Uma poesia de João Camilo:
QUE SE PASSA?
Claro que não, de maneira nenhuma.
Estava sentada ao meu lado, o desejo
agitava-lhe o ventre, ela semicerrava
os olhos. De maneira nenhuma, assim não,
ainda não. Debrucei-me sobre o seu rosto
e beijei-a. Pousei a cabeça no seu peito
e esperei pelas suas mãos. Continuava,
lento, a ir devagar ao encontro do desejo.
Não tinha pressa. Ela apertava-me
contra si silenciosamente, parecia
dormir e repousava o seu corpo como
se a morte ou uma hibernação o tivessem
ocupado. A televisão passava um filme
de John Ford. Ela ergueu-se subitamente,
afastou-me. Que se passa, perguntei-lhe,
surpreendido. Nada, respondeu ela, mas não é
o filme de John Ford que acaba de começar?
Não o quero perder. De acordo, pensei eu.
Levantei-me, fui sentar-me na cadeira do outro
lado da sala. Acendi um cigarro. Lá fora
caíra a noite há muito tempo. Mas quem
tinha vontade de pensar no que se passava
lá fora? Um filme de John Ford, repeti em voz
baixa. Apaguei o cigarro e concentrei-me
na aventura irreal, nas cores magníficas do deserto.
De repente, não mais que repente John Ford é que se torna urgente. O amor pode se tê-lo todo dia. Surpreendente e maravilhoso o texto.
ResponderEliminarAbr., António,
É verdade José Carlos. Não conhecia este poeta, que aliás também exerce a Crítica Literária bem como a docência. É uma boa descoberta a poesia de João Camilo.
EliminarAbraço.