terça-feira, 11 de setembro de 2012

O poeta de hoje é Sidónio Muralha.
Nascido em 1920 no Bairro da Madragoa em Lisboa e falecido em Curitiba, Brasil em 1982.
A sua vida foi ao mesmo tempo aventurosa e organizada. Auto exilou-se no então Congo Belga onde começou o seu trabalho para a Unilever e onde chegou a Director Geral. Viveu na Bélgica e percorreu vários países, em vários Continentes em trabalho. Mais tarde fixa-se no Brasil, corria o ano de 1961.
No Brasil fundou a Editora Giroflé, que muitos dizem, revolucionou o universodas publicações para crianças.
Como poeta, Sidónio Muralha é considerado neo.realista.
Fica esta poesia:



Três Poemas

Companheira dos homens

I
A poesia dos senhores que propagam o nevoeiro e confundem as gentes
poesia tão pessoal como uma escova dos dentes,
a poesia que eles queriam guardar nas suas casas
numa gaiola, como um pássaro a quem mutilassem as asas,
a poesia quebrou as algemas e saiu da prisão
e arrastou-se nas trincheiras, e dormiu nos campos de concentração,
e amou aqueles que negam mas que nunca se negaram,
e conheceu prostitutas que nunca se entregaram,
e comeu na malga dos soldados aquela sopa de massa
que é igual para todos como o pré e a desgraça.
E os homens aprenderam nas noites de inclemência
a cantar os seus versos, a recitá-los de cor,
e a murmurá-los nessas horas em que tudo é confidência
e em que cada palavra ganha uma ressonância maior.

II
O medo faz calar as aves nas florestas densas
mas as canções dos homens faze-as mais largas, mais intensas,
mais impetuosas, mais rudes, canções que ferem e espantam
pois com o medo as aves calam-se e os homens gritam e cantam.
E a canção é um homem que percorre o Mundo lés a lés
gesticulando com os seus próprios braços, andando com os seus próprios pés,
grito que vai de continente em continente implacável e forte
e que passa as fronteiras sem precisar de passaporte.
Canções robustas e lavadas que se levantam cedo
e bebem a madrugada e têm o fôlego dos atletas,
porque enquanto as aves se calam, estranguladas pelo medo,
o medo, como uma faca, rasga os corações dos poetas.

III

E os poetas dão-se as mãos como se encontram as poesias
e se encontram as exigências de duas refeições todos os dias.
Que todos temos os mesmos problemas, as mesma fúrias e dores,
e todos pagamos o mesmo juro nas casas de penhores,
e todos falamos a mesma língua terrena, viva, saborosa e agreste
e deixamos aos anjos a linguagem celeste,
e todos transportamos tijolos para a casa começada
e lhe rasgamos as janelas e a desejamos arejada,
e todos temos um estômago e temos um coração
que bate compassadamente a mesma inquietação.
Inquietação presente nas coisas, nos gestos e no ar,
inquietação que remexe ou que paira, ameaçadora e tamanha,
como um polvo que se revolve no fundo do mar
ou um grão de dinamite incrustado na montanha.

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