quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Duas poesias que escrevi entre 2006 e 2007, sendo uma em inglês, a segunda que escrevi nesta Língua.


Orquídea

Bela, a orquídea no orquidário.
Não sabe que é bela
e é feliz assim,
bela, sem saber que é bela
feliz sem saber que é feliz.
É bela a orquídea no orquidário
sem saber que está no orquidário.

As orquídeas que não estão no orquidário
não são belas. Não estão no orquidário,
não sabem que não estão no orquidário
e não são belas, nem sabem que não são belas.
E brincam de se colorirem de cores, indiferentes.
E brincam de se vestir com perfume, indiferentes.
E brincam de não saberem, nunca sabem,
que não estão no orquidário.
E brincam de serem belas, sem saber que não são belas
as orquídeas que não estão no orquidário.

As orquídeas foram criadas para os orquidários.
As outras orquídeas, as que não conhecem o orquidário
não são orquídeas, são apenas flores.


Padington

At Padington, the train was a blue bird
flying on the grey walls.
The train whistle sounded,
hoarse and melancholy, leaving his steel cage.
At Padington, time stopped on the grey walls
and flew with the long good-bye of the blue bird.

Hoje o capricho do acaso apontou para Eugénio de Andrade.
Eugénio de Andrade, nome literário de José Fontinhas Rato, nasceu em 1923 na Freguesia da Póvoa da Atalaia - Fundão. Faleceu no Porto em 2005.
Depressa alcançou a consagração com As Mãos e os Frutos publicado em 1948, acolhido calorosamente por nomes como Jorge de Sena, Eduardo Lourenço, Vitorino Nemésio.
A poesia de Eugénio de Andrade, fica como uma das mais intensas e belas da poesia portuguesa moderna.
Deixo precisamente de As Mãos e os Frutos uma das mais conhecidas e uma das mais belas poesias - To a Green God:


To a Green God



Trazia consigo a graça
das fontes, quando anoitece.
Era o corpo como um rio
em sereno desafio
com as margens, quando desce.


Andava como quem passa,
sem ter tempo de parar.
ervas nasciam dos passos,
cresciam troncos dos braços
quando os erguia no ar.


Sorria como quem dança.
E desfolhava ao dançar
o corpo, que lhe tremia
num ritmo que ele sabia
que os deuses devem usar.


E seguia o seu caminho,
porque era um deus que passava.
Alheio a tudo o que via,
enleado na melodia
de uma flauta que tocava.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Duas poesias que escrevi, creio que em 2005:


No Alto da Montanha, com vinho, entre flores, olhando a lua (Homenagem a Li Bai)

Comoveste os deuses com a tua poesia,
o teu amigo Du Fu bem sabia.
Das flores caíram lágrimas de sede
quando a tua voz se calava.
Bebeste em todas as montanhas,
tu e a tua sombra, o vinho que a lua dava.
Quiseste da lua o líquido reflexo
no plácido fundo do lago.
Chang'e esperava-te e serviu-te vinho.


O vinho por sobre a rosa

Bebe o teu vinho
e como o persa longínquo
procura as rosas.
As que existem vermelhas nos lábios
e as que perfumam e dão cor ao vinho.
Colhe dos lábios a cor rubra
e do vinho o delicado perfume.
Só assim terás a tua rosa
e a tua eternidade.




O acaso encontra-se hoje com António Ramos Rosa. Nascido em 1924 em Faro, é uma das grandes vozes da poesia contemporânea, e falo a nível planetário.
O rigor da sua poesia, a busca interminável da palavra certa, do verso que uma poesia requer.
Agraciada com diversos Prémios, a singular e vasta obra poética de António Ramos Rosa cintila na constelação da Poesia actual.
Deixo uma poesia da seu livro Poemas Nus (1953-1958)

ESTOU COMO SE NÃO HOUVESSE MAIS PARA DIZER


Estou como se não houvesse mais para dizer que uma
                                                                        [palavra
uma interminável palavra
no interminável silêncio

Estou como um cavalo esquelético à beira dum horizonte
perdidos todos os caminhos

Estou no entanto familiar
e rodeado de presenças

Escavo no chão absurdo
e uma pedra dá-me confiança

Na solidão da terra encontro
como o vestígio dum segredo

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Mais duas poesias minhas, escritas, creio que em 2005


Lume

Lume, que no limiar do calor
tinges de púrpura
a lenha que de verde
e verde e verde, te vai gerar


Na pedra Orfeu buscava encantamento

À pedra Orfeu pediu que sorrisse
e a sua dureza fosse mais suave.
Da lira o som regressava a Hades
e o triste pastor Aristeu
cumpria seu fado de seduzir Eurídice.
Da pedra Orfeu colheu a saudade
ou o ciúme, ou a dúvida de Eurídice
diluindo-se no ar

Miguel Torga, mais a personalidade que o autor, serve várias controvérisias. Abundantemente cidado pelos politiqueiros que vão poluindo Portugal, mas sempre com cuidado com o que citam.
Vale a pena citar aqui ditos de Torga que os politiqueiros de Portugal evitam citar, e mais, desejariam que nunca outros os lembrassem:

  • A política é para eles (os políticos) uma promoção e, para mim uma aflição
  • Falando acerca da regionalização, Torga afirma - O mundo a braços com o drama das diversidades e nós, que há oitocentos anos temos a unidade nacional no território, na língua, nos costumes e na religião, vamos desmioladamente destruí-la?
  •  Sobre a temática ligada à União Europeia é manifestamente contra e não se exime a afirmar: É o repúdio de um poeta português pela irresponsabilidade com que meia dúzia de contabilistas lhe alienaram a soberania(...) e Maastricht há-de ser uma nódoa indelével na memória da Europa.
Deixo o seu Orfeu Rebelde:



ORFEU REBELDE

Orfeu rebelde, canto como sou:
Canto como um possesso
Que na casca do tempo, a canivete,
Gravasse a fúria de cada momento;
Canto, a ver se o meu canto compromete
A eternidade no meu sofrimento.

Outros, felizes, sejam rouxinóis...
Eu ergo a voz assim, num desafio:
Que o céu e a terra, pedras conjugadas
Do moinho cruel que me tritura,
Saibam que há gritos como há nortadas,
Violências famintas de ternura.

Bicho instintivo que adivinha a morte
No corpo dum poeta que a recusa,
Canto como quem usa
Os versos em legítima defesa.
Canto, sem perguntar à Musa
Se o canto é de terror ou beleza.
Camóes. Era já devido a que o acaso que navega por esta página virtual, desse com a poética de Luìs Vaz dc Camões.
Apenas uma certeza - continuará a dar trabalho à Crítica e aos críticos.
Dele quero deixar aqui, aquela que eu entendo ser a melhor poesia alguma vez escrita em Língua Portuguesa. Concedo que pode ser arbitrário, mas vale tentar.
Conhecida por Sôbolos rios que vão (o seu primeiro verso), Redondilhas de Babel e Sião e Super Flumina vale a pena reler tão longa poesia:


1
Sôbolos rios que vão
por Babilónia, me achei,
Onde sentado chorei
as lembranças de Sião
e quanto nela passei.
Ali, o rio corrente
de meus olhos foi manado,
e, tudo bem comparado,
Babilónia ao mal presente,
Sião ao tempo passado.
2
Ali, lembranças contentes
n'alma se representaram,
e minhas cousas ausentes
se fizeram tão presentes
como se nunca passaram.
Ali, depois de acordado,
co rosto banhado em água,
deste sonho imaginado,
vi que todo o bem passado
não é gosto, mas é mágoa.
3
E vi que todos os danos
se causavam das mudanças
e as mudanças dos anos;
onde vi quantos enganos
faz o tempo às esperanças.
Ali vi o maior bem
quão pouco espaço que dura,
o mal quão depressa vem,
e quão triste estado tem
quem se fia da ventura.
4
Vi aquilo que mais val,
que então se entende milhor
quanto mais perdido for;
vi o bem suceder o mal,
e o mal, muito pior,
E vi com muito trabalho
comprar arrependimento;
vi nenhum contentamento,
e vejo-me a mim, que espalho
tristes palavras ao vento.
5
Bem são rios estas águas,
com que banho este papel;
bem parece ser cruel
variedade de mágoas
e confusão de Babel.
Como homem que, por exemplo
dos transes em que se achou,
despois que a guerra deixou,
pelas paredes do templo
suas armas pendurou:
6
Assi, despois que assentei
que tudo o tempo gastava,
da tristeza que tomei
nos salgueiros pendurei
os órgãos com que cantava.
Aquele instrumento ledo
deixei da vida passada,
dizendo: -- Música amada,
deixo-vos neste arvoredo
à memória consagrada.
7
Frauta minha que, tangendo,
os montes fazíeis vir
para onde estáveis, correndo,
e as águas, que iam decendo,
tornavam logo a subir:
jamais vos não ouvirão
os tigres que se amansavam,
e as ovelhas, que pastavam,
das ervas se fartarão
que por vos ouvir deixavam.
8
Já não fareis docemente
em rosas tornar abrolhos
na ribeira florecente;
nem poreis freio à corrente,
e mais, se for dos meus olhos.
Não movereis a espessura,
nem podereis já trazer
atrás vós a fonte pura,
pois não pudeste mover
desconcertos da ventura.
9
Ficareis oferecida
à Fama, que sempre vela,
frauta de mim tão querida;
porque, mudando-se a vida,
se mudam os gostos dela.
Acha a tenra mocidade
prazeres acomodados,
e logo a maior idade
já sente por pouquidade
aqueles gostos passados.
10
Um gosto que hoje se alcança,
amanhã já o não vejo;
assi nos traz a mudança
de esperança em esperança,
e de desejo em desejo.
Mas em vida tão escassa
que esperança será forte?
Fraqueza da humana sorte,
que, quanto da vida passa,
está receitando a morte?
11
Mas deixar nesta espessura
o canto da mocidade,
não cuide a gente futura
que será obra da idade
o que é força da ventura.
Que idade, tempo, o espanto
de ver quão ligeiro passe,
nunca em mim puderam tanto
que, posto que deixe o canto,
a causa dele deixasse.
12
Mas, em tristezas e nojos,
em gosto e contentamento,
por sol, por neve, por vento,
tendré presente á los ojos
por quien muero tan contento.
Órgãos e frauta deixava,
despojo meu tão querido,
no salgueiro que ali estava
que para troféu ficava
de quem me tinha vencido.
13
Mas lembranças da afeição
que ali cativo me tinha,
me perguntaram então:
que era da música minha
que eu cantava em Sião?
Que foi daquele cantar
das gentes tão celebrado?
Porque o deixava de usar?
Pois sempre ajuda a passar
qualquer trabalho passado.
14
Canta o caminhante ledo
no caminho trabalhoso,
por entre o espesso arvoredo;
e, de noite, o temeroso,
cantando, refreia o medo.
Canta o preso docemente
os duros grilhões tocando;
canta o sagador contente;
e o trabalhor, cantando,
o trabalho menos sente.
15
Eu, que estas cousas senti
n'alma, de mágoas tão cheia,
- Como dirá, respondi,
quem alheio está de si
doce canto em terra alheia?
Como poderá cantar
quem em choro banha o peito?
Porque, se quem trabalhar
canta por menos cansar,
eu, só, descansos enjeito.
16
Que não parece razão
nem seria cousa idónea,
por abrandar a paixão,
que cantasse em Babilónia
as cantigas de Sião.
Que, quando a muita graveza
de saudade quebrante
esta vital fortaleza,
antes moura de tristeza
que, por abrandá-la, cante.
17
Que se o fino pensamento
só na tristeza consiste,
não tenho medo ao tormento:
que morrer de puro triste,
que maior contentamento?
Nem na frauta cantarei
o que passo, e passei já,
nem menos o escreverei,
porque a pena cansará,
e eu não descansarei.
18
Que, se a vida tão pequena
se acrescenta em terra estranha,
e se amor assi o ordena,
razão é que canse a pena
de escrever pena tamanha.
Porém se, para assentar
o que sente o coração,
a pena já me cansar,
não canse para voar
a memória em Sião.
19
Terra bem-aventurada,
se, por algum movimento,
d'alma me fores mudada,
minha pena seja dada
a perpétuo esquecimento.
A pena deste desterro,
que eu mais desejo esculpida
em pedra, ou em duro ferro,
essa nunca seja ouvida,
em castigo de meu erro.
20
E se eu cantar quiser,
em Babilónia sujeito,
Hierusalém, sem te ver,
a voz, quando a mover,
se me congele no peito.
A minha língua se apegue
às fauces, pois te perdi,
se, enquanto viver assi,
houver tempo em que te negue
ou que me esqueça de ti.
21
Mas ó tu, terra de Glória,
se eu nunca vi tua essência,
como me lembras na ausência?
Não me lembras na memória,
senão na reminiscência.
Que a alma é tábua rasa,
que, com a escrita doutrina
celeste, tanto imagina,
que voa da própria casa
e sobe à pátria divina.
22
Não é, logo, a saudade
das terras onde nasceu
a carne, mas é do Céu,
daquela santa Cidade,
donde esta alma descendeu.
E aquela humana figura,
que cá me pode alterar,
não é quem se há-de buscar:
é raio da Fermosura,
que só se deve de amar.
23
Que os olhos e a luz que ateia
o fogo que cá sujeita,
não do sol, mas da candeia,
é sombra daquela Ideia
que em Deus está mais perfeita.
E os que cá me cativaram
são poderosos afeitos
que os corações têm sujeitos;
sofistas que me ensinaram
maus caminhos por direitos.
24
Destes o mando tirano
me obriga, com desatino,
a cantar ao som do dano
cantares de amor profano
por versos de amor divino.
Mas eu, lustrado co santo
Raio, na terra de dor,
de confusão e de espanto,
como hei-de cantar o canto
que só se deve ao Senhor?
25
Tanto pode o benefício
da Graça, que dá saúde,
que ordena que a vida mude;
e o que tomei por vício
me faz grau para a virtude;
e faz que este natural
amor, que tanto se preza,
suba da sombra ao Real,
da particular beleza
para a Beleza geral.
26
Fique logo pendurada
a frauta com que tangi,
ó Hierusalém sagrada,
e tome a lira dourada,
para só cantar de ti.
Não cativo e ferrolhado
na Babilónia infernal,
mas dos vícios desatado,
e cá desta a ti levado,
Pátria minha natural.
27
E se eu mais der a cerviz
a mundanos acidentes,
duros, tiranos e urgentes,
risque-se quanto já fiz
do grão livro dos viventes.
E tomando já na mão
a lira santa e capaz
doutra mais alta invenção,
cale-se esta confusão,
cante-se a visão da paz.
28
Ouça-me o pastor e o Rei,
retumbe este acento santo,
mova-se no mundo espanto,
que do que já mal cantei
a palinódia já canto.
A vós só me quero ir,
Senhor e grão Capitão
da alta torre de Sião,
à qual não posso subir,
se me vós não dais a mão.
29
No grão dia singular
que na lira o douto som
Hierusalém celebrar,
lembrai-vos de castigar
os ruins filhos de Edom.
Aqueles que tintos vão
no pobre sangue inocente,
soberbos co poder vão,
arrasai-os igualmente,
conheçam que humanos são.
30
E aquele poder tão duro
dos afeitos com que venho,
que encendem alma e engenho,
que já me entraram o muro
do livre alvídrio que tenho;
estes, que tão furiosos
gritando vêm a escalar-me,
maus espíritos danosos,
que querem, como forçosos,
do alicerce derrubar-me;
31
Derrubai-os, fiquem sós,
de forças fracos, imbeles,
porque não podemos nós
nem com eles ir a Vós
nem sem Vós tirar-nos deles.
Não basta minha fraqueza
para me dar defensão,
se vós, santo Capitão,
nesta minha fortaleza
não puserdes guarnição.
32
E tu, ó carne que encantas,
filha de Babel tão feia,
toda de misérias cheia,
que mil vezes te levantas,
contra quem te senhoreia:
beato só pode ser
quem, co a ajuda celeste,
contra ti prevalecer,
e te vier a fazer
o mal que lhe tu fizeste.
33
Quem, com disciplina crua,
se fere que ua vez,
cuja alma, de vícios nua,
faz nódoas na carne sua,
que já a carne n'alma fez.
E beato quem tomar
seus pensamentos recentes
e em nacendo os afogar,
por não virem a parar
em vícios graves e urgentes.
34
Quem com eles logo der
na pedra do furor santo,
e, batendo, os desfizer
na Pedra, que veio a ser
enfim cabeça do Canto;
quem logo, quando imagina
nos vícios da carne má,
os pensamentos declina
àquela Carne divina
que na Cruz esteve já;
35
Quem do vil contentamento
cá deste mundo visível,
quanto ao homem for possível,
passar logo o entendimento
para o mundo inteligível:
ali achará alegria
em tudo perfeita e cheia
de tão suave harmonia,
que, nem por pouca, recreia,
nem, por sobeja, enfastia.
36
Ali verá tão profundo
mistério na suma Alteza,
que, vencida a natureza,
os mores faustos do mundo
julgue por maior baixeza.
Ó tu, divino aposento,
minha pátria singular!
Se só com te imaginar
tanto sobe o entendimento,
que fará se em ti se achar?
37
Ditoso quem se partir
para ti, terra excelente,
tão justo e tão penitente
que, depois de a ti subir
lá descanse eternamente.



domingo, 26 de fevereiro de 2012


Duas poesias que escrevi em 2006

Luna de Sevilla

La luna de Sevilla
cuando se mira en el Guadalquivir
se vuelve negra.

Que pena es tu pena
lunita negra de Sevilla?

En que piensas, lunita de Sevilla
cuando cobres con plata el puente de Triana?
El puente de Triana, esa de la frontera
entre el Kabir y Sevilla.
y donde Sevilla es solo un punto.

Al Mutamid se ha partido
lunita de Sevilla.
Su Taifa se perdió en el Kabir
Y su canto doloroso se vierte en el Magrib.

Ay lunita de Sevilla
cuando te miras en el Guadalquivir
regressa Hércules y Sevilla
vuelve al medio dia.

Y la luna de Sevilla
Se mira en el Guadalquivir.

Mote para uma folha que caiu, amarela, de uma árvore

Porque era Outono, quiseste abandonar,
colorindo de amarelo o espaço por onde voavas,
o espaço verde e quente, onde a seiva te habitou.

Porque era Outono, e quiseste voar
como se fora Primavera, como se fosses brincar
com a tua primaveril cor, beijando o chão

Porque era Outono, voavas ao vento
que te levava para longe e te enganava
com seu manso murmúrio

Porque era Outono, apenas Outono
e eras apenas uma folha amarela
mansamente caíste no chão






“Daqui de Penha Garcia, fala Catarina Chitas. É uma pessoa que não tem estudos nenhuns. Fui criada no campo, a guardar gado, a guardar tudo, a guardar cabras, e porcos, e vacas. E a trabalhar, a ceifar, a sachar o trigo, a arrancar o mato, a fazer tudo. A minha sabedoria é essa. Agora, de então para cá, já fui cozinheira, já fui padeira, já fui tecedeira, já passou tudo pelas minhas mãos. Só estudos da Escola é que nunca tive”.


Com imenso prazer coloco aqui esta joia musical - Catarina Chitas num canto a solo filmado por Michel Giacometti, a quem a Cultura Portuguesa tanto deve.
É a pureza do som, musical e poético do Povo.











O grande poeta espanhol, Miguel Hernandez nasceu em 1910 em Orihuela no Levante espanhol.
Intercalou estudos com o ofício de guardador de cabras.
Foi na sua natal Orihuela que Miguel Hernandez começou a sua intensa leitura e estudo dos grandes poetas do Siglo de Oro, e deu início às suas primeiras tentativas poéticas. Após uma primeira tentativa fracassada em Madrid, consegue à segunda, obter o reconhecimento. Cria novas amizades e conhecimentos, entre os quais se destacam Pablo Neruda, Rafael Alberti, Cernuda, Vicente Aleixandre, que o aproximam do surrealismo e da poesia comprometida.
Com o início da guerra civil, entrega-se por inteiro à República e ao exército republicano e coloca o seu talento literário ao serviço da causa republicana. Aderiu aos ideais comunistas.
Com a derrota dos republicanos, intenta passar a fronteira portuguesa. É preso e devolvido a Espanha. Pena de cárcere em cárcere até que a tuberculose o atinge fatalmente e morre a 28 de Março de 1942.
A sua obra que vai do teatro à prosa é testemunho do seu génio. Mas é na Poesia que atinge a plenitude.
Destacam-se na sua obra poética: Poemas Sueltos, Perito en lunas, Imagen de tu huella, El rayo que no cesa, Viento del Pueblo, Poemas últimos, a que pertence o poema aqui transcrito.




MUERTE NUPCIAL

El lecho, aquella hierba de ayer y de mañana:
este lienzo de ahora sobre madera aún verde,
flota como la tierra, se sume en la besana
donde el deseo encuentra los ojos y los pierde.
Pasar por unos ojos como por un desierto:
como por dos ciudades que ni un amor contienen.
Mirada que va y vuelve sin haber descubierto
el corazón a nadie, que todos la enarenen.
Mis ojos encontraron en un rincón los tuyos.
Se descubrieron mudos entre las dos miradas.
Sentimos recorrernos un palomar de arrullos,
y un grupo de arrebatos de alas arrebatadas.
Cuanto más se miraban más se hallaban: más hondos
se veían, más lejos, y más en uno fundidos.
El corazón se puso, y el mundo, más redondos.
Atravesaba el lecho la patria de los nidos.
Entonces, el anhelo creciente, la distancia
que va de hueso a hueso recorrida y unida,
al aspirar del todo la imperiosa fragancia,
proyectamos los cuerpos más allá de la vida.
Espiramos del todo. ¡Qué absoluto portento!
¡Qué total fue la dicha de mirarse abrazados,
desplegados los ojos hacia arriba un momento,
y al momento hacia abajo con los ojos plegados!
Peron no moriremos. Fue tan cálidamente
consumada la vida como el sol, su mirada.
No es posible perdernos. Somos plena simiente.
Y la muerte ha quedado, con los dos, fecundada.


Duas poesias que escrevi entre 2004 e 2005, sendo uma em castelhano.


La Siguiriya

La siguirya apunta el Sur.
El toque se firma, dolorido, al viento
con vierdes dedos de dolor.

La siguirya, arma del pueblo.
No por espadas, mas por sonido
arde en manos guitarreras..

Que duende sona en tus falsetas
seguirya que te vas al Sur?


Litania (levemente melancólica)


O tempo desfaz-se e corre,
como areia no verde dos meus dedos.
Regressa sempre, verde, como
os meus olhos, que são castanhos
e nunca serão verdes.
O tempo nunca é verde
quando passa nos meus olhos
que não são verdes.
Verde é a palavra, as palavras
que digo, quando escrevo
e olho com os meus olhos
o verde insondável
dos meus olhos que não são verdes.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Falar de Li Bai, o Poeta Imortal, como era conhecido, pode por vezes misturar a realidade e a lenda. Muitas dúvidas e controvérsias subsistem ainda acerca deste grande poeta.
Viveu entre 701 e 762, reinava a Dinastia Tang no Império de Meio.
Restam cerca de mil poemas cuja autoria é atribuível a Li Bai. Contemporâneo de outros dois imensos poetas chineses, Du Fu e Wang Wei, dele disse Du Fu - a sua poesia comove os próprios deuses.
Dele se disse que era um Imortal exilado na terra.
Poeta das imagens extravagantes e intensa imaginação, Li Bai continua a iluminar os caminhos da Poesia.
A poesia aqui transcrita tem tradução de Gil de Carvalho, a primeira, a segunda tem tradução de António Graça de Abreu.
Naturalmente que em posteriores artigos voltarei a colocar poesia de Li Bai.


PENSAMENTOS NOCTURNOS
Diante da cama
Brilha o luar
Que mais parece
Gelo no chão.

Se levanto a cabeça
Contemplo a Lua.
Ao baixá-la
Sonho com a terra natal.

Bebendo ao luar

Um jarro de vinho entre as flores,
bebo sozinho, sem amigos.
Levanto o copo e convido o luar,
com a minha sombra somos três.
Ah, mas a lua não sabe beber,
a sombra só sabe acompanhar meu corpo.
O luar por amigo, a sombra por escrava,
vamos todos fruir a primavera, festejar.
Eu canto e passeiam no ar
os raios de luar.
Eu danço e volteia no espaço
a sombra de mim.
Lúcidos, nós três desfrutámos prazeres suaves,
bêbados, cada um segue seu caminho.
Que possamos repetir muitas vezes
nosso singular festim
e nos encontremos, por fim,
na Via Láctea. 

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Algumas quadras do Persa Omar Khayyam.
Nascido em Nichapur em 1040 e morreu nesta mesma cidade em 1120. Astrónomo, Matemático, Geómetra e Poeta.
A sua poesia, pese embora escrita há mais de 900 anos influenciou vários poetas - Fernando Pessoa, Walt Whitman, Jorge Luis Borges, só para citar alguns dos mais ilustres.
A amarga lucidez com que Khayyam impregna as suas quadras só tem paralelo com a sua finura de poeta que caminhou sempre por entre rosas e outras flores, lindas mulheres e os mais finos vinhos.



Não vamos falar agora, dá-me vinho. Nesta noite
a tua boca é a mais linda rosa, e me basta.
Dá-me vinho, e que seja vermelho como os teus lábios;
o meu remorso será leve como os teus cabelos.


Não me lembro do dia em que nasci;
não sei em que dia morrerei.
Vem, minha doce amiga, vamos beber deste copo
e esquecer a nossa incurável ignorância.



Na estação das rosas procuro um campo florido
e sento-me à sombra com uma linda mulher;
não cuido da minha salvação: tomo o vinho
que ela me oferece; senão, o que valeria eu?

Duas poesias, que escrevi entre 2006 e 2007, sendo uma delas em castelhano.


Era Leve, tão leve nº2


Era leve, tão leve
como, na madrugada, o orvalho.
ao crepúsculo a rosa doirava a pedra
e a pedra era rosa, madrugada e orvalho.
Rosa, madrugada e orvalho feitas de
leve, tão leve e de idêntica substância
encontram-se por fim na pedra.



La guitarra

La guitarra se consome gimiendo,
arde en la oscuridad.
La luna suave en las manos del tocaor
ilumina el toque.
Y toda la Andalucia
cabe en tu sonido


Juan Ramón Jimenez, nascido em Noguer, Huelva em 1881 e falecido em Puerto Rico em 1958 é um dos enormes vultos da poesia moderna. Aclamado mestre da Geração de 27, Jimenez parte para o exílio nos alvores da guerra civil de Espanha. Autor de vasta e singular obra, foi agraciado com o Nobel da Literatura de 1956.


BALADA TRISTE DE LOS PESARES.
Cantora, tú cantabas
la tristeza de todos los días,
el puñal que asesina de olvido
la pasión de las novias sombrías.

Los pesares que tiene tu cuerpo,
carne de mi carne,
se te vuelvan alegrías.

La noche estaba triste,
con tu boca tú la florecías...
La guitarra lloraba en tu pecho
la tristeza de todos los días.

Los pesares que tiene tu cuerpo,
carne de mi carne,
se te vuelvan alegrías.

Mientras tú sollozabas,
resbalaban las lágrimas mías...
Yo encontré aquella noche en la luna
la pasión de las novias sombrías...

Los pesares que tiene tu cuerpo,
carne de mi carne,
se te vuelvan alegrías.

¡Ay!, después de cantarlas,
de tus penas también te reías...
La guitarra lloraba en tu pecho
la tristeza de todos los días...

Los pesares que tiene tu cuerpo,
carne de mi carne, se vuelvan alegrías.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012


Duas poesias que fiz entre 2004 e 2006


Enigmática

Enigmática, e embalada pelas ondas
que correm na beira mar.
Rolas com os seixos e a areia da praia,
Enigmática!


Era leve, tão leve...

Era leve, tão leve
como na madrugada, o orvalho.
Tão leve como lua flutuando
em rio de líquida substância indefinida.

No limiar do Sol que te saciava a sede
ardias, e a madrugada que em ti se esvaía
corria líquida, adivinhando
os mares que se abriam em azul, como que
se esperassem o vermelho da manhã.

Se na rosa o orvalho caíra
seria leve, tão leve
como na madrugado o orvalho.


Quando se fala de Brecht, normalmente vêm à ideia os notáveis contributos que ele deu para o teatro moderno. E em todos os níveis - desde a dramaturgia à encenação. São memoráveis as suas peças, onde a condição humana é retratada desde o seu lado negro até ao seu esplendor mais luminoso.
Menos é lembrado pela sua condição de grande poeta, que o foi.
Eugen Berthold Friedrich Brecht nascido em 1898 em Ausgsburg e falecido em 1956 em Berlim, adere às ideais marxistas nos anos 20. As suas primeiras poesias, por vezes de acentuado pendor nilista, valeram-lhe fama e reconhecimento na Alemanha.
Teve ocasião de ver a Revolução na Alemanha ser violentamente reprimida e os seus líderes barbaramente assassinados. Assistiu à ascensão de Hitler ao poder e escolheu o caminho do exílio.
Regressou no final da 2ª Guerra a uma Alemanha que já não era a mesma. Fixou-se na Alemanha Oriental e pode dar corpo às suas ideias para o Teatro com a Companhia teatral Berliner Ensemble.
Irei colocando neste espaço algumas poesias de Brecht.


Ah! Desgraçados!

Um irmão é maltratado e vocês olham para o outro lado?
Grita de dor o ferido e vocês ficam calados?
A violência faz a ronda e escolhe a vítima,
e vocês dizem: "a mim poupou-me, vamos fingir que não estamos olhando".
Mas que cidade?
Que espécie de gente é essa?
Quando campeia numa uma cidade a injustiça,
é necessário que alguém se levante.
Não havendo quem se levante,
é preferível que  num grande incêndio,
toda a cidade desapareça,
antes que a noite desça.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Duas poesias feitas entre 2004 e 2006:


De tarde, caminhando pelo vento

Do vento apenas resta a memória,
no breve ondular dos teus cabelos.

DESEJO


Quando era pequenino
um dia, eu pensei:
o Desejo deve ter asas;
pequeninas, como eu,
leves como eu.
Era apenas sonho de menino
Desejo, não tem asas
nem habita o mesmo espaço
que cabe nas asas de um menino.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Al-Mut'tmid, poeta do destino. Nascido em 1040 onde se situa hoje Beja. Viveu numa época de extrema turbulència política, de que acabaria vítima. O seu poder político-militar terminou às mão dos Almorávidas.
Poeta de grande sensibilidade, homem de alguns excessos, dado a libações.
A sua poesia oscila entre o canto do amor erótico ao sofrimento, espelho da sua condição de cativo em Marrocos, onde morreria. Ficará como uma dos grande poetas Língua àrabe, com a particularidade de ter nascido em território que um pouco mais tarde viria a fazer parte de Portugal.
Aqui fica uma poesia do livro Al-Mut'tamid poeta do Destino, tradução de Adalberto Alves.

Eclipse


ela levantou-se e ocultou
o brilho solar dos olhos meus.

Assim fique oculta da má-sorte!
ela sabe que é uma lua.


e que melhor para ocultar o sol
senão a face da própria lua?
De José Afonso muito se disse, e muito se dirá ainda. E com inteira justiça.
Poeta, e dos maiores, músico e dos melhores, cantor e dos melhores, a sua Arte perdurará para além da memória. Nestes tempos de amargura, raiva, cólera, mas ainda alguma esperança, lembremos uma canção do Zeca, que muitos de nós ouvimos em segredo, clandestinamente. Quase sou obrigado a dizer que o Zeca fez uma canção eterna, pois os vampiros continuam a sua azáfama de "chupar o sangue fresco da manada". Recordemos pois os "Vampiros".


Mais uma pequena poesia que escrevi em 2006


Da palavra o som


Porque nas palavras
o som é secreto.
Do eco resta o silêncio
da palavra.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

O poeta brasileiro, Manoel de Barros, diz no início das suas "Memórias Inventadas" - Tudo o que não invento é falso. Ou então -  Noventa por cento do que escrevo é invenção. Só dez por cento é mentira.
Com vestes surrealistas e com uma carga onírica muito forte, que não raras vezes transforma e enriquece a linguagem, o poeta Manuel de Barros é incontestavelmente um poeta maior.

Extracto do seu poema Brincadeiras in "Memórias Inventadas"

No quintal a gente gostava de brincar com palavras
mais do que a bicicleta.
Principalmente porque ninguém tinha bicicleta.
A gente brincava de palavras descomparadas. Tipo assimÇ
O céu tem três letras
O sol tem três letras
O insecto é maior. O que parecia um despropósito
Para nós não era despropósito.
Porque o insecto tem seis letras e o sol só tem três
Logo o insecto é maior.(Aqui entra a lógica?)


domingo, 19 de fevereiro de 2012


Em 2006 escrevi esta poesia em castelhano, Córdoba, terra natal de Gôngora, o grande poeta do Barroco que muitos criticaram, e logo a sguir correram a imitar.


Córdoba

Córdoba, punto de polvo y soledad
tu luna mora y gitana te mira y te desvela
cuando buscas, galante, a la agua.

Córdoba, punto de mora, luego gitana
tu soledad es la luna fria y llena
en en desnudo cielo de Agosto

Córdoba, la siguiriya vola con el viento
y tu, llana y altanera
punto de polvo y soledad.

sábado, 18 de fevereiro de 2012



Dizia Ezra Pound que quanto mais estivesse próxima da música, tanto melhor para a poesia.
Fica este clip de Octávio Sérgio a solar magnificamente as Variações em Lá menor de José Amaral, acompanhado em 2ª guitarra de Coimbra por Manuel Mora e à viola por Manuel Dourado.






As elegias romanas, ou Erotica Romana de Goethe foram escritas aquando do seu regresso  da primeira viagem a Itália.
Imbuído do espírito libertino sorvido na Itália, Goethe inicia a sequência de poemas eróticas que cabaria por ficar conhecida Por "Erotica Romana".
Não foram poucos, os seus coevos, homens ilustres e conhecidos que criticaram a "excessiva lascívia" das elegias romanas. Certo que foram reescritas para atender ao gosto de um público que apenas tolerava na literatura as emoções do prazer sensual, desde que mascarado com o recurso à mitologia, ou mesmo à imitação dos poetas da Antiguidade Clássica.
Deixo aqui um exemplo:


Quando cedeu ao nobre Iásion, o vigoroso rei dos Cretenses,
O doce segredo do seu corpo imortal.
Como se regozijou Creta, pois o leito nupcial da Deusa
Estava repleto de espigas e o campo pejado de trigo.
Mas o resto do mundo passava fome, pois no deleite
Do amor Ceres faltava ao seu belo ofício.
Cheio de espanto o iniciado ouvia a lenda,
Fez sinal à amada - Entendes gora, amor, o sinal?
Segue-me depressa até ao canavial no fundo da vinha,
O nosso prazer não traz perigo ao mundo.
Talvez a poesia encerre em si a chave mais minimalista; fazer poesia com um só verso, porventura ambição de muitos poetas.
Faço algumas vezes poesias muito curtas, como esta:


 Centro

No Centro Vazio e Pleno
a Rosa Jaz Ressuscitada

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012


Outra poesia que fiz, usando o castelhano. 



Casi Romance del caballo que se volo al Sur

En las tardecitas doradas
lo verde de los olivares
rompe por entre las nubes
y las palomas se quedan
gitanas en el cielo.
El jinete va por los huertos
y busca a la luna sureña.

Ay caballito no mires los olivos
Que pintan de verde el oro de la tarde

Cabalga jinete y rompete tus músculos
luego tus alas, ay de verde, verde, oscuras alas,
rompiendo tu dorso y piel
Les fenêtres de ma poesie sont grand'ouvertes sur les
 boulevards et dans ses vitrines
Brillent
Les pierreries de la lumière


Cantava assim o poeta Blaise Cendrars, eterno viajante, como se buscasse a poesia na aventura.
Traduziu, e forma enriquecedora "A Selva" de Ferreira de Castro para o francês e colaborou na revista "Portugal Futurista".
Vale sempre a pena reler este poeta nascido suíço e de quem Paul Eluard dizia ser um dos grandes da poesia francesa.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Baladilla de la flor muerta

Nasci numa cidade de fronteiras e contacto com o castelhano desde muito cedo, do qual admiro a força e tensão que podem introduzir na poesia.

Baladilla de la flor muerta

En el aire tu olor de seguidilla
y tus verdes venas tensas en tu tallo.

Tu perfume, ancho sonido, en tus pétalos
quedó dormido en tu sombra.

Ausência

Poema escrito em 2004


Ausência

A ausência é uma presença
na geometria vegetal das árvores
que não habitam florestas.
As florestas existem
para ter delas árvores ausentes.
Uma floresta é uma ausência de árvores?
Ou apenas o reflexo da antiga sombra
que passou, austera,
na sua nudez de negro impudica?
E que passa, passa, fazendo tocar
a música solene
que povoa todas as florestas.

Língua e Poesia

Ritmo, harmonia, mesmo semântica, são variáveis de peso quando se escolhe uma Língua para escrever poesia. Por volta de 2006 iniciei as primeiras tentativas de usar a Língua Inglesa para escrever poesia.
Esta tentativa é uma das primeiras.
Depressa descobri que uma poesia feita numa Língua que não é a minha Língua original não resultará se obedecer ao esquema simples de tentar pontes com tradução. Tem que ser pensada na Língua em que se quer escrever.


As...

As if inside your desire
all the rivers should dry.

Your rose needs the rain
from all the waters.

Your desire is the harbour
in the secret middle, drawn
on the gilded dunes of your body.

And the river, impetuous
run your winding curves
as if inside your desire
all the rivers should dry.

        SALAMINA
        Irei morrer ainda a Salamina 
        Mesmo que da antiga perdida grandeza 
        Não reste mais do que desordem e ruína 
        Irei morrer ainda a Salamina 
        Pelo sol pela luz pela beleza 
Relendo Manuel Alegre, Salamina, enigmaticamente presente hoje em dia na ténue linha entre Civilizações.
Que os ecos das grandezas gregas e persas possam falar mais alto e a Beleza seja Imperatriz, e derrote as trevas.

Poesia e palavras

Dizia um conhecido poeta que a poesia faz-se com palavras, e não com ideias.
A essa grande manipulação das palavras, verdadeira alquimia, chamamos Poesia.
Fiz esta poesia em 2003:


A Palavra

A palavra, brusca solidão
como lua incendiada
por quixotescos clarins.
Finalmente a obscura rosa
rasgando desértica e inútil paisagem.

Um poema de 2004

Uma poesia que escrevi em 2004, na cidade em que resido desde 2003, Slough.
Tive a sorte de o poder publicar, com a ajuda fundamental de Antónia Penhalver com mais alguns poemas num livrinho com o título de "Que de dentro não se vê".
A Editora Plural de Curitiba aceitou no escuro publicar-me e a Emanuele Assini fez a capa sob uma ideia minha.




A ESQUINA DA MINHA RUA


Na esquina da minha rua
vejo o tempo passar.
Na esquina da minha rua
o tempo passa
e fica preso na clepsidra
da esquina da minha rua.
Areia revolta da memória...

Relendo Holderlin

Todos os dias saio em busca de algo diferente,
Demandei-o há muito por todos os atalhos destes campos;


Assim começam as Elegias do grande poeta alemão, Edições Assírio & Alvim.
Muitas das raízes da poesia moderna residem por inteiro na poética de Holderlin, com ou sem a sua divina loucura.

Introdução

Falar de poesia, da minha e da dos outros é o motivo para passar alguns momentos online, preenchendo o vazio do ecrã.
Citando a parte final dos famosos versos de Novalis - Quanto mais poético mais verdadeiro