sábado, 8 de junho de 2013

Reponho uma poesia do poemário Amanhecer obscuro:


De noite os gatos...

De noite os gatos, sim os gatos,
não lêem autores franceses
nem uivam para a lua.
Se o fizessem, eram literatos
e haveria sempre alguém
disposto a dizer que eram lobos,
por certo esquecendo
que os lobos não lêem autores franceses.
Dou por certo que um fleumático politólogo,
disfarçado de crítico literário
vai afirmar, e demonstrar (e depois ficar famoso)
que gatos e lobos não são afrancesados,
nem escrevem ensaios inquietos
acerca do gaullisme de Malraux
e da sua entrada tardia na Resistence.
ah, o crítico, ah o crítico literário,
heterónimo mundano dos politólogos,
não vai compreender porque Malraux entrou cedo
na Guerra Civil de Espanha,
e nem sequer vai dar um sentido estético
às fotos de Malraux de cigarro na boca.
Por certo vai fingir que não sabe que Malraux
gostava de bavarder sobre erotismo.
Vai ficar intimidado e com vergonha,
pois não pode citar Braudillard, e outros,
para explicar porque, para alguns Malraux era trotskista
e para Natalie Trotski era stalinista.
Como vais explicar que alguém como Malraux,
tão elegante e cosmopolita, e que viajou ao Oriente
não fosse um ícone de 68?
Voyons e a Condição Humana?
Vais também dizer que é uma Fleur du Mal?
Que era política disfarçada de literatura?
Ou talvez queiras demonstrar, bem à francesa
que ele era um nihlista; sim, assim ficas descansado!
Eram filosofias! Nada mais que filosofias.
E nem sequer vais dizer como eu: niilista;
vais dizer nihilista, era o que Malraux era,
os politólogos sabem latim, e já leram
Marco Aurélio, e Cícero; alguns sabem,
Oh volúpia de sabedoria, o genitivo de Cícero,
e naturalmente escrevem: Cicero.
Até sabem que Séneca foi estóico,
E esquecem-se de dizer, por conveniência, é certo,
que Malraux não foi estóico, e poucas coisas
fez por conveniência., a não ser que,
fingia que fazia uma filosofia
entre uma fatia de camembert, e uma taça de champanhe,
para não ser tomado como um autor profundo.
Sabes, um austríaco, depois deixou de ser austríaco,
promoveu-se a filósofo, sim, falo de Popper.
E dizem-me ser um autor profundo.
Um dia foi a uma manifestação, ele era comunista;
a polícia carregou e assassinou manifestantes.
E esse austríaco, Popper, Karl Popper
decidiu que já não era comunista.
Vendo a polícia a matar comunistas
decidiu que não era comunista;
depois fizeram dele famoso, até filósofo.
Disseram até que derreteu Gnoseologias!
Mesmo um poeta distraído, ou um europeísta convicto (e pago)
sabe fazer o diagnóstico certo: cortou-se, borrou-se de medo;
e voltou-se para a filosofia.
Errada vocação a desse austríaco,
deveria ir para polícia, assim podia matar comunistas,
ele próprio, já que ele tinha decidido que o não era;
e escusava de ter entrado na galeria dos intelectuais
muito considerados, mas vendidos.
O que tu não dirias dele, André!
Acabaste como ministro de De Gaulle,
muitos, sobretudo de entre os politólogos
devem achar que tu gostavas do inestético
nariz de De Gaulle, e da forma
como ele dizia . Vive la Frrrrrance.
muita gente te insultou, e disse mal de ti.
Acredito, que intimamente devias sorrir, divertido;
ainda hoje os politólogos não sabem, no seu saber definitivo,
que só querias mostrar como se devia ser bom comunista.

António Eduardo Lico


6 comentários:

  1. Maravilha de poema, com uma pitada de lição de história ou de sociologia política. Isso é para poucos. Muito boa a ironia mesclada com discussão sobre ideologias.
    Abraço,

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