Clarice Lispector é a poetisa de hoje.

Nascida em Tchetchelnik na actual Ucrânia em 1920 e falecida no Rio de Janeiro em 1977.

Escritora e jornalista, desdobrando-se pelo romance, conto, crónica e literatura infantil.

Figura marcante e incontornável das Letras Brasileiras, a sua escrita embora não versificada era incontestavelmente poética. Os arranjos em verso de alguns textos de Clarice Lispector foram levados a cabo pelo labor do padre Antônio Damázio.

Fica um deles:

A Lucidez Perigosa

Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa atual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?
assim como um cálculo matemático perfeito
do qual, no entanto, não se precise.

Estou por assim dizer
vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma,
e não me alcanço.
Além do que:
que faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano
- já me aconteceu antes.

Pois sei que
- em termos de nossa diária
e permanente acomodação
resignada à irrealidade
- essa clareza de realidade
é um risco.

Apagai, pois, minha flama, Deus,
porque ela não me serve
para viver os dias.
Ajudai-me a de novo consistir
dos modos possíveis.
Eu consisto,
eu consisto,
amém.