quarta-feira, 26 de junho de 2013

Reponho uma poesia do poemário Amanhecer obscuro:


Havia um crítico...

Havia um crítico que gostava de criticar poesia.
Digo analisar. E analisava!
Analisava em jeito de caixa de petri,
Dizem-me alguns que era mais tubo de ensaio.
Não sei se era um senhor alto, ou baixo,
se usava chapéu e se fazia ginástica.
Se a fazia, não a devia fazer
os críticos nunca fazem ginástica,
com excepção dos críticos que a fazem,
poderia dizer um filósofo
que subitamente virasse lógico.
Perante o poema, sim, faz ginástica:
Fala de Lyotard, sim esse mesmo
que foi promovido a fenomenologista;
vejam bem, ele falava de fenomenologia,
e nem sei como não o promoveram
à incarnação gaulesa de Kant:
assim, uma espécie de Kant
perdido nos canteiros de Versalhes
e nas alamedas das universidades
olhando para as pernas das jovens estudantes.
Por sorte (a de Kant), Kant há muito morreu,
ainda seria olhado como pós-moderno.
Estou a ver: Kant, esse prolegómeno pós-moderno!
Depois desse Lyotard é que chegam os exercícios pesados:
Chega Sein unt Zeit, chega Heidegger.
Pois ele não dizia que era herdeiro
legítimo da tradição metafísica europeia,
e que estava solidamente escorado no niilismo,
e até falava de ontologia
e do esquecimento do ser como centro de interrogação
e que a linguagem é a casa do ser?
Se for caso disso, remata o exercício com Baudrillard,
de caminho vai dizendo que Platão e Aristóteles eram gregos...
de caminho vai dizendo que Platão e Aristóteles eram gregos...
Eu nunca escrevi um poema que fosse assim:
As rosas ao meio dia são mais antigas
que as rosas às onze horas
Eu sei que nunca escrevi, mas poderia ter escrito
Não escrevi, porque não sou dado a exercícios.
Se escrevesse, iriam trazer Lyotard, para falar
Da pós-modernidade moderna sem modernistas,
de como a democracia tanto deve
ao professor nazi de filosofia
Martin Heidegger de seu nome, substituto de Husserl
iriam trazer esse Baudrillard, ou outros.
Melhor era usarem um manual de jardinagem
um dos bons, que os há.
Os manuais de jardinagem sabem falar de rosas.
Os poetas, como não sabem falar de rosas
falam das rosas que irão um dia existir,
se existirem!

António Eduardo Lico




8 comentários:

  1. La poesía debe ser la salida del sentimiento, dejar fluir todo lo que se lleva dentro. Sin hacer tratados,ni manuales.

    Es así como puede llegar más al otro.

    Un beso.

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  2. Bom dia!!

    ADOREI TUA MANEIRA de poetizar,sutileza inspirada.

    beijos
    veraportella

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  3. A poesia é um estado de alma que os deuses distribuem ao seu bel prazer e independe de qualquer filosofia e erudição. A poesia não se deixa aprisionar e é livre como as forças da natureza.
    Um abraço

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  4. Por isso, António, gosto do adágio: Quem sabe faz, quem não sabe ensina". Claro! Apenas como um jogo verbal. O seu poema é um verdadeiro achado!
    Abr.,

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    Respostas
    1. É verdade José Carlos, inteiramente de acordo.
      Sim, saiu um jogo verbal. Não que fosse pensado para ser assim, dado que 95% da minha poesia é fruto da inspiração momentânea e não leva correcções. Poesia pensada, ou melhor com trabalho oficinal apenas a que tem métrica e rima e os poemas longos que exigem sempre uma releitura para limar arestas.
      Abraço.

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