangível perfume
que esperava o meio-dia.

António Eduardo Lico






Um soneto de Camões:

Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança:
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança:
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem (se algum houve) as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto,
Que não se muda já como soía.

sábado, 27 de outubro de 2012

Um vídeo de Adriano Correia de Oliveira com um poema de António Ferreira Guedes:



Erguem-se muros em volta

Erguem-se muros em volta
do corpo quando nos damos
amor semeia a revolta
que nesse instante calamos

Semeia a revolta e o dia
cobrir-se-á de navios
há que fazer-nos ao mar
antes que sequem os rios

Secos os rios a noite
tem os caminhos fechados
Há que fazer-nos ao mar
ou ficaremos cercados

Amor semeia a revolta
antes que sequem os rios...

António Ferreira Guedes
Reponho duas poesias do poemário A rosa é a via:


El ruiseñor y la rosa

El ruiseñor canta y sus penas
se van lentas, con el viento.
Una rosa sembraba sus pétalos
y su perfume en el viento
y se cogia las penas.
Cantando, el ruiseñor
hacia su rosa en el viento.

Uma flor na névoa

Eras névoa quando nas manhãs
estendias, preguiçosa, as tuas pétalas.
Entre luz e sombra, entre noite e dia
eras fronteira invisível, um só ponto
de névoa imprecisa e tangível perfume
que esperava o meio-dia.

António Eduardo Lico


Uma poesia de S. Juan de la Cruz:



El Pastorcico

I

Un pastorcico solo está penado
ageno de plazer y de contento
y en su pastora puesto el pensamiento
y el pecho del amor muy lastimado.

II

No llora por averle amor llagado
que no le pena verse así affligido
aunque en el coraçón está herido
mas llora por pensar que está olbidado.

III

Que sólo de pensar que está olbidado
de su vella pastora con gran pena
se dexa maltratar en tierra agena
el pecho del amor mui lastimado!

IV

Y dize el pastorcito: ¡Ay desdichado
de aquel que de mi amor a hecho ausencia
y no quiere gozar la mi presencia
y el pecho por su amor muy lastimado!

V

Y a cavo de un gran rato se a encumbrado
sobre un árbol do abrió sus braços vellos
y muerto se a quedado asido dellos
el pecho del amor muy lastimado.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Poema de Pauvre Martin:

Avec une bêche à l'épaule,
Avec, à la lèvre, un doux chant,
Avec, à la lèvre, un doux chant,
Avec, à l'âme, un grand courage,
Il s'en allait trimer aux champs!

Pauvre Martin, pauvre misère,
Creuse la terre, creuse le temps!

Pour gagner le pain de sa vie,
De l'aurore jusqu'au couchant,
De l'aurore jusqu'au couchant,
Il s'en allait bêcher la terre
En tous les lieux, par tous les temps!

Pauvre Martin, pauvre misère,
Creuse la terre, creuse le temps!

Sans laisser voir, sur son visage,
Ni l'air jaloux ni l'air méchant,
Ni l'air jaloux ni l'air méchant,
Il retournait le champ des autres,
Toujours bêchant, toujours bêchant!

Pauvre Martin, pauvre misère,
Creuse la terre, creuse le temps!

Et quand la mort lui a fait signe
De labourer son dernier champ,
De labourer son dernier champ,
Il creusa lui-même sa tombe
En faisant vite, en se cachant...

Pauvre Martin, pauvre misère,
Creuse la terre, creuse le temps!

Il creusa lui-même sa tombe
En faisant vite, en se cachant,
En faisant vite, en se cachant,
Et s'y étendit sans rien dire
Pour ne pas déranger les gens...

Pauvre Martin, pauvre misère,
Dors sous la terre, dors sous le temps!

Georges Brassens
Pauvre Martin de Georges Brassens:


Reponho duas poesias do poemário A rosa é a via:


Disseram-me...

Disseram-me: a poesia
tem uma música secreta.
Eu digo-vos: as palavras
têm silêncios que rasgam
as notas e fazem as músicas.
Disseram-me: as rosas
têm perfumes secretos.
Eu digo-vos: as rosas
são flores secretas,
os perfumes apenas
nos lembram o segredo.


Sotavento

A sotavento do teu perfume
fica a terra da melancolia
onde este obscuros versos começam;
e todo o Sul se veste de vento
para receber o teu perfume.

António Eduardo Lico

Uma poesia do poeta venezuelano Victor Valera Mora, mais conhecido poe El Chino Valera Mora:


VE Y ATRAPA UNA ESTRELLA VOLANTE

Cuando el príncipe Felipe Fermoso
descendía la escalera del carro imperial
todos los caballos blancos enmudecieron
ante el grave perfil de su dueño
Y TUS OJOS LAURA MÁS ALTOS
QUE LOS MONTES NEVADOS DONDE TÚ NACISTE
ADONDE NO QUISIERAS REGRESAR
Felipe Fermoso tenía veinte años
y su alegría era la cabellera suelta
de la única hija del hijo de un antiguo
vendedor de fogatas
Y ME DECÍAS QUE LA NIEBLA Y EL FRÍO DE NAVAJA
HERÍAN TUS OJOS
TUS OJOS QUE SOLO SON LIBRES A LA ORILLA DEL MAR
Desde el sitio de Granada
caballeros vestidos de rigor
trajeron la noticia de la muerte del rey
y el desconsolado corazón subió al trono
sin poner ni quitar nada a su nombre
Y TUS OJOS QUE LLEVAN EL NOMBRE DEL RÍO
DONDE SE HUNDEN LOS SUEÑOS
y llegó el día
una nube de moros y ángeles crueles
oscureció el cielo del reino
Felipe ayudado por los hombres
peleó bravamente
pero los ríos eran más poderosos
que los pobres de la tierra
y tuvo que sucumbir y fue aventado
por sobre los vientos de la mar Atlántica
Y TUS OJOS PARA SER INFIEL
Y EL SOL DE LOS VENADOS EN NUESTRAS MANOS
en 1567 Felipe vino y fundó
el Este de la ciudad de Caracas
y sobre las paredes y los puentes grabó sus memorias
Y LOS VIAJES DE REGRESO Y LA MÚSICA DE JAZZ
Y TUS OJOS LAURA Y LOS POETAS LOCOS BAJO LA LLUVIA
esta es la historia de Felipe Fermoso
que fuera príncipe y rey
y que nadie ni yo ni nadie dirá a ciencia cierta
cuándo se pondrá el sol en la barba
del más bello poeta destronado
Y COMIENZA MI REINO SOBRE LAS DOS COLINAS
DE TUS OJOS CÁLIDOS Y EXTENDIDOS
COMO EL MAPA DEL CONTINENTE EN LLAMAS

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Reponho duas poesias do poemário Sombras luminosas:


Grito na sombra

Era um grito, ou era uma luz sonâmbula,
ou um gato que mia, porque os gatos miam.
Não sou o hermeneuta porque esperam
estou para além do nevoeiro


Relógio de água

O mar. Ao fundo o relógio
o tempo escorre 
como areia na água


António Eduardo Lico

Uma poesia do poeta dadaísta chileno Vicente Huidobro, com tradução de Anderson Braga Horta:


Arte Poética

Que o verso seja como uma chave
Que abra mil portas.
Uma folha cai; algo passa voando;
Quanto fitem os olhos criado seja,
E a alma de quem ouve fique tremendo.
Inventa mundos novos e cultiva a palavra;
O adjetivo, quando não dá vida, mata.
Estamos no ciclo dos nervos.
O músculo pende,
Como lembrança, nos museus;
Mas nem por isso temos menos força:
O vigor verdadeiro
Reside na cabeça.
Por que cantais a rosa, ó Poetas!
Fazei-a florescer no poema.
Somente para nós
Vivem as coisas sob o sol.
O Poeta é um pequeno deus.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Reponho duas poesias do poemário Sombras luminosas:


Memórias no vento

Do vento há memórias
que sibilam nas relvas
e ondulam a espuma das ondas
como se fizessem flores líquidas.

Do vento há memórias
que se esquecem, ruídos de verde
músicas nunca tocadas
e essa melancolia que se vai com a tarde.

Oráculo

Precisava de ser o oráculo de mim mesmo
Assim como se tivesse um oráculo dentro de mim
não o de Delfos, hoje não me sinto classicista,
nem me apetece fazer alpinismo no Parnaso;
um oráculo ante-moderno, pelo menos
assim não tenho que dar explicações
pelo menos muitas; algumas terei que dar.
Posso sempre desculpar-me com os labirintos,
os oráculos têm labirintos a que só
os purificados podem aceder.
Se ao menos Pitia vivesse em mim!
Creio que vou acabar o dia a meditar
sobre o Bezerro de Ouro e vou
desistir de traçar o meu destino…oracular.

António Eduardo Lico


Uma poesia de Manuel Alegre:


As mãos

Com mãos se faz a paz se faz a guerra.
Com mãos tudo se faz e se desfaz.
Com mãos se faz o poema – e são de terra.
Com mãos se faz a guerra – e são a paz.

Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra.
Não são de pedras estas casas mas
de mãos. E estão no fruto e na palavra
as mãos que são o canto e são as armas.

E cravam-se no Tempo como farpas
as mãos que vês nas coisas transformadas.
Folhas que vão no vento: verdes harpas.

De mãos é cada flor cada cidade.
Ninguém pode vencer estas espadas:
nas tuas mãos começa a liberdade.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Reponho duas poesias do poemário Sombras luminosas:


Salamina

Ai Salamina, como Xerxes te chorou
perdido o seu ocidental sonho.
Queria apenas Salamina por Salamina
Ai Salamina onde navegam os teus barcos?
Ou é o azul das tuas águas que está em ruínas?

A fogo, um pássaro...

Há um pássaro por dentro do fogo.
Prometeu, esse anjo caído é que sabia
que quem voa, não é o pássaro
mas a chama, esse fogo que tem as asas.


António Eduardo Lico

Um poema de Raul de Carvalho:

A verdade é que fomos

A verdade é que fomos
feitos do mesmo sangue
violento e humilde

A verdade é que temos
ambos a graça de compreender
todos os homens e todas as estrelas

A verdade é que Deus
nos ensinou
que este é o tempo da razão ardente.

Deus hoje deu-me um pouco
do que toda a vida lhe pedi
foi esta calma e simples aceitação
de que é preciso que estejas
longe de mim
para que amando eu possa conservar
o meu coração puro.

As ruas hoje pareciam mais largas
e mais claras

As casas e as pessoas
pareciam diferentes

Foi só o tempo de pedir a Deus
que prolongasse o generoso engano.

Tu ensinaste-me as palavras simples
as palavras belas
as palavras justas

E fizeste com que eu já não saiba
falar de outra maneira.

O amor substitui
o Sol — que tudo ilumina.

Sonhar contigo é quase como
saber que existo para além de mim.

Se basta que de mim te lembres
para que o sono facilmente venha
porque não hás-de dar-me amor a paz
com que o meu coração de há tanto tempo sonha

Vês como é tão simples
ter o coração
tão perto da terra
e os olhos nos olhos
e a alma tão perto
da tua alma

Por que será
que quanto mais repartimos
o coração
maior e mais nosso ele fica?

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Reponho duas poesias do poemário Sombras luminosas:


Da morte o mistério...

Oh morte! Que habitas duas vezes
O corpo sombrio de Hermes.
Regressa e vive uma vez!


Escrito para um secreto habitante dos Montes Hermínios

Secreto e alado voavas nesses montes,
Hermínios pelo teu secreto nome.
Era o teu secreto Olimpo,
o mais verdadeiro.
Ainda hoje os teus divinos parceiros
pensam que moram no Olimpo.

António Eduardo Lico

Uma poesia de António Franco Alexandre:

Fico interdito, não sei
de que lado me hei-de pôr,
que sabonete se usa
em que mão, se é bem preciso
lavar sempre as almofadas,
se se permitem as rimas,
onde fica o alçapão.
Já faltei à minha jura,
fumei cinza, comi vento,
abri fendas na janela,
pendurei-me no jardim;
só subindo aos ramos altos
é que enfim adormeci;
sonhei que estava dormindo
numa folha de papel
amarela, de cetim.

domingo, 21 de outubro de 2012

Variações em Ré maior de Carlos Paredes:



Reponho uma poesia do poemário Sombras luminosas:


A tocadora de harpa

Tocavas harpa com desoladas mãos
e plateias quentes aplaudiam
os gestos serenos dos teus dedos.

No final, agradecias
e arrumavas as mãos e os dedos.
Abandonada, a harpa jazia no palco.

António Eduardo Lico
Uma poesia de Fernando Pessoa:


Ode a S. João

Ó Precursor, fizeste-la bonita!
Não que teu Cristo, incarnação do Bem
Não seja o teu Divino Anunciado.
O mal são os que após, sem mística divina,
Nem ternura cristã, ou só humana,
Meteram a Jesus na cela da doutrina
Com as algemas do ódio manietado
Para depois manchar de falsa fé
O pobre homem que todo homem é

A cruel multidão negramente infinita
Que tem sido o algoz ou o ladrão
Da ingénua humanidade aflita —
Esses que, aqui mesmo, pelos modos,
Dão ao inferno realização...
Ah, nem podiam ser piores, nem
Que a mulher do Diabo, se ele a tem,
Os tivesse parido a todos.

Eu bem sei que houve muito santo e crente,
Muito puro, bondoso e inocente.
Bem sei, bem sei:
Sei-o eu e sabe-o toda a gente.
Mas esses, cuja alma está em Cristo
São só isto -
Qualquer remédio que se dissolvesse
No chá que para isso há,
E cujo gosto nele se perdesse;
O chá fica sabendo só a chá.
Se o remédio faz bem,
Não o sabe ninguém.
Que o chá não presta, não duvida alguém.

Sabemos isso, e sabê-lo-ia antes
De todos nós o teu Mestre que viria,
Profeta, Deus e guia dos errantes.
Quão dolorosamente o saberia!
Sei que houve astros no céu da fé vazia.
Sei, mas repara que falso isso soa!
Por mais astros que a noite use brilhantes,
Que Diabo!, a noite não se chama dia.

Ó Precursor! Fizeste-a boa!

Deliro. Para nós, os de Lisboa,
Não és o precursor de nada.
És um rapaz ainda menino
Que tem por missão boa,
Por missão sorridente e sossegada
Ter ao colo um cordeiro pequenino.

Lá o que esse cordeiro significa
Não tem cheiro
Para o povo, que tem a alma rica
Da emoção que não conhece.
Para ele o cordeiro é um cordeiro,
E o menino sorri e a vida esquece.

O resto são fogueiras
E os saltos dados a gritar
Com um medo exagerado
Feito tudo de maneira
A mostrar
O riso, as pernas e o agrado.

E quente e anónima a aragem,
Tudo é juventude e viço
Num arraial multicolor e vasto.
Bonito serviço
Como homenagem
A quem, ainda com cabeça, foi um casto!

Mas é assim que és
E é assim que serás,
Até que pisem esta terra os pés
Do último fado que o Destino traz.

Então, esperamos, eu e todos,
Ver-te «surgir no céu», como quem vence
Tudo que é realidade ou ilusão
Por o menino ser que lhe pertence
E os seus bons e santos modos
«Com o cordeirinho na mão»,
Como te viu Catulo Cearense.

Mas, desçamos à terra,
Que, por enquanto, o céu aterra,
Porque antes disso mete a morte.
Há muita coisa desconhecida
Na tua vida.
Tens muita sorte
Em ninguém saber da partida
Que em mil setecentos e dezassete
Tu fizeste à Igreja constituída.
Estavas, eu bem sei, cansado
Com o que a Igreja se intromete
Com tua vida e o teu divino fado.

E foi então que, para te vingar
E, à maneira de santo, os arreliar
Desceste mansamente à terra
Perfeitamente disfarçado
E fizeste entre os homens da razão

Um milagre arrojado,
Mas cuja assinatura se erra,
Quando em teu dia, S. João do Verão,
Fundaste a Grande Loja de Inglaterra.

Isto agora é que é bom,
Se bem que vagamente rocambólico.
Eu a julgar-te até católico,
E tu sais-me maçon.

Bem, aí é que há espaço para tudo,
Para o bem temporal do mundo vário.
Que o teu sorriso doure quanto estudo
E o Teu Cordeiro
Me faça sempre justo e verdadeiro,
Pronto a fazer falar o coração
Alto e bom som
Contra todas as fórmulas do mal,
Contra tudo que torne o homem precário.
Se és maçon,
Sou mais do que maçon - eu sou templário.

Esqueço-te Santo.
Deslembro o teu indefinido encanto.

Meu Irmão, dou-te o abraço fraternal.

sábado, 20 de outubro de 2012

Uma cantiga popular do Algarve, região de Monchique séc. XIX, Ò Laurinda linda linda cantada por Vitorino:



Reponho uma poesia do poemário Sombras luminosas:


O equador do teu sorriso

O teu sorriso cortado por um equador
imaginário como todos os equadores.
A norte um perfume que voa com os pássaros
a sul esse labirinto feito cristal

António Eduardo Lico
Uma poesia de Jorge de Sena:

Bucólica e Não

Há sempre poetas para fazer versos à terra,
às plantas, animais, num cheiro de bucólico,
mistura de verduras podres, resinas escorrendo,
flores perfumadas, terra humedecida, e o adocicado
e acre também estrume: é sexo o que cheiram?
Amor o que respiram? As ervas que no vento
se abaixam e se entesam, e o arvoredo erecto,
de ramos balançando mas retesos,
é de si mesmos sem baixar os olhos
ao longo do seu corpo e sem tocar-se
com as mãos- que lhes recordam?
E aqueles nós peludos de musgentos
em troncos. Ou no chão buracos de formigas,
e de si mesmos, fêmeas, que lhes lembram?
É orvalho em flores ou folhas ou nos troncos,
rios e regatos murmurantes- que serão?
Acaso podem ser opacos e leitosos,
Jorrando intermitentes num agudo jacto?
que terra o amor mostra que não seja
o amor que não se abriu ou não saltou,
o amor que não foi feito ou não se deu?

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Faleceu Manuel António Pina. Jornalista, escritor, poeta, foi galardoado em 2011 com o Prémio Camões.
Fica uma homenagem:

A Poesia Vai Acabar

A poesia vai acabar, os poetas
vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os pássaros não
acabarem). Esta certeza tive-a hoje ao
entrar numa repartição pública.
Um senhor míope atendia devagar
ao balcão; eu perguntei: «Que fez algum
poeta por este senhor?» E a pergunta
afligiu-me tanto por dentro e por
fora da cabeça que tive que voltar a ler
toda a poesia desde o princípio do mundo.
Uma pergunta numa cabeça.
— Como uma coroa de espinhos:
estão todos a ver onde o autor quer chegar?
Reponho uma poesia do poemário Este rio que corre sem águas:


Caligrafia

A minha caligrafia íntima
nunca escreveu versos
metafísicos.
Seguramente, filósofos
com vocação de estetas
e que sempre seguram candeias
e vestem mantos verdes
dirão detectar pequenas
partículas esotéricas
na caligrafia que vos apresento.
E assim sendo, está provado
quanticamente.
A minha letra mais íntima
não a escrevo; desenho-a
no ar; espero que caia
mansamente e se desvaneça
sem metafísica.

António Eduardo Lico
Uma poesia de Afonso Duarte:

Hora Mística

Noite caindo ... Céu de fogo e flores.
Voz de Crepúsculo exalando cores,
O céu vai cheio de Deus e de harmonia.
Silêncio ... Eis-me rezando aos fins do dia.

Névoa de luz criando imagens na água,
Nome das águas esculpindo os céus,
Tarde aos relevos húmidos de frágua,
Boca da noite, eis-me rezando a Deus.

Eis-me entoando, a voz de cinza e ouro,
— Oh, cores na água vindo às mãos em branco! —
Minha ópera de Sol ao último arranco.

E, oh! hora mística em que o olhar abraso,
— Sol expirando aos Pórticos do Ocaso! —
Dobra em meu peito um oceano em coro.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Reponho uma poesia do poemário Sombras luminosas:


Diana, ou a lua como reflexo...

Tenso o arco, Diana e a absurda flecha
que fere o silêncio e a luz
De tudo o que és
apenas fica a lua negra
e essa poesia que te enfeita os cabelos.

António Eduardo Lico
Uma poesia de Ramon Valle Inclán:

ROSA DE MI ABRIL

Fui por el mar de las sirenas
como antaño Rudel de Blaya,
y ellas me echaron las cadenas
sonoras de la ciencia gaya.

¡Divina tristeza, fragante
de amor y dolor! ¡Dulce espina!
¡Soneto que hace el estudiante
a los ojos de una vecina!

La vecina que en su ventana
suspiraba de amor. Aquella
dulce niña, que la manzana
ofrecía como una estrella.

¡Ojos cándidos y halagüeños,
boca perfumada dc risas,
alma blanca llena de sueños
como un jardín lleno de brisas!

Era el Abril, cuando la llama
de su laurel adolescente,
daba el sol como un oriflama,
en el navío de mi frente.

¡Clara mañana de estudiante
con tristezas de amor ungida,
y aquella furia de gigante
por llenar de triunfos la vida!

En mi pecho daba su canto
el ave azul de la quimera,
y me coronaba de acanto
una lírica Primavera.

Ciego de azul, ebrio de aurora,
era el vértigo del abismo
en el grano de cada hora,
y era el horror del silogismo.

¡Clara mañana de mi historia
de amor, tu rosa deshojada,
en los limbos de mi memoria
perfuma una ermita dorada!

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Reponho uma poesia do poemário Sombras luminosas:


Há muito tempo...

Há muito tempo, iniciei uma poesia
que começava assim:
“As largas Avenidas do Outono...”.
Hoje, sempre há um hoje,
sinto que deveria ter começado assim:
“As largas Avenidas, no Outono”...
Porque é que hoje eu sei
que o Outono não tem Avenidas?
Nem sequer vielas, ou estátuas.
Se hoje fosse ontem
começaria o poema assim:
“As largas Avenidas do Outono...”

António Eduardo Lico
António Ramos Rosa completa hoje 88 anos de idade. Ramos Rosa é um dos maiores poetas vivos.
Fica a homenagem:


Em qualquer parte um homem


Em qualquer parte um homem
discretamente morre.

Ergueu uma flor.
Levantou uma cidade.

Enquanto o sol perdura
ou uma nuvem passa
surge uma nova imagem.

Em qualquer parte um homem
abre o seu punho e ri.
Uma poesia de Li Bai com tradução de António Graça de Abreu:

Ode à Lua na montanha Emei

A Lua de Outono, em quarto crescente,
brilha sobre a montanha Emei,
sua claridade pálida cai
e corre com as águas do rio Ping.
Deixo Qingsi, esta noite,
rumo às Três Gargantas do Grande Rio.
Passo diante de Yuzhou e penso em vós,
não fui capaz de vos dizer adeus.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Há 30 anos morreu Adriano Correia de Oliveira, homem de princípios, de coragem e fraternidade.
Fica esta homenagem - Canção com lágrimas:



Reponho uma poesia do poemário Sombras luminosas:


Calendário, uma história breve do meu tempo

Nasci no século vinte
dizem-me as pessoas e os calendários.
As pessoas falam dos calendários,
os calendários, nem por isso.
Não sou excessivamente gregoriano,
nem o sou moderadamente.
Não estou a dizer que não sou gregoriano
Apenas digo que não o sou excessivamente,
nem o sou moderadamente.
Perante o meu próprio calendário
Sou um pied noire, um Mersault
sem justificações para o tempo e os tempos
Que bela bula Gregório XIII expediu! Inter Gravissima.
As bulas são belas, sem o serem
e porque não sabem que são bulas, nem a que se destinam.
Passam o tempo e os tempos
nem o agora me permance.

António Eduardo Lico
Uma poesia de Urbano Tavares Rodrigues:


Destino

I

Trago na fonte

e estrela do fogo

da minha revolta

Nunca aceitaria qualquer tirania

nem a do dinheiro

nem a do mais justo ditador

nem a própria vida eu aceito...

tal como ela é

com todas as promessas

do amor e da juventude

e a parda doença

de envelhecer

a morte em cada dia

antecipada



II

Na mais lebrega alfurja

ou na cama de folhas macias

da floresta

onde a chuva te adormeceu

há sempre um idamante de sol

cujos raios te penetram de

ventura

ao sonhares a palavra

liberdade



III

Quando a terra poluída

tiver sorvido

toda a água dos lagos e das

fontes

hei-de levar o meu fantasma

até ao porto sonoro

onde a esperança cai a pique

sobre o mar dos desejos sem limite

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Reponho uma poesia do poemário Sombras luminosas:


Há quem tenha mantras para dizer...

Dizias mantras, não muitos, mas dizias alguns.
Felizes os que dizem pelo menos alguns mantras
têm muitos mais para dizer, saibam-nos ou não.
Os que não têm mantras para dizer,
não têm mantras para dizer, nem sabem
os mantras que ainda poderiam dizer.
Se eu fosse um filósofo grego
ia mesmo agora para a pólis discursar:
os que dizem mantras, dizem mantras;
os que não dizem mantras, não dizem mantras!
Seria assim o meu discurso.

António Eduardo Lico
Uma poesia de Miguel Torga:

Portugal

Avivo no teu rosto o rosto que me deste,
E torno mais real o rosto que te dou.
Mostro aos olhos que não te desfigura
Quem te desfigurou.
Criatura da tua criatura,
Serás sempre o que sou.

E eu sou a liberdade dum perfil
Desenhado no mar.
Ondulo e permaneço.
Cavo, remo, imagino,
E descubro na bruma o meu destino
Que de antemão conheço:

Teimoso aventureiro da ilusão,
Surdo às razões do tempo e da fortuna,
Achar sem nunca achar o que procuro,
Exilado
Na gávea do futuro,
Mais alta ainda do que no passado.

domingo, 14 de outubro de 2012

Reponho uma poesia do poemário Sombras luminosas:


Deusa esquecida

De tão última que eras
nem chegaste a ser criada
e no entanto nasciam-te peixes dos pés
quando deixavas os rios.
E eras deusa porque não foste criada
e eras deusa porque te nasciam peixes dos pés.

António Eduardo Lico
Canção da Fronteira musicada e cantada por Adriano Correia de Oliveira:


Uma poesia da António Cabral - Canção da Fronteira:

Moça tão formosa
não vi na fronteira
como uma ceifeira
que cantava, Rosa

Foi em Barca d´Alva
quando o sol nascia
uma ceifeira cantava
cantando vertia
trovas na fronteira
quando o sol nascia

A saia de chita
rosinha, limão
que coisa bonita
sobre o coração
nos ramos da luz
um fruto limão

De foice na mão
suspensa de um sonho
mordendo dois bagos
rubros de medronho
seus olhos dois bagos
suspensos de um sonho

Devia ser pobre
mas cantava Rosa
romã que se abria
na manhã formosa
Que canto que sonho
que engano de rosa

Foi em Barca d´Alva
quando o sol nascia
uma ceifeira cantava
cantando vertia
trovas na fronteira
quando o sol nascia

Moça tão formosa
não vi na fronteira
como uma ceifeira
que cantava Rosa

sábado, 13 de outubro de 2012

Coimbra e o Mondego - Carlos Paredes


Reponho uma poesia do poemário Sombras luminosas:


Bucólica

 Nas Éclogas falamos de pastores.
Nas poesias que não são Éclogas
não falamos de pastores.
Os pastores das Éclogas são breves;
tão fugazes como uma poesia que se escreve
e se torna inútil, porque já foi escrita.
Lá fora a chuva cai oblíqua às horas
e transforma o silêncio em música líquida.
Numa qualquer personagem de mim mesmo,
passam na memória vagos pastores.
Afasto as horas e os relógios
e sou apenas este instante.

António Eduardo Lico
Verdes são os campos  musicado e cantado por José Afonso:


Verdes são os campos de Luís de Camões:

Verdes são os campos,
De cor de limão:
Assim são os olhos
Do meu coração.

Campo, que te estendes
Com verdura bela;
Ovelhas, que nela
Vosso pasto tendes,
De ervas vos mantendes
Que traz o Verão,
E eu das lembranças
Do meu coração.

Gados que pasceis
Com contentamento,
Vosso mantimento
Não no entendereis;
Isso que comeis
Não são ervas, não:
São graças dos olhos
Do meu coração.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Reponho uma poesia do poemário Sombras luminosas:


Lamento para os deuses desaparecidos

No tempo em que os deuses eram feitos de nada
e os homens eram feitos de tudo
os deuses eram felizes, e eram livres.
E eram muitos, nasciam do nada, e eram tudo.
Agora que desapareceram, devem estar nostálgicos
de divina nostalgia.

Não sei se os deuses, mesmo os desaparecidos,
sentem nostalgia; afinal já não existem.
Mais certo é os deuses que ainda existem
sofrerem de nostalgia, ainda que ferindo
os seus divinos atributos e potestades.

Não, não venho armado de intenções teológicas
ou sequer de nostalgia.
Os deuses antigos eram mais deuses
porque já não existem.
O poeta de hoje é António Quadros (pintor).
Para uma resenha da sua biografia, pode ser consultado o link da Infopédia:  http://www.infopedia.pt/$antonio-quadros-(pintor)
Fica esta poesia:



Ode ao Cristo
das Janelas Verdes

Quem te pintou triste e secreto,
Ó Cristo de olhar vendado,
Ó Cristo misterioso,
Abandonado
No Museu das Janelas Verdes,
Quem te pintou saudoso,
Talvez do Céu, talvez do Homem,
Talvez da criação antes da prova,
Quem te pintou assim, sereno e encoberto,
Imagem nova
Que um povo a ti votado
Um dia descobriu?
Ninguém conhece o mestre que te viu
Enigmático, silencioso,
Um Deus, dir-se-ia, envergonhado,
Mais que humilhado,
Vexado
Porque a palavra se cumpriu,
Porque na hora precisa
Os seus irmãos eleitos
O julgaram,
O feriram,
O mataram
E porque ao longo deste tempo interminável,
Após a crucifixão,
Após a ressurreição
O julgamento prossegue,
A tortura, o crime,
A traição,
O deicídio constantemente perpetrado
Ao sabor da existência quotidiana.
Ninguém conhece o pintor, o iniciado,
O sabedor do mistério
Que é o longo movimento necessário
Do nosso universo imaginário,
Onde tudo é signo e símbolo,
Onde o olhar de Jesus, encoberto,
Ensina a suprema perfeição
De um Deus capaz de amar
E de chorar,
De um Deus assassinado capaz de ressurgir
E de voltar
Sem parábolas, sem cifras, sem véus
Na plenitude da final revelação.
Ah, não, bizantinos sonhadores,
Não estetas da Itália,
Da França,
Mestres da Flandria,
Da fria Inglaterra,
Da férrea Germânia,
Não pintores da Espanha,
Vossa não podia ser a exata imagem
Que um português criou e jaz sepulta
No Museu das janelas Verdes, em Lisboa!
De Ti, sábio Jesus,
Promotor do movimento necessário,
Homem secreto do futuro cumprido,
De Ti fizeram um diáfano celeste
De ouro ornado e neste mundo perdido,
Um reflexo do maravilhoso céu sonhado,
Entre nós caído
Para que místicamente o contemplássemos...
De Ti fizeram um Orfeu ou um Apolo,
Querendo idealizar-te à helênica medida,
A finita estrutura
Do sedutor, estético humanismo...
De Ti fizeram um racional justiceiro,
Um implacável profeta, um missionário
Da Lei divina,
Um Rei,
Um General,
Um Papa,
De Ti fizeram ainda um comerciante de almas
Demasiado carnal,
Demasiado terreno em cenas burguesas,
Em habituais paisagens holandesas,
De Ti fizeram um transcendente imperador
Que pela vontade e nela inteligência
Os homens foi capaz, de dominar...
De Ti fizeram um humano angustiado,
Primeiro Ator do teatro do mundo,
Aflito protagonisa de tragédia...
Mas Tu não choras, ó Cristo,
Pelo Teu padecimento,
Não sais fora de Ti em esgares de sofrimento,
Não és o magro asceta castelhano,
O torturado místico envolto em sombras,
O cadaveroso deformado!
Sofres, sereno,
Sofres, saudoso,
Sofres, sábio e santo
Mas não por Ti,
Se sofres é por nós, sempre e hoje,
Nos no longo, interminável tempo,
Nós em guerras, em doenças, em horrores,
Nós, infiéis de geração em geração,
Nós perdidos,
Nós esquecidos,
Nós, livres, libertos, todavia,
Senhores da invocação, da decisão,
Senhores da graça luminosa
Ou do erro gasto e repetido.
Sofres secreto
E o teu olhar de fogo ficará oculto
Até que à pureza humana o possas desvelar.
Este é o povo das grandes, longas quedas
E também das grandes, fundas intuições,
Este é o povo que em Cristo vê o Messias revelado
E também o Messias encoberto de porvir,
Este é o povo que ama o Deus menino
Porque até na maturidade do Cristo renascido
Descobre a virtualidade infinita, irrevelada,
O imenso Ser, para lá de toda a imagem,
O Espírito sem limites que a infância anuncia
E que jamais, num conceito, num olhar,
Jamais numa verdade humana se detém.
Ó Cristo de olhar vendado,
Ó Cristo misterioso,
Abandonado
No Museu das Janelas Verdes,
Ó Cristo encoberto e final,
Vem,
Traz até nós o que ainda não somos,
Ensina-nos a sermos o para que nos criastes,
Em nome do nosso apelo,
Em nome do nosso sonho,
Em nome do nosso almejar-te e conceber-te
Tu e Outro,
Patente e todavia encoberto
Como no Ecce Homo das Janelas Verdes,
Em nome do desejo de total superação
Que subsiste no coração de todos os humanos,
De todos sem exceção,
Vem
E consagra a matéria deste mundo,
O que em nós pesa e obsta
A luz imensa do Teu Espírito,
Que todos pressentimos,
Todos sem exceção,
Ainda quando três vezes Te negamos.
Ó Cristo próximo e distante,
Ó Cristo saudoso,
Misterioso,
Vem...
Conhecemos a dor,
Tarda-nos o amor,
Vem conosco no termos merecido
O império de paz que no mundo cindido
Entre gente próxima edificamos,
Vem conosco no olharmos ao espelho dos teus olhos desvelados.
A nossa clara imagem descoberta,
Vem conosco, Irmão,
Na alegria de cantar aos quatro ventos,
Nos cinco continentes, nas terras e nos céus,
Ecce Homo! Enfim, enfim, o Homem!

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Reponho uma poesia do poemário Sombras luminosas:


Prometeu

Oh insigne Prometeu, da raça de deuses antigos destronados
que sendo deus, não tinha o fogo, apenas o Princípio.
Zeus deu-te um tangível fígado, Homero deu-te qualidades.
Zeus, depressa esgotou a imaginação,
deuses de segunda geração, são assim!
Enviar-te uma águia para te devorar o fígado
e depois espalhar a tua divindade pelo Peleponeso.
Queria-te eternamente póstumo, matando-te todos os dias,
que são assim os deuses de segunda geração;
Héracles te libertou; divino como eras
regressaste ao Princípio.

António Eduardo Lico
Uma poesia de Rubén Dario:



Elogio de la seguidilla

Metro mágico y rico que al alma expresas
llameantes alegrías, penas arcanas,
desde en los suaves labios de las princesas
hasta en las bocas rojas de las gitanas.

Las almas armoniosas buscan tu encanto,
sonora rosa métrica que ardes y brillas,
y España ve en tu ritmo, siente en tu canto
sus hembras, sus claveles, sus manzanillas.

Vibras al aire alegre como una cinta,
el músico te adula, te ama el poeta;
Rueda en ti sus fogosos paisajes pinta
con la audaz policromía de su paleta.

En ti el hábil orfebre cincela el marco
en que la idea-perla su oriente acusa,
o en tu cordaje armónico formas el arco
con que lanza sus flechas la airada musa.

A tu voz en el baile crujen las faldas,
los piececitos hacen brotar las rosas
e hilan hebras de amores las Esmeraldas
en ruecas invisibles y misteriosas.

La andaluza hechicera, paloma arisca,
por ti irradia, se agita, vibra y se quiebra,
con el lánguido gesto de la odalisca
o las fascinaciones de la culebra.

Pequeña ánfora lírica de vino llena
compuesto por la dulce musa Alegría
con uvas andaluzas, sal macarena,
flor y canela frescas de Andalucía.

Subes, creces, y vistes de pompas fieras;
retumbas en el ruido de las metrallas,
ondulas con el ala de las banderas,
suenas con los clarines de las batallas.

Tienes toda la lira: tienes las manos
que acompasan las danzas y las canciones;
tus órganos, tus prosas, tus cantos llanos
y tus llantos que parten los corazones.

Ramillete de dulces trinos verbales,
jabalina de Diana la Cazadora,
ritmo que tiene el filo de cien puñales,
que muerde y acaricia, mata y enflora.

Las Tirsis campesinas de ti están llenas,
y aman, radiosa abeja, tus bordoneos;
así riegas tus chispas las nochebuenas
como adornas la lira de los Orfeos.

Que bajo el sol dorado de Manzanilla
que esta azulada concha del cielo baña,
polítona y triunfante, la seguidilla
es la flor del sonoro Pindo de España.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Reponho uma poesia do poemário Sombras luminosas:


Calendário, uma história breve do meu tempo

Nasci no século vinte
dizem-me as pessoas e os calendários.
As pessoas falam dos calendários,
os calendários, nem por isso.
Não sou excessivamente gregoriano,
nem o sou moderadamente.
Não estou a dizer que não sou gregoriano
Apenas digo que não o sou excessivamente,
nem o sou moderadamente.
Perante o meu próprio calendário
Sou um pied noire, um Mersault
sem justificações para o tempo e os tempos
Que bela bula Gregório XIII expediu! Inter Gravissima.
As bulas são belas, sem o serem
e porque não sabem que são bulas, nem a que se destinam.
Passam o tempo e os tempos
nem o agora me permance.

Uma poesia de Al Mutamid, poeta nascido onde é hoje a cidade de Beja (tradução de Adalberto Alves):

Itimad

Invisível a meus olhos,
trago-te sempre no coração.
Envio-te um adeus feito de paixão
e lágrimas de pena com insónia.
Inventaste como possuir-me,
e eu, o indomável, submisso vou ficando!
Meu desejo é estar contigo sempre,
oxalá se realize tal vontade!
Assegura-me que o juramento que nos une
nunca a distância o fará quebrar.
Doce é o nome que é o teu
e que deixo escrito no poema: Itimad.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Reponho Uma poesia do poemário Sombras luminosas:


Soneto del duende que soñó con la luna

Soñando el duende mira la luna
Y su sueño se vuelve de plata
Una flor vuela hecha serenata
Y busca el verde de la aceituna

La melodia es canción de cuna
Ardiendo como se fuera sonata
Y por los aires vuela insensata
Como pasarillo en la laguna

La guitarra la tiene por almohada
Y hierbas ardientes como luceros
De una estrellita vinda de Granada

Hacen sus cabellos aventureros
Hermosos ginetes en galopada,
Hasta la luna, ardientes camineros

António Eduardo Lico
Uma poesia de Fenando Echevarria:

Vinham Rosas na Bruma Florescidas

Vinham rosas na bruma florescidas
rodear no teu nome a sua ausência.
E a si se coroavam, e tingiam
a apenas sombra de sua transparência.

Coroavam-se a si. Ou no teu nome
a mágoa que vestiam madrugava
até que a bruma dissipasse o bosque
e ambos surgissem só lugar de mágoa.

Mágoa não de antes ou de depois. Presente
sempre actual de cada bruma ou rosa,
relativos ou não no espelho ausente.

E ausente só porque, se não repousa,
é nome rodopio que, na mente,
em bruma a brisa em que se aviva a rosa.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Uma poesia do poemário Que de dentro não se vê:


Rosa Vermelha
(Homenagem a Rosa Luxemburgo, assassinada pelos social-democratas alemães)

Vermelha é a Rosa
e agora está ela
de vermelho tingida.
Não te queriam vermelha
nem te queriam Rosa
e te quiseram sem perfume.
De Eros recebeste o silêncio
que a rosa esconde.
Emergiste na espuma das águas,
as pétalas numa concha
e eras vermelha, como uma Rosa.

António Eduardo Lico
Uma poesia de Miguel Hernandez:



JURAMENTO DE LA ALEGRÍA

Sobre la roja España blanca y roja,
blanca y fosforescente,
una historia de polvo se deshoja,
irrumpe un sol unánime, batiente.

Es un pleno de abriles,
una primaveral caballería,
que inunda de galopes los perfiles
de España: es el ejército del sol, de la alegría.

Desaparece la tristeza, el día
devorador, el marchitado tallo,
cuando, avasalladora llamarada,
galopa la alegría en un caballo
igual que una bandera desbocada.

A su paso se paran los relojes,
las abejas, los niños se alborotan,
los vientres son más fértiles, más profusas las trojes,
saltan las piedras, los lagartos trotan.

Se hacen las carreteras de diamantes,
el horizonte lo perturban mieses
y otras visiones relampagueantes,
y se sienten felices los cipreses.

Avanza la alegría derrumbando montañas
y las bocas avanzan como escudos.
Se levanta la risa, se caen las telarañas
ante el chorro potente de los dientes desnudos.

La alegría es un huerto del corazón con mares
que a los hombres invaden de rugidos,
que a las mujeres muerden de collares
y a la piel de relámpagos transidos.

Alegraos por fin los carcomidos,
los desplomados bajo la tristeza:
salid de los vivientes ataúdes,
sacad de entre las piernas la cabeza,
caed en la alegría como grandes taludes.

Alegres animales,
la cabra, el gamo, el potro, las yeguadas,
se desposan delante de los hombres contentos.
Y paren las mujeres lanzando carcajadas,
desplegando su carne firmamentos.

Todo son jubilosos juramentos.
Cigarras, viñas, gallos incendiados,
los árboles del Sur: naranjos y nopales,
higueras y palmeras y granados,
y encima el mediodía curtiendo cereales.

Se despedaza el agua en los zarzales:
las lágrimas no arrasan,
no duelen las espinas ni las flechas.
Y se grita ¡Salud! a todos los que pasan
con la boca anegada de cosechas.

Tiene el mundo otra cara. Se acerca lo remoto
en una muchedumbre de bocas y de brazos.
Se ve la muerte como un mueble roto,
como una blanca silla hecha pedazos.

Salí del llanto, me encontré en España,
en una plaza de hombres de fuego imperativo.
Supe que la tristeza corrompe, enturbia, daña...
Me alegré seriamente lo mismo que el olivo.
Hugo Chavez derrotou o candidato dos gringos, da banca, grande finança, da oligarquia do petróleo. isto também é poesia...
Deixo esta música de uma grande autor sul -americano, Daniel Viglietti para expressar a minha admiração pelas venezuelanas e venezuelanos que deram a vitória a Hugo Chavez:


domingo, 7 de outubro de 2012

Reponho uma poesia do poemário Sombras luminosas:


Grito na sombra

Era um grito, ou era uma luz sonâmbula,
ou um gato que mia, porque os gatos miam.
Não sou o hermeneuta porque esperam
estou para além do nevoeiro

António Eduardo Lico
Uma poesia de António Manuel Pina:

A um Jovem Poeta

Procura a rosa.
Onde ela estiver
estás tu fora
de ti. Procura-a em prosa, pode ser

que em prosa ela floresça
ainda, sob tanta
metáfora; pode ser, e que quando
nela te vires te reconheças

como diante de uma infância
inicial não embaciada
de nenhuma palavra
e nenhuma lembrança.

Talvez possas então
escrever sem porquê,
evidência de novo da Razão
e passagem para o que não se vê.

sábado, 6 de outubro de 2012

Reponho uma poesia do poemário Sombras luminosas:


Duende com rosas...

...de súbito a luz que te inunda o sorriso
é um duende que caminha pelo teu rosto
procurando a sombra das rosas.

António Eduardo Lico
Bairro Negro cantado por José Afonso



Uma poesia de José Afonso:

Menino do Bairro Negro

Olha o sol que vai nascendo
Anda ver o mar
Os meninos vão correndo
Ver o sol chegar

Menino sem condição
Irmão de todos os nus
Tira os olhos do chão
Vem ver a luz

Menino do mal trajar
Um novo dia lá vem
Só quem souber cantar
Vira também

Negro bairro negro
Bairro negro
Onde não há pão
Não há sossego

Menino pobre o teu lar
Queira ou não queira o papão
Há-de um dia cantar
Esta canção

Olha o sol que vai nascendo
Anda ver o mar
Os meninos vão correndo
Ver o sol chegar

Se até da gosto cantar
Se toda a terra sorri
Quem te não há-de amar
Menino a ti

Se não é fúria a razão
Se toda a gente quiser
Um dia hás-de aprender
Haja o que houver

Negro bairro negro
Bairro negro
Onde não há pão
Não há sossego

Menino pobre o teu lar
Queira ou não queira o papão
Há-de um dia cantar
Esta canção

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Reponho uma poesia do poemário Sombras luminosas:


Uma Luz na Alvorada

As veredas do fim do mundo
no queixume do primeiro anjo
esse querubim de doze asas.
Ainda não era Prometeu,
apenas luz e fogo a cada manhã.
Em ti permanece a eterna alvorada
como a primeira luz.

António Eduardo Lico
Uma poesia de Cesare Pavese, tradução de Carlos Leite:


Mito

Virá o dia em que o jovem deus será um homem,
sem sofrimento, com o morto sorriso do homem
que compreendeu. Também o sol se move longínquo
avermelhando as praias. Virá o dia em que o deus
já não saberá onde eram as praias de outrora.

Acorda-se uma manhã em que o Verão morreu,
e nos olhos tumultuam ainda esplendores
como ontem e no ouvido os fragores do sol
feito sangue. A cor do mundo mudou.
A montanha já não toca o céu; as nuvens
já não se amontoam como frutos; na água
já não transparece um seixo. O corpo dum homem
curva-se pensativo onde um deus respirava.

O grande sol acabou, e o cheiro da terra
e a rua livre, colorida de gente
que ignorava a morte. Não se morre de Verão.
Se alguém desaparecia, havia o jovem deus
que vivia por todos e ignorava a morte.
Nele a tristeza era uma sombra de nuvens.
O seu passo pasmava a terra.

                          Agora pesa
o cansaço sobre todos os membros do homem,
sem sofrimento: o calmo cansaço da madrugada
que abre um dia de chuva. As praias sombreadas
não conhecem o jovem a quem outrora bastava
que as olhasse. Nem o mar do ar revive
na respiração. Cerram-se os lábios do homem
resignados, para sorrir frente à terra.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Reponho duas poesias do poemário Esta brevidade das palavras:



Melodia que a água do rio canta...

Não há melodia na água de um rio.
É apenas água que corre.
A melodia consiste em vê-la correr.


Melodia que a água do rio canta...

Não há melodia na água de um rio.
É apenas água que corre.
A melodia consiste em vê-la correr.

António Eduardo Lico